Defesa do Consumidor: Processos de consumo esperam até 20 anos por execução de sentença.

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Ana Rita Ulyssea, de 58 anos, contratou o seguro de vida da SulAmérica, nos anos 2000, com reajustes baseados na inflação e não de faixa etária. No entanto, em maio de 2006, recebeu uma notificação de que em 30 dias seu seguro seria extinto. Desde então briga judicialmente para manter o contrato tal como foi firmado. Depois de mais de uma década, ela ganhou a ação, teve seu dano moral reconhecido, mas ainda não levou: o processo está em fase de execução. Casos que se arrastam na Justiça por anos a fio, como o de Ana Rita, são muito mais comuns do que seria desejável.

Ana Rita Ulyssea ganhou o direito à indenização, mas não recebeu o dinheiro: 20 anos na Justiça – O GLOBO / Leo Martins

As ações civis públicas relacionadas a direitos do consumidor do Ministério Publico Estadual do Rio (MPRJ) têm duração média de pouco mais de quatro anos. As que tratam do setor de telecomunicações são as mais demoradas: o tempo médio chega próximo dos seis anos. E há casos ainda mais graves, como as ações civis públicas movidas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) para reaver perdas dos clientes bancários com as instituições que se arrastam, em média, de 15 a 20 anos.

— Há pouco tempo procuramos um consumidor, já com 89 anos, para comunicá-lo que a sua indenização tinha finalmente saído e ele não acreditava. Ele sequer lembrava que tinha entrado com a ação. Levamos duas semanas para convencê-lo que os R$ 300 mil eram de fato dele — conta Claudia Almeida, advogada do Idec.

Manter o consumidor mobilizado por um tempo tão longo de tramitação de uma ação é um dos grandes desafios de advogados e promotores para que de fato a Justiça seja feita. Segundo Christiane Cavassa, coordenadora da Promotoria de Defesa do Consumidor do MPRJ, em apenas 6,38% dos processos há adesão em número suficiente dos consumidores para recebimento das indenizações, na maioria das vezes é a promotoria que precisa executar a sentença para que a indenização seja recolhida a um fundo de direito difusos.

— São pouquíssimos os casos em que há adesão do consumidor compatível com o dano. Além do tempo de trâmite, outro desafio é fazer chegar ao conhecimento do consumidor que tem um valor a ser recebido. Esse foi um dos objetivos da criação do portal Consumidor Vencedor que reúne os casos vitoriosos do MP dar visibilidade a essas sentenças — ressalta Christiane.

Recursos protelatórios

O advogado David Nigri, responsável pela ação de Ana Rita, diz que mais complicada ainda é situação da ação coletiva, que também foi impetrada em 2006, já reúne 28 volumes, e não tem data para acabar. No entanto, há uma decisão do desembargador José Roberto Portugal Compasso, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, que determinou a expedição de mandado de pagamento de 80% do valor da indenização aos beneficiários dos segurados em caso de morte. Para fazer jus, basta que os herdeiros se habilitem na ação.

— Muita gente morreu sem garantir para os herdeiros a tranquilidade que queria. Por isso, quando a SulAmérica recorreu na segunda instância, num ato para ganhar tempo, o desembargador decidiu garantir a indenização, mesmo que parcial, a beneficiários dos segurados que viessem a morrer — diz Nigri.

— Decidi fazer um seguro de vida para deixar uma espécie de poupança a meus filhos no futuro e, por isso, a suspensão me assustou — conta Ana Rita.

Claudia Almeida, do Idec, cita outro caso em que a demora na Justiça dificultou que os prejudicados fossem ressarcidos. Trata-se da ação que pedia os 20,46% de correção da caderneta de poupança que deixou de ser realizada em janeiro de 1989, no Plano Verão, já com decisão favorável na Justiça. Muitos poupadores já morreram. E vários bancos envolvidos quebraram ou foram vendidos.

— A Justiça tinha que ser mais firme. Mesmo quando os bancos lançam recursos claramente protelatórios, nenhuma medida é tomada. E, quando há aquisições no setor, como foi o caso do Nacional pelo Unibanco e, posteriormente, do Unibanco pelo Itaú, ou a compra pelo Bradesco do Econômico e do Mercantil, entre muitos outros, isso representa um enorme retardamento da solução. Os novos donos nunca querem arcar com o passivo e aí começa uma rediscussão, que muitas vezes, chega a incluir a revisão do valor da indenização — explica a advogada.

A morosidade das ação judiciais, diz o desembargador César Cury, do TJRJ, é um motivo frequente de discussão entre os magistrados. Não existe uma causa única, diz o desembargador, que aposta, no entanto, que o novo Código de Processo Civil terá um efeito redutor no tempo de trâmite dos processos:

— Os juízes ainda são reticentes em aplicar punições, multas, às empresas quando há litigância de má-fé. As empresas usam todo expediente para postergar a solução ou tentar pressionar o consumidor a um acordo que é mais vantajoso pra ela. Mas, com o novo Código de Processo Civil, esse ciclo pode ser rompido, ao privilegiar a mediação e a conciliação como caminhos alternativos. Saímos de zero em 2015 para 400 conciliações por dia hoje, com 40% de acordo.

Cury ressalta ainda que a crise também está fazendo as empresas mudarem de postura:

— Em tempo de vacas magras, as empresas também já se incomodam com o volume de provisionamento do contencioso e começam a ter interesse em uma solução mais rápida. Acredito que em cinco ou dez anos, o tempo de trâmite deve ser mais curto. Quando se demora uma década para solucionar um conflito, não se pode dizer que a Justiça foi feita.

O desembargador alerta ainda que o custo de um processo judicial é de R$ 2.800, e não raro há ações em trâmite que discutem valores muito menores, o que não faz sentido.

— A empresa tem que passar a ter consciência de seu papel social, não pode agir contra o Estado para proveito próprio.

A SulAmérica informou não comentar decisões judiciais. O Itaú Unibanco disse prezar pela celeridade dos processos e não ter políticas recursais protelatórias. A instituição afirmou ainda utilizar recursos apenas em casos em que há total convicção em relação à sua tese jurídica. O Bradesco não enviou resposta ao GLOBO.

Luciana Casemiro e Pedro Amaral (Estagiário , sob supervisão de Luciana Casemiro)/O Globo – disponível na internet 12/06/2017

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