Planalto adota pente-fino nas indicações para a Esplanada. Tentativa é evitar mais desgastes com as próximas trocas de 13 pastas até abril. O governo quer uma solução definitiva não apenas para a situação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), que segue impedida de assumir o ministério do Trabalho por conta de decisões de um juiz de primeira instância de Niterói e ratificada duas vezes pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O presidente Michel Temer chamou ontem a ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, para discuti uma saída que impeça a repetição de crises como essa durante a nomeação de pelos outros 13 ministros que devem se desincompatibilizar até abril para concorrer nas eleições de outubro.
O encontro entre os dois ocorreu no Palácio do Planalto e, mais tarde, ao par, somou-se o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. Temer está irritado com a situação, alegando que ele, por um preceito constitucional, tem o direito de nomear e exonerar os ministros que quiser. Para evitar novas derrotas, contudo, Grace sugeriu cautela e aconselhou que nenhum novo recurso seja apresentado esta semana. Os caminhos naturais, a partir deste momento, são ações junto ao Superior Tribunal de Justiça — instância que analisa decisões vindas dos Tribunais Regionais Federais — ou ao Supremo Tribunal Federal.
“Esse assunto, de fato, jamais foi levado ao pleno. Mas não creio que adiante debater isso agora, uma vez que, no caso de Lula, perdeu-se o sentido a ação com o impeachment de Dilma Rousseff. E no caso de Moreira, Temer tem aí mais nove meses de mandato”, ponderou o advogado especialista em direito público Fernando Luiz Carvalho Dantas. O advogado lembra que, nos dois casos, os recursos foram apresentados em foros apropriados. “Um juiz de primeira instância não pode proferir uma decisão dessas. Se mantivermos esse ativismo judicial, daqui a pouco, vai se tornar inviável qualquer ato praticado pelo presidente da República”, completou o especialista.
Para o advogado trabalhista Marcos Chehab Maleson, um dos fundadores do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes (Mati), o debate está reducionista. Ele criticou alguns juristas que afirmaram que, “se fosse assim, não poderíamos ter um fumante como ministro da Saúde. Fumar não é crime, infringir a legislação trabalhista é”, rebateu Marcos. O advogado, autor de uma das ações que brecaram a posse de Cristiane Brasil, disse que o ponto central do questionamento é o artigo 37 da Constituição Federal: a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. “Nomear como chefe máxima dos fiscais do trabalho alguém que tem condenação trabalhista é imoral”, completou.
Para evitar outras dores de cabeça, o governo será mais cauteloso nas próximas nomeações de ministros. Aliados admitem a possibilidade de que Temer cobre um pente-fino sobre pendências judiciais dos futuros indicados. “É uma forma de preservar o governo e o próprio partido. Certamente pode vir a ocorrer. Chega de tanta confusão por algo assim”, sustentou um interlocutor do peemedebista.
A prioridade do Planalto é fazer todo o esforço para assegurar a posse de Cristiane. Não apenas para tranquilizar caciques do PTB, como o próprio Jefferson, mas como também para sinalizar a outros partidos de que o governo mantém compromissos firmados. Tudo para assegurar a confiança dos líderes. “O governo está fazendo o que pode. Decisões judiciais devem ser obedecidas. Tudo que tinha de fazer dentro da legalidade está sendo feito. O governo não quer correr o risco de perder apoio na Previdência”, ressaltou um interlocutor.
Em vista disso, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, segue negociando e conversando com parlamentares sobre a imprescindibilidade em aprovar o texto. Ontem, no Rio Grande do Sul, participou de uma reunião sobre a reforma na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). No fim de semana, ele vai se encontrar com líderes ainda no estado sul-rio-grandense, onde manterá a cobrança por apoio.
“Nomear como chefe máxima dos fiscais do trabalho alguém que tem condenação trabalhista é imoral” Marcos Chehab Maleson, um dos fundadores do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes (Mati)
PTB, um partido em crise >> Natália Lambert
Criado por Getúlio Vargas em 1945, época do fim da Segunda Guerra Mundial, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) enfrenta até hoje uma crise de identidade. Apesar de nunca ter sido de esquerda, é considerado por muitos como tal, e, por isso, acabou pegando fama de que joga de todos os lados. Lideranças partidárias explicam que a confusão se deu lá atrás, na criação da legenda. Durante o Estado Novo, Vargas acabou com os movimentos e partidos comunistas, inclusive, mandando prender os principais líderes. “Chegou um momento em que o PTB era o único partido que defendia os trabalhadores, então, essas pessoas migraram para lá, dando esse tom mais esquerdista. Mas, imagina… O Vargas acabou com tudo isso. Tinha horror. Como ele criaria um partido de esquerda”, questiona um petebista que serve à legenda há mais de 50 anos.
Desde o nascimento, que teve como objetivo lutar por reformas, como a agrária e a educacional, pregava a desenvolvimento econômico. Em meados do século 20, formava dobradinha de peso na política com o PSD, de Juscelino Kubitschek, formado por pessoas de classes mais altas e do empresariado. Extinto em 1964 e refundado em 1979, o PTB passou a defender mais radicalmente a linha dos fundadores mais conservadores e, desde então, se alinhou ao liberalismo econômico. “O PTB defende o trabalhador e, consequentemente, defende o empresário. Não existe emprego sem empresa”, acrescenta o interlocutor do partido.
Hoje, na posição de “centro-direita, tem 1,192 milhão de filiados — 7,1% do eleitorado brasileiro. A principal liderança é o ex-deputado federal Roberto Jefferson (RJ), eleito para a Câmara em 1982 e reeleito sucessivamente até 2005, quando teve o mandato cassado por causa do envolvimento no escândalo do mensalão. Assumiu a presidência do partido em 2003 e, mesmo com o desgaste enfrentado pelos 14 meses na prisão, não perdeu o posto. Segundo pessoas próximas, o fato de ele ter “assumido tudo sozinho” só fez a admiração dos petebistas crescer em relação a ele. A filha Cristiane é a quarta geração de políticos da família no partido.
Desde a redemocratização, a legenda tem se mantido fiel aos governos. Jefferson fez parte, inclusive, de uma tropa de choque que defendeu o ex-presidente Fernando Collor durante o impeachment em 1992. Atualmente, tem se posicionado alinhado ao governo de Michel Temer. No fim do ano passado, foi a primeira sigla da base a fechar questão em favor da reforma da Previdência, prometendo punições que podem chegar até a expulsão. Seriam 16 votos (a bancada começou com 25), entretanto, se sabe que uns dois ou três devem contrariar a recomendação. O número é semelhante ao apoio da bancada à reforma trabalhista, quando 13 disseram “sim” e quatro, “não”. Nas denúncias contra Temer, os então 18 deputados também provaram ser maioria governista: na primeira, 15 a favor do presidente, 2 contra e 1 ausência; na segunda, 14 a favor, 3 contra e 1 ausência.
Crédito: Alessandra Azevedo , Paulo de Tarso Lyra , Rodolfo Costa/Correio Braziliense – disponível na internet 13/01/2018