O que move os políticos na corrida por cargos? Poder, dinheiro, capacidade de criar políticas públicas?
O loteamento de ministérios é visto como tradicional moeda de troca no Brasil. O presidente nomeia integrantes de partidos aliados e espera, em retorno, apoio para governar, especialmente em votações no Congresso Nacional. Em meio a processos de reforma ministerial, como o que Michel Temer enfrentará nas próximas semanas, as disputas pelas pastas ficam evidentes no tabuleiro político. Algumas têm mais “valor” que outras, e por elas é que a base aliada se engalfinha.
Uma pesquisa inédita de professores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Fundação Getulio Vargas (FGV) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), divulgada com exclusividade pela BBC Brasil, ouviu parlamentares e especialistas para identificar quais são os ministérios mais cobiçados da Esplanada. Em outras palavras, qual o “valor” de cada um deles. O resultado pode ajudar a esclarecer o que está por trás das barganhas políticas.
“A pesquisa ajuda a entender um processo que normalmente é feito a portas fechadas, identificando quais as preferências dos partidos com relação a cada ministério e quais são os atributos dos ministérios que influenciam essas preferências”, explicou à BBC Brasil a cientista política Mariana Batista, da UFPE.
“É possível saber em que medida os parlamentares são movidos pelo orçamento dos ministérios, o orçamento de investimentos, o número de indicações políticas disponíveis ou ainda a capacidade de formular a agenda legislativa.”
Timothy J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros de Oxford e um dos coordenadores da pesquisa, destaca que os estudos existentes até hoje no Brasil se concentravam em verificar se o número de ministérios entregues aos partidos da coligação era adequado à importância de cada legenda no Congresso.
Ou seja, quanto mais votos o partido pudesse “entregar” ao governo em votações, mais ministérios deveria receber. “Mas será que um partido que recebeu os ