O cientista político Sérgio Fausto, superintendente-executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, disse à BBC Brasil que não coloca o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado federal Jair Bolsonaro no mesmo patamar.
Algumas lideranças do PSDB têm situado Lula e Bolsonaro no mesmo nível de radicalismo. Empurrar os adversários para os polos poderia ser uma estratégia eleitoral eficiente para colocar o candidato tucano como opção de centro na disputa presidencial de 2018 – o provável candidato do partido é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
“Posso te dizer por mim: eu não coloco Lula e Bolsonaro no mesmo patamar. O Bolsonaro é um sujeito que ultrapassa todos os limites da convivência democrática equilibrada”, afirmou.
À BBC Brasil, Fausto disse ainda que as acusações contra Lula “são muito robustas”, e que não há motivo para se “insurgir contra a decisão do Judiciário” se ele for condenado em segunda instância e ficar impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa. O julgamento de Lula no caso tríplex do Guarujá está marcado para dia 24. “São as regras do jogo às quais todos os brasileiros estão submetidos”, argumentou.
Já no caso do senador Aécio Neves, gravado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, Fausto defendeu seu direito de se candidatar pelo PSDB, já que não há condenação contra ele. Por ter foro privilegiado, o caso de Neves está no Supremo. “Cabe ao eleitor de Minas fazer o seu julgamento eleitoral”, disse.
O superintendente da Fundação FHC também afirmou ver “todas as qualidades” para que Alckmin se fortaleça e seja um candidato de centro competitivo.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil – O PSDB perdeu as últimas quatro eleições presidenciais e chega em 2018 atrás nas pesquisas. Por que o partido não empolga o eleitorado?
Sérgio Fausto – Acho que o PSDB terminou a eleição de 2014 derrotado eleitoralmente, mas politicamente vitorioso. Perdeu por pouco e saiu da eleição com um capital político grande. O partido perdeu grande parte desse capital político ao longo desses anos.
A primeira razão, acho que acima de tudo, está o fato de que a Lava Jato atingiu alguns quadros importantes do partido. Dado que o PSDB fazia do tema da corrupção uma marca distintiva em relação ao PT, na medida em que o PSDB se vê atingido pela Lava Jato, ainda que numa extensão e numa profundidade menores do que o PT, isso tem um impacto muito importante sobre o partido.
Agravado pelo fato de que, no caso mais recente do senador Aécio Neves, o partido não soube responder a esse problema segundo as expectativas dos seus próprios eleitores. Isso de alguma maneira prejudicou a imagem que contrastava com o PT no plano da ética. Acho que isso é o fator principal.
Um outro fator importante é que o partido tem mostrado uma oscilação muito grande, uma dificuldade de votar em bloco em questões que chamam a atenção da opinião pública. O partido muitas vezes se dividiu e incorreu em contradições com medidas adotadas pelo governo do presidente Fernando Henrique. Então, existe uma certa incongruência entre o que o partido diz e o que o partido faz.
Esse conjunto de fatores: o fato de ter sido atingido pela Lava Jato e o fato de ter se dividido em relação à agenda de reformas, às acusações do presidente (Michel) Temer, isso custou ao PSDB uma parte muito importante do capital político que o partido conseguiu amealhar no processo eleitoral de 2014.
BBC Brasil – Fala-se que Aécio Neves estaria decidindo entre concorrer à reeleição como senador ou se lançar para deputado federal. O PSDB permitir sua candidatura não expressaria tolerância com a conduta que ele adotou?
Sérgio Fausto – Acho que não. Minha opinião estritamente pessoal: acho que o partido errou ao não destituí-lo da presidência do partido, cargo de direção. Tardou ao (inicialmente) afastá-lo apenas.
Agora, impedi-lo de concorrer sem que a Justiça tenha se pronunciado, não há sequer condenação em primeira instância, acho que seria um excesso. Cabe ao eleitor de Minas fazer o seu julgamento eleitoral.
BBC Brasil – Ele tem o foro privilegiado, então não tem como ter uma decisão de primeira instância.
Sérgio Fausto – É verdade, bem lembrado.
BBC Brasil – Voltando à discussão sobre por que o PSDB não está empolgando o eleitorado. A bancada de deputados federais, por exemplo, tem poucas mulheres e nenhum negro. Fica uma imagem de partido de elite?
