E se pudéssemos morar no edifício A Noite? Ou no terreno do INSS da Avenida Passos? Ou nos infindáveis imóveis públicos ociosos no Centro do Rio?

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Edifício a Noite na Pç Mauá - Centro do Rio - Foto de Washington Fajardo
Uma cidade cheia de ‘e se…’E se o transporte público fosse gratuito nos finais de semana? Sim, sabemos que não existe almoço grátis. Mas se pudesse ser subsidiado pelo menos nos finais de semana, que impacto teria? As pessoas circulariam mais? Iriam mais à praia? Os museus seriam mais visitados? Crianças veriam mais os avós? Alguém iria a um lugar que nunca tinha visitado, mas que sempre desejou conhecê-lo?

Como uma simples conjectura poderia transformar a realidade? Estamos tão assombrados por fatos que imprimem terror e emergência ao nosso cotidiano que até a nossa capacidade de imaginar outros universos possíveis de vida, mundo e cidade parece estar sendo destruída.

O espaço que as redes sociais tomam do nosso tempo pessoal nos afasta da leitura reflexiva e até da simples exploração de outros contextos possíveis. Ou impossíveis.

Esta semana, executivos de alta patente do Facebook e do Twitter fizeram um mea-culpa sobre como conteúdos originados na Rússia teriam influenciado avaliações e decisões no eleitorado estado-unidense nas últimas eleições, e que eles não teriam percebido isso. Algoritmos são replicadores acríticos de vocábulos repetidos, mas não necessariamente de conceitos que façam sentido. Em outra perspectiva, na preconização da sustentabilidade, queremos avaliar consequências reais e mensuráveis de decisões, ações, investimentos, etc., na realidade. Vivemos numa era pragmática onde somente o digital pode sonhar.

Pelas realidades tecnológicas nos embasbacamos com piruetas de carros autônomos ou ficamos sedados em dramaturgias on-line. O último episódio de “Game of thrones’’ parou o planeta, e a abstinência de fantasia gera novos males, como depressão de “fim de temporada”.

O arquiteto holandês Rem Koolhaas, que além de designer é um grande pensador da nossa condição urbana contemporânea, diz que arquitetura é uma profissão perigosa pela mistura incessante e cíclica de onipotência e impotência. A mente do arquiteto vê a realidade, nela se insere, mas está sempre, concomitantemente, considerando outras possibilidades. O que chamamos de projeto nada mais é do que essa capacidade de configurar uma nova ordem e um novo sentido para a materialidade do espaço ou da cidade.

O desenho é a linguagem desse corpo mental, que tem função e alterna o real. Por isso, arquitetos não desenham, como faz um ilustrador ao retratar ou como faz um artista ao transfigurar. Há destino tangível no desenho da arquitetura, que, mesmo partindo de um pressuposto, pretende-se realidade. Também por essa razão Umberto Eco considerava os arquitetos “possivelmente os últimos humanistas”, pelas dimensões técnicas, artísticas e sociais da sua prática.

Podemos projetar por meio da escrita quando podemos levar o leitor a outros lugares, imaginários, mas que transformariam nossa interação com o ambiente construído. Cada pedra, concreto, aço e madeira das cidades são resultado dessa formulação de possibilidades, mas que, mesmo quando estabilizadas em construção, continuam a conter a carga cinética da transformação. E se?

Tanto construir quanto demolir a Perimetral tiveram origem na mesma conjugação. E se construíssemos aqui? E se demolíssemos aquilo? Os critérios de cada época, o debate de ideias, o imperioso da realização da hipótese é que serão o ponto de transmutação.

Diante do caos e da maldade com que tratam o Rio de Janeiro, cultivar a imaginação é ato revolucionário. Sejamos rebeldes!

E se os carros não circulassem mais nas ruas estreitas do Centro Histórico, tanto liberando mais espaço para os pedestres quanto reduzindo as interseções com o VLT? E se estacionar na rua custasse R$ 10, e não R$ 2?

E se as barcas ligassem São Gonçalo ou Duque de Caxias à Praça Quinze? E se conectassem diretamente os aeroportos?

E se tivéssemos uma Autoridade Metropolitana de Transporte que acabasse com os 19 cargos de secretários municipais de Transportes e finalmente organizasse a mobilidade na Região Metropolitana? E se houvesse integração tarifária? E se os serviços de táxis e de transporte compartilhado fossem licenciados para toda a região, e não mais por município?

E se pudéssemos morar no edifício A Noite (foto)? Ou no terreno do INSS da Avenida Passos? Ou nos infindáveis imóveis públicos ociosos no Centro do Rio? E se fosse possível morar na Saara? E se imóveis vazios pagassem IPTU progressivo?

E se fizermos um grande parque urbano na orla dos bairros da Leopoldina, unindo Caju, Maré, Ramos e Penha, cerca de nove quilômetros de litoral, três a mais que o Parque do Flamengo, seis a mais que a Praia de Copacabana?

E se organizássemos todo o planejamento urbano da cidade em função das praças? Ou das escolas municipais? E se tivéssemos mais playgrounds nas praças, e não nos condomínios?

E se reflorestássemos a vertente norte do Maciço da Tijuca? E se voltássemos a tratar a arborização urbana como uma infraestrutura essencial e não esse plantio medíocre de árvores que não vingam pois não são irrigadas e tratadas? E se definíssemos Vargens e Guaratiba como cinturões verdes da cidade para sempre?

E se…

Crédito: Washington Fajardo/O Globo – disponível na internet 04/11/2017

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