A chegada de Neymar ao Paris Saint-Germain já ficou marcada na história do futebol, não ainda pelos ganhos esportivos do clube com o craque brasileiro, mas pelo lado financeiro do negócio.
O clube pagou 222 milhões de euros (R$ 815 milhões) ao Barcelona para contratar o jogador, o maior valor já visto em uma transação do futebol – é mais que o dobro do recorde anterior, a contratação do meio-campista Paul Pogba pelo Manchester United, da Inglaterra, por 105 milhões de euros no início deste ano.
Além disso, a equipe francesa ofereceu R$ 110 milhões por ano em salários para convencer Neymar a trocar Barcelona por Paris. Numa conta simples, isso equivaleria a mais de R$ 300 mil por dia – ou a R$ 12,5 mil por hora. Um valor que poucos conseguem ganhar em uma vida inteira de trabalho.
Os números parecem exorbitantes, fora de qualquer realidade. Mas, segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, têm alguma explicação lógica e matemática.
“Hoje está evidente que (o futebol) é um mercado de entretenimento. Nos Estados Unidos, é mais normal ver o esporte como essa indústria, mas o futebol está se consolidando nisso agora. Está virando cada vez mais espetáculo”, diz a economista Elena Landau, que trabalhou no BNDES, foi diretora do Programa de Desestatização do governo FHC e atuou no Atlético-MG e no Botafogo (seu time do coração).
“A final da Liga dos Campeões, por exemplo, é hoje em dia quase um Super Bowl (final da NFL, a liga de futebol americano)”, compara.
Neymar e Brad Pitt
Landau compara o mercado do futebol ao mercado de entretenimento de Hollywood – um ator como Brad Pitt recebe valores altíssimos para fazer um filme, o que seria proporcional à movimentação financeira que se espera da película.
A lógica para o futebol hoje seria a mesma: as estrelas, como Neymar, são muito bem pagas porque são as protagonistas de um espetáculo que envolve cada vez mais dinheiro.
“O futebol é um dos poucos segmentos, senão o único, em que o funcionário ganha mais que o patrão. O presidente de um clube ganha menos que o jogador”, observou o especialista em marketing esportivo Erich Beting.
Isso porque sem os jogadores, sem as estrelas, não há o espetáculo que movimenta todo esse dinheiro, explica Beting. Ele ressalta que, principalmente na última década, os clubes europeus passaram a “internacionalizar” sua marca e, com isso, multiplicaram seus lucros.
“Eles estão a cada ano aumentando a receita porque as marcas dos clubes europeus se tornaram globais. O PSG tem programa de associação de membros (algo como um “sócio-torcedor”) mundial, qualquer um pode se associar no mundo inteiro. Os clubes se tornaram potências globais como nunca foram, ajudados pela Liga dos Campeões, que também se tornou mundial.”
Para se ter uma ideia desse crescimento, o Barcelona, por exemplo, aumentou quase 300% seu faturamento nos últimos 10 anos – de 259 milhões de euros em 2006 para 689 milhões em 2016 -, segundo os números oficiais do clube.
Em 2011, antes de ser comprado por um fundo de investimento do Catar, o PSG faturou 221 milhões de euros, de acordo com o estudo Football Money League, da consultoria Deloitte. Hoje, esse valor subiu para 520 milhões de euros – quase metade do faturamento do clube foi investido na contratação de Neymar.
“Esse investimento é irracional. O Real Madrid, por exemplo, não faria algo assim, a não ser que visse uma equação em que ganharia em todos os sentidos. Mas o PSG precisava dessa autoafirmação, então ele construiu essa loucura. Porque você não mede o retorno só do dinheiro, mas também do prestígio. E como o PSG tem um fundo de investimento por trás, ele tem dinheiro para correr esse risco”, pontua Beting.
O fator Neymar
Tanto Landau quanto Beting classificam o caso Neymar como um ponto fora da curva nas negociações do mundo do futebol.
“O negócio não seria de risco se ele (clube) dissesse ‘não me importo em perder dinheiro’, o que talvez seja um pouco o caso do PSG, que tem o fundo por trás. E você olha para o clube e tem tudo a ver, porque lá ainda falta um ídolo, uma pessoa que vai levar mídia, uma visibilidade que eles não têm”, afirma ela.
Ainda carente do troféu mais cobiçado na Europa – o da Liga dos Campeões – e tendo esbarrado justamente no Barcelona diversas vezes na fase eliminatória, o Paris Saint-Germain vê em Neymar a chance de conquistar a taça que nunca veio e, consequentemente, as cifras que a acompanham.
“Existem os aspectos esportivo e econômico. Pelas cifras envolvidas, a gente pergunta: o Neymar vai se pagar? Não, ele não deve se pagar. É um negócio que dificilmente se paga na ponta do lápis”, pondera Beting.