Sérgio Fausto – Eu acho que falta ao PSDB refletir a diversidade da população brasileira. Embora exista dentro do partido o movimento de mulheres, o movimento negro, na parte mais visível do partido, que é sua representação parlamentar, chama atenção o fato de que predominam homens brancos.
Isto faz com que a pecha de elitista grude mais facilmente no partido. É bom lembrar que é uma pecha que o PT utilizou para estigmatizar o partido, não foi uma pecha que caiu do céu. Agora, de fato, o partido é vulnerável a esse estigma.
BBC Brasil – Alckmin tem uma base forte em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, mas para alguns analistas sua falta de carisma dificulta que cresça no Nordeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Concorda?
Sérgio Fausto – Carisma é uma coisa difícil de ser medida. Quem você pode dizer que é um líder carismático hoje na política brasileira? Só tem um, é o Lula. Nós não sabemos se ele disputará a eleição ou não.
Não acho que esse seja um fator decisivo num processo eleitoral. Alckmin tem condições de criar uma conexão com o eleitorado brasileiro porque ele responde bem algumas demandas que são do eleitorado do Brasil no seu conjunto. Há uma demanda primeiro por simplicidade, por líderes que tenham uma vida de não ostentação. Ele responde a essa demanda.
Outra demanda é que tenham uma gestão à frente do governo. Ele está no governo há muitíssimos anos. Você pode discordar disso ou daquilo, mas é uma gestão, contrastada com a média brasileira, extraordinariamente responsável do ponto de vista financeiro.
Em um momento de grande polarização do Brasil, há uma demanda por uma liderança tranquila. É um sujeito sereno, não é sectário, consegue ter diálogo da esquerda à direita. Eu acho que ele reúne uma série de qualidade que falta ao Brasil hoje.
BBC Brasil – Se Alckmin não se mostrar um competidor forte, talvez seja melhor o PSDB apoiar outro candidato, como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique?
Sérgio Fausto – Eu acho que é importante o centro político ter um candidato competitivo. O PSDB não oficializou, mas tem um candidato. Eu vejo todas as qualidades, as possibilidades, para que o governador de São Paulo se fortaleça, ocupe esse espaço.
Política é também compromisso com aquilo que um certo conjunto de forças definiu. Então, não acho que deve fazer parte do horizonte de quem respalda a candidatura do Alckmin cogitar outras opções e nem cobrar da candidatura que em três meses ela esteja com força nas pesquisas, porque esse período pré-eleitoral é um período que para todos os candidatos será difícil se movimentar com força nas pesquisas.
BBC Brasil – Em artigo recente, Fernando Henrique fala em unir Alckmin, Marina Silva, Henrique Meirelles, Joaquim Barbosa. Acha isso viável? Como se daria essa união?
Sérgio Fausto – Primeiro, eu não quero me colocar aqui na posição de intérprete do presidente. Ele fala por si próprio.
Eu acho que essa declaração que ele faz se dirige mais aos eleitores desses (possíveis) candidatos. O processo eleitoral vai filtrar de alguma maneira essa oferta. Não vamos entrar em agosto com muitos candidatos ocupando a posição de centro. Acho que o eleitor tenderá a convergir em torno do candidato de centro que avaliar que melhor responde as suas expectativas e que tem melhores chances de passar ao segundo turno e vencer a eleição.
Diante de um quadro desse, se o eleitor não produzir essa convergência nítida, acho que as lideranças dos partidos de centro devem ter a maturidade de evitar a situação que por exemplo se produziu no Rio de Janeiro em 2016: três candidatos de centro se canibalizaram e passaram ao segundo turno o candidato da direita e o candidato da esquerda. Acho que repetir esse erro seria trágico.
BBC Brasil – É melhor para a democracia que Lula possa concorrer?
Sérgio Fausto – Em tese, eu acho que seria melhor para o país que Lula disputasse e perdesse. Agora, nós vivemos num Estado democrático de Direito. Existem leis, existe o sistema Judiciário, existem processos. Se o Lula for condenado, me parece inteiramente descabido dizer que existe um complô judiciário para inviabilizar sua participação na eleição.
As acusações contra ele são muito robustas, muito graves. Não é apenas uma. É um conjunto de acusações. Elas têm tramitado segundo o devido processo legal. Portanto, se ele for condenado, se houver infração da lei que o tornaria inelegível, segundo a lei de inelegibilidade modificada por uma emenda popular que foi a lei da Ficha Limpa, eu não vejo nenhuma razão para se insurgir contra essa decisão do Judiciário. Essas são as regras do jogo às quais todos os brasileiros estão submetidos.
