Mercado já oferece mais de cem planos de saúde “populares”.

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Pesquisa do Idec levantou produtos com mensalidade abaixo de R$ 340, mas cobertura é deficiente

O Brasil já tem planos de saúde populares. Só no estado de São Paulo, são 118, de 27 operadoras, com valores abaixo de R$ 340, na faixa etária que concentra maior número de beneficiários (entre 34 e 38 anos). Essa é uma das conclusões de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), à qual o GLOBO teve acesso com exclusividade. Diante dessa constatação, o Idec avalia que a proposta do Ministério da Saúde de criar um novo modelo para tornar os planos mais acessíveis — em discussão por um grupo de trabalho da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — tem outro objetivo: mudar o panorama legal do setor, reduzindo proteções garantidas pela legislação atual ao consumidor.

— Os 20 planos mais baratos que encontramos tinham preços entre R$ 53 e R$ 200. A maioria deles, 78%, tem abrangência municipal ou de um grupo de municípios e uma rede assistencial enxuta. Nas grandes operadoras, a rede credenciada chega a corresponder a menos de 10% da ofertada em planos tradicionais, resultando numa subcobertura ao consumidor. Na proposta em debate pela ANS, as empresas poderiam atender a um rol aquém do que é estabelecido hoje e também teriam prazos mais dilatados para marcação de consultas e exames. Ou seja, só pioraria o quadro atual — diz Ana Carolina Navarrete, pesquisadora do Idec.

A pesquisa mostrou ainda que o uso de coparticipação, que na proposta dos planos de saúde acessível em estudo ficaria na casa dos 50%, não mostrou efeito significativo na redução das mensalidades. A maior diferença encontrada nos produtos pesquisados foi de 22%.

— Percebemos que a franquia e a coparticipação são usadas quando há uma melhora da rede, mas não têm grande efeito no preço — diz a pesquisadora.
Ana Carolina destaca ainda que, se a proposta for aprovada tal como o Ministério da Saúde encaminhou à ANS, os planos poderão restringir a oferta do rol aos serviços disponíveis na região geográfica.

— Hoje, se o consumidor precisa fazer uma tomografia e não tem na região, o plano o leva aonde tenha ou o reembolsa pelo procedimento. Se a regra mudar, o consumidor simplesmente não poderá fazer o procedimento.

A professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ Ligia Bahia diz que a pesquisa do Idec é consistente.

— O principal resultado da pesquisa é evidenciar que os planos baratos ou acessíveis são contratos, e isso não se expressa necessariamente em coberturas. Consequentemente, seja lá qual for o adjetivo utilizado, acessível ou popular, a proposta encaminhada à ANS tem como objeto a alteração nas normas legais especialmente no que diz respeito à coparticipação. Propor 50% de participação significa, na prática, o fim do sentido do plano de pré-pagamento. A diferença entre ter um plano ou pagar diretamente do bolso (que é o pós-pagamento) ficaria dividida ao meio — ressalta a professora.

Apesar de admitir que muitos dos pontos propostos para o plano acessível não precisariam da regulamentação da ANS para serem implementados, Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fena Saúde), diz que a normatização pela reguladora daria legitimidade ao produto:

— Hoje há vários produtos, mas nenhum padrão, e tudo é muito questionado. Se a ANS regula, não só dá racionalidade ao plano, mas legitimidade, torna tudo mais claro para os beneficiários e os intermediários. E isso é importante, não só para reduzir a judicialização, mas também porque há muitas queixas que não chegam à Justiça e que, no entanto, causam muita confusão no mercado. Se você coordena o acesso, dando mais racionalidade para a utilização, e retira ou reduz custos regulatórios, isso vai ser positivo.

Ligia chama atenção ainda ao alerta feito pelo instituto em relação aos parâmetros mínimos de cobertura:

— Há uma omissão da ANS em relação aos requerimentos mínimos da oferta, e veja que é a nominal, não quer dizer que seja a real, das operadoras.

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, que a participou do grupo de debate inicial sobre o tema no Ministério da Saúde, lembra que um dos pontos da proposta é usar o rol de cobertura do SUS, que é mais restrito que o da ANS. Se isso passar, diz, o brasileiro vai ficar sem atendimento em casos mais complexos em várias regiões:

— O plano poderá ser mais barato, mas, quando for necessário um procedimento de alta complexidade, ele não vai ter. E também não vai conseguir acesso no SUS, principalmente nos locais mais longínquos, onde há pouca infraestrutura. Todas essas propostas vão contra o esforço de proteção e de garantia de cobertura que tem sido feito ao longo de todos esses anos.

ANS DISCUTIRÁ O TEMA MAIS UM MÊS

Na avaliação de Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), é preciso ter uma visão mais ampla sobre a proposta dos planos acessíveis. Scheibe diz que a restrição de cobertura é uma tendência em países como Canadá, Inglaterra e Japão.

— Hoje não temos oferta de planos no interior, porque não tem como cobrir o rol da ANS nessas localidades. Então não podemos vender, pois corremos o risco de receber multas violentas, até por não conseguir oferecer uma consulta com um especialista no prazo, por exemplo. Não estamos falando em tirar os produtos que estão no mercado, mas em oferecer um plano inicial. No cenário em que estamos hoje, a tendência é de cada vez uma concentração maior do setor — diz o presidente da Abramge.

Em nota, ANS informou que um grupo de trabalho, composto por técnicos da reguladora, está discutindo os parâmetros para o plano popular, “não sendo possível um posicionamento neste momento”. O trabalho do grupo estava previsto para ser concluído na próxima semana, mas será prorrogado por 30 dias. Quanto à pesquisa, a ANS não quis se manifestar.

Para Francisco Ballestrin, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados, os planos hoje “não são de saúde, mas de doença”:

— Não há uma preocupação em promover saúde. Eles estão mais preocupados que quem tem doenças seja atendido da forma mais barata possível. Quando falam em redução de sinistralidade, não tratam de prevenir, mas vão discutir com os fornecedores formas de baratear o tratamento.

Crédito: Luciana Casemiro da coluna Defesa do Consumidor do Jornal O Globo – disponível na internet 22/05/2017

 

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