Mas ele agrega que o jogador brasileiro “tem sido cada vez mais frequente na mídia em geral, não só no Brasil. Tem grande relevância nas redes sociais. Na semana passada, estava jogando com o Barcelona nos EUA, e o Tiger Woods (jogador de golfe) tirou foto com ele e com a camisa do Barça, outros astros da NBA fizeram a mesma coisa. Ele transita em muitos territórios e, quando você tem um embaixador desse, é um baita ganho de imagem”.
Além da visibilidade e da mídia que Neymar atrai consigo, os especialistas pontuam que, por causa dele, o PSG também deve ganhar novos patrocinadores, deve receber mais por cotas de TV, aumentar a receita de estádio e até vender mais produtos. A expectativa anunciada pelo clube é de vender 1 milhão de camisas do craque brasileiro – que renderiam ao time 40 milhões de euros.
E tudo isso, segundo Beting, está embutido no preço para contratar Neymar. Além, claro, de ter de convencê-lo a deixar o Barcelona, um time já consagrado mundialmente, para ir para uma equipe com prestígio bem menor.
“O cara está apostando a ficha de que o Neymar vai solucionar a empresa dele, então está disposto a oferecer muito”, diz Beting. “A gente tem um salto financeiro que dificilmente paga todo o investimento, porque tem o custo mensal de salário, mas traz imensuravelmente um retorno para o PSG.”
Escalonamento do mercado
Para entendermos um pouco melhor o salto nos valores de transferências e salários de jogadores é preciso levar em conta uma série de fatores – a presença da TV, por exemplo, já que os direitos de transmissão constituem uma parte significativa das receitas de clubes, seja em São Paulo ou Paris.
Mas um divisor de águas ocorreu em dezembro de 1995, quando a Corte Europeia de Justiça deu ganho de caso ao belga Jean-Marc Bosman em uma ação que começou como um litígio trabalhista do jogador contra seu clube, o Standard Liege, da Bélgica, que se recusara a vendê-lo e diminuira seu salário.
A decisão deu uma liberdade de movimentação sem precedentes para jogadores em clubes europeus. Na prática, as novas regras determinavam que os atletas poderiam simplesmente ir, de graça, para outras equipes no fim de seus contratos, o que aumentou incrivelmente o poder de barganha deles e de seus empresários em negociações salariais. No Brasil, a Lei Pelé, que veio em 1998, tinha o mesmo objetivo.
Na Inglaterra, por exemplo, o salário médio mensal de jogadores da Primeira Divisão na época da decisão da corte europeia girava em torno de R$ 40 mil. Dez anos mais tarde, já atingia a marca de R$ 195 mil. Em 2015, passava de R$ 700 mil.
A mesma coisa se deu com o valor de transferências: entre 1997 e 2017, o “recorde mundial” de transações saltou de R$ 61,7 milhões para os mais de R$ 800 milhões pagos pelo PSG ao Barcelona pelos serviços de Neymar.
O peso de salários nas finanças das equipes também aumentou consideravelmente. No futebol europeu, a folha de pagamento de jogadores corresponde, em média a mais de 60% da receita dos clubes.
Mas para o jornalista e autor do livro Soccernomics (“Economia do futebol”), Simon Kuper, a lógica é até “simples” para justificar os altos valores de salário pagos para Neymar.
“O valor de um jogador é estabelecido dentro de campo. É ali que você julga se ele é bom ou é ruim. E Neymar é muito bom. É muito mais fácil julgá-lo por gols e passes. O valor de um executivo, por exemplo, é muito menos claro. Um executivo ruim pode ser ruim sem prejudicar a empresa. Eu posso ser diretor de uma multinacional e disfarçar, mas as pessoas vão perceber rapidinho se eu tentar jogar pelo Barcelona”, diz.
“Um jogador de futebol se expõe ao julgamento do público toda a semana em uma atividade mais competitiva e implacável que a maioria das outras. E ninguém joga com a camisa 10 porque tem padrinho, ao contrário do que acontece no mercado de trabalho tradicional.”
É importante mencionar, porém, que o mercado salarial dos milhões é restrito a uma imensa minoria. Segundo relatório da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deste ano, 82% dos jogadores que atuam no Brasil ganham menos de R$ 2 mil – e 96% deles não ganham mais do que R$ 5 mil.
“Mas se a gente for pensar, quantos atletas de primeira linha existem no futebol mundial? No futebol brasileiro vão existir só 12 clubes que podem pagar esses salários altos. E não para muitos jogadores”, ponta Beting.
“No caso de jogadores que ganham no nível do Neymar, a quantidade é a mesma de bilionários no mundo. É que esses casos, como os do Neymar, estão na mídia, enquanto os que ganham R$ 1 mil não estão.”