BBC Brasil – Se ele não concorrer, haverá o risco de parte da população, que deseja votar nele, ficar descrente da legitimidade da eleição?
Sérgio Fausto – Esse risco existe, mas, de novo, é o primado da lei. A lei se sobrepõe às preferências do eleitorado. Em uma democracia, o princípio da maioria não se sobrepõe ao princípio da legalidade. E não é uma legalidade criada autoritariamente, por um regime arbitrário, são as regras definidas pela democracia brasileira.
BBC Brasil – Se Lula ficar fora da disputa, aumentam as chances de outsiders se animarem a concorrer, como o apresentador Luciano Huck e Joaquim Barbosa?
Sérgio Fausto – Esse raciocínio faz sentido. Haverá uma grande massa de votos que estará livre no mercado. Aumenta o estímulo para outras candidaturas.
BBC Brasil – Mais espaço para outras candidaturas não pode ser um cenário pior para o Alckmin?
Sérgio Fausto – Se o Lula concorrer, só tem uma vaga no segundo turno. Então, haverá menos candidatos, mas o funil estreita. No outro caso, haverá mais candidatos, mas você tem duas vagas em disputa.
Acho que o que vale à pena ressaltar em relação aos outsiders é que, por maior que seja a rejeição hoje à política tradicional, candidatos que não dispuserem de tempo suficiente na TV, mínimo de estrutura, um acesso significativo aos recursos do fundo eleitoral, terão uma enorme dificuldade de se viabilizar. Então, outsiders podem aparecer, mas, se não encontrarem abrigo em coalizões partidárias relativamente amplas, terão pouca chance na disputa eleitoral.
BBC Brasil – Por esses fatores, Bolsonaro tende a perder força ao longo da campanha?
Sérgio Fausto – Sim. E o que se vem revelando a respeito do Bolsonaro e sua família destrói um dos principais ativos que ele procurou mobilizar: a ideia de que ele é diferente da média dos políticos. Reportagem recente da Folha de S.Paulo mostra uma evolução patrimonial da família que dificilmente se explica em função dos rendimentos recebidos pelo clã Bolsonaro como representantes do povo carioca.
Por hora, a campanha tem se dado exclusivamente na internet, e ele montou uma operação competente nas mídias sociais, conseguiu capitalizar o lado mais bruto dos brasileiros, que têm uma tremenda bronca com relação (aos políticos), às vezes por bons motivos. Mas acho que esse fenômeno, na hora que outros fatores mais institucionais entrarem no jogo, tempo de televisão, recursos para campanha, etc, é um fenômeno que tende a perder força.
BBC Brasil – Você, assim como Fernando Henrique, tem se referido a Lula como populista. O que o faz populista?
Sérgio Fausto – Eu acho que o Lula não é um populista clássico, no sentido de que à frente do governo, na área econômica, ele não adotou o receituário clássico do populismo latino-americano. Agora, na forma pela qual se dirige à população brasileira, ele se vale de uma retórica típica do populismo, qual seja, de opor povo e elite e dizer ‘eu encarno os interesses do povo contra os interesses da elite’. Isso é tipicamente populista, e é uma narrativa falsa.
As políticas do governo Lula são políticas que atenderam em alguma medida o que se convencionou chamar de andar de baixo, mas foram também extraordinariamente favoráveis ao andar de cima. E não apenas alguns setores do andar de cima, mas, de maneira mais grave, um punhado de empresas favorecidas por contratos com o Estado e que, não por casualidade, se tornaram os grandes financiadores da coalização de governo dominada pelo PT.
BBC Brasil – Em artigo recente, você diz que Lula e Bolsonaro adotaram narrativas falsas como estratégias eleitorais. No caso do petista, essa narrativa seria se colocar como vítima de uma conspiração das elites para impedi-lo de concorrer. No caso do deputado, seria se colocar como candidato liberal. Também não é uma estratégia eleitoral, do PSDB e de outras legendas no momento, colocar Lula e Bolsonaro no mesmo nível de radicalismo e se apresentar como opção de centro?
