Um partido que parece em vias de implosão. O PMDB que na véspera do impeachment de Dilma Rousseff simulava estar unido, certo de que teria um candidato à presidência em 2018, agora mal consegue reunir sua diretoria para um encontro anual da legenda. Por duas ocasiões alterou a data dessa reunião. Está marcada para 19 de dezembro, um período em que Brasília provavelmente terá pouco movimento de políticos por causa do recesso de fim de ano. Oficialmente, o encontro tem na pauta alguns pontos significativos. O primeiro deles visa definir a mudança do nome da legenda – retomando o antigo MDB dos fins da ditadura militar, quando havia apenas o bipartidarismo. O MDB representava os anseios do povo, contra a Arena, que somava apoiadores do governo militar. “Se o MDB antigo fez a redemocratização do país, o MDB novo pode fazer a reconstrução social e econômica do país”, disse neste sábado o senador Romero Jucá, em Porto Alegre. “Queremos deixar de ser partido para ser um movimento, algo mais forte, mais permanente”, disse ainda Jucá, conforme o jornal Folha de S. Paulo.
Essas contradições internas e um crescente movimento opositor podem resultar em um efeito de esvaziamento da reunião nacional da legenda. Diretórios como do Paraná, Pernambuco e Santa Catarina, por exemplo, ameaçam não comparecer ao encontro. Se forem seguidos por outros, corre-se o risco de não haver quórum mínimo para deliberações. Quatro dirigentes opositores a Temer consultados pela reportagem disseram que ainda vão pensar se estarão na reunião. Tentarão conciliar com suas agendas locais. É um claro discurso de inconformismo com os rumos do partido.
Um exemplo dessa insatisfação ficou expresso no diretório de Pernambuco. Comandado pelo vice-governador Raul Henry, que é do grupo político do deputado federal e ex-presidente do PMDB Jarbas Vasconcelos, o diretório pernambucano quase sofreu uma intervenção nacional nas últimas semanas. O objetivo do presidente em exercício da executiva nacional, o senador Romero Jucá, era entregar a direção estadual para o senador Fernando Bezerra Coelho. A razão é porque Jarbas Vasconcelos tornou-se uma pessoa mal quista pelo Governo após votar duas vezes a favor da abertura de investigações contra Temer. Recém-filiado ao PMDB, Coelho deixou o PSB visando tomar a direção estadual. Até agora, não obteve êxito porque duas decisões judiciais impediram a intervenção.
Se já não bastasse a tentativa de tomada de poder em esfera estadual, o PMDB contraria o seu discurso de implantar uma política de “compliance” e ainda mantém em seus quadros políticos que foram condenados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Por outro lado, expulsa ou ameaça de punição filiados que contrariam o Governo Michel Temer. Nesta semana, a senadora tocantinense Kátia Abreu foi expulsa da legenda sob a acusação de ter violado o Código de Ética e Fidelidade Partidária e o Estatuto do PMDB.
Ex-ministra de Dilma Rousseff (PT), Abreu votou contra a reforma trabalhista de Temer e anunciou que será contrária à reforma da Previdência. “A Comissão de ‘Ética’ do PMDB decidiu pela minha expulsão do partido de Ulisses Guimarães e Tancredo Neves. Fui expulsa exatamente por não ter feito concessão à ética na política. Fui expulsa por defender posições que desagradam ao governo. Fui expulsa pois ousei dizer não a cargos, privilégios ou regalias do poder”, disse Abreu, em nota à imprensa. Ela ainda ironizou o fato de a Comissão de Ética do partido não ter aberto processo contra membros da legenda que estão presos por corrupção numa clara alusão a Geddel Vieira Lima.
Mais um senador, o paranaense Roberto Requião, e outros cinco deputados federais podem ter o mesmo rumo, já que ou foram contrários às reformas do Governo ou votaram pela abertura de processos criminais contra o presidente. Enquanto isso, figuras como os ex-deputados Eduardo Cunha, Rodrigo Rocha Loures, Geddel e Henrique Eduardo Alves, todos presos pela operação Lava Jato e intimamente ligados a Temer, seguem filiados ao partido. Destes quatro, apenas Geddel sofreu alguma punição, está afastado cautelarmente por 60 dias.
Urnas de 2018
Entre os peemedebistas não há um consenso sobre qual será o destino do partido. Os escândalos de corrupção envolvendo a cúpula do PMDB do Rio de Janeiro serviram para reforçar o desgaste que o partido tem sofrido. Em quase todos os Estados em que ocupa o cargo de governador ou em que o partido já teve papel de destaque há algum entrevero que pode refletir nas eleições do ano que vem. Nesse cenário, surge uma dúvida entre os dirigentes peemedebistas: quem será o defensor do legado de Temer no próximo pleito?
Com sete governadores eleitos em 2014, quatro já foram citados em casos de corrupção. No Rio, as gestões Sergio Cabral e Luiz Fernando Pezão, somadas à máfia implantada na Assembleia Legislativa pelo deputado Jorge Picciani, praticamente sepultaram o partido. Em Mato Grosso, o ex-governador Silval Barbosa tornou-se um réu confesso de corrupção e delator da Justiça após ficar quase dois anos preso. No Mato Grosso do Sul, o ex-governador André Puccinelli foi preso no início de novembro, quatro dias antes de ele assumir o diretório regional do partido. Contra Puccinelli, pesa a suspeita de que comandava um esquema de desvio de recursos. Em Rondônia, Confúcio Moura é investigado por participar de uma organização que desviou 57 milhões dos cofres públicos. No Tocantins, Marcelo Miranda é suspeito de compor uma quadrilha que lavou mais de 200 milhões de reais.
A situação é complicada ao ponto de até mesmo em Estados em que não apareceram graves desvios de conduta os peemedebistas deixam claro essa insatisfação. No Espírito Santo, o governador Paulo Hartung já anunciou que deixará a legenda por entender que o PMDB agora é apenas uma “confederação de interesses regionais” – ele aparece como receptor de 1 milhão de reais da Odebrecht em anos que não disputou eleições. No Rio Grande do Sul, outro peemedebista, o governador José Ivo Sartori, foi eleito escondendo o nome de seu partido em 2014. Mas era o anti-PT. Hoje, evita falar de candidatura à reeleição, principalmente porque sua administração é rejeitada por 50,5% da população. Ainda assim, é líder em um cenário e vice-líder em outro pesquisado.
Com a falta de união, em algumas regiões do país, o PMDB acaba sendo empurrado a se reaproximar do PT. Principalmente na região Nordeste, peemedebistas têm defendido a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência. Isso ocorre claramente no Ceará, em Sergipe e em Alagoas. Presidente do Senado, o cearense Eunício Oliveira, disse que poderia votar em Lula, caso não haja um consenso na legenda. O governador sergipano Jackson Barreto segue o mesmo discurso e já ameaça sair do partido por entender que “o PMDB nacional que tem hoje o governo do país não está correspondendo à história do governador do PMDB”. Enquanto que o senador alagoano Renan Calheiros, que já foi aliado de Temer, tem defendido Lula com unhas e dentes em seu Estado, e se contrapõe reiteradamente contra os planos do presidente. No caso de Calheiros, seu objetivo é buscar a sua reeleição e a de seu herdeiro, Renan Filho, que governa Alagoas. Assim, mesmo com o sonho de querer unir a legenda rebatizando-a de MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o grupo continuará partido, rachado, dividido.
Crédito: Afonso Benites / El Pais Brasil – disponível na internet 27/11/2017