Sérgio Fausto – Posso te dizer por mim, eu não coloco Lula e Bolsonaro no mesmo patamar, por maiores as críticas que eu tenho ao Lula e ao PT, o PT e o Lula não representam aquilo que representa o Bolsonaro. O Bolsonaro é um sujeito que ultrapassa todos os limites da convivência democrática equilibrada. Eu não estabeleço equivalência entre o Lula e o Bolsonaro.
BBC Brasil – Mas não é uma estratégia eleitoral criar esse espaço de centro entre Lula e Bolsonaro, em que está sendo colocado o candidato do PSDB e outros nomes?
Sérgio Fausto – Eu acho que isso como estratégia eleitoral é muito insuficiente. O centro não pode ser uma espécie de ponto equidistante vazio entre Lula e Bolsonaro. Essa geometria é uma geometria primária. O centro tem que se afirmar como centro substantivamente, com base nas suas propostas. E é a partir desse centro que os extremos se definem. É o inverso.
BBC Brasil – Não está clara ainda qual é essa proposta de centro?
Sérgio Fausto – Tem linhas gerais, falta detalhá-las. O que um pensamento de centro acredita necessário em relação ao papel do Estado na economia? Certamente não é uma visão falsamente ultraliberal, abraçada pelo Bolsonaro oportunisticamente. Mas certamente é uma posição crítica em relação às políticas que o PT adotou, sobretudo no governo Dilma, mas que já vinham do governo Lula, que é um ressurgimento do velho nacional estatismo.
São políticas incompatíveis como uma economia moderna e que desviam recursos que deveriam ser dirigidos a serviços públicos essenciais que, aí sim, beneficiam os mais pobres. Acho que aí é uma visão de centro progressista em relação ao papel do Estado.
O Brasil precisa reduzir desigualdade ou aumentar produtividade? A gente precisa fazer as duas coisas ao mesmo tempo. E elas não são incompatíveis. Te dou um exemplo concreto: saneamento básico. No Brasil 50% dos domicílios não têm esgotamento sanitário. Ampliar esse acesso é fundamental para reduzir desigualdade social e também para melhor a eficiência da economia, porque saneamento ruim é saúde ruim, isso tem efeitos sobre a produtividade da mão de obra.
Há uma série de áreas em que é possível mostrar de modo bem concreto que uma atuação correta do Estado permite atingir ao mesmo tempo esses dois objetivos que não são incompatíveis.
BBC Brasil – Para alguns analistas, o PSDB nasceu como centro-esquerda e, desde o governo FHC, caminhou para direita, ao adotar políticas econômicas liberais. Além disso, o partido flertou com o conservadorismo ao filiar nos últimos anos políticos como o Coronel Telhada (deputado estadual em São Paulo). Há uma tentativa com a candidatura Alckmin de voltar um pouco para a esquerda?
Sérgio Fausto – Eu discordo frontalmente de que o partido se moveu para a direita no governo Fernando Henrique. A ideia de que fazer privatizações significava adotar políticas de direita mostra como a esquerda perdeu a noção de qual é o interesse público e de como o interesse público se movimenta ao longo da história.
Pega o caso da Telebrás. A Telebrás que foi privatizada era composta de 28 empresas estatais que era uma espécie de terreno de caça privado das oligarquias locais, onde se fazia politicagem. A privatização permitiu uma enorme democratização do acesso à telefonia celular e à internet.
Ao mesmo tempo em que o Fernando Henrique adotou política de privatizações com esse sentido, de universalizar acesso a bens públicos, adotou programas de transferência de renda, tirou do papel e botou na prática o Sistema Único de Saúde.
Depois do governo Fernando Henrique, houve dificuldade de o PSDB entender essa herança. O PSDB acabou caindo na ladainha petista de que havia ali uma herança maldita contaminada por uma adesão ao neoliberalismo. Aí o partido se esvazia programaticamente, perde capacidade de liderar a discussão político-ideológica.
No período mais recente, como a sociedade brasileira, em reação ao PT em boa medida, se tornou mais conservadora, isso se refletiu dentro do PSDB. Como você mencionou, alguns representantes (tucanos) são claramente ligados a pautas bastante conservadoras na área de segurança pública, em alguns casos na área dos costumes. Eu acho que a candidatura do governador recria um certo equilíbrio dentro do partido mais ao centro. O governador é um homem muito menos conservador do que a média dos seus críticos acredita que ele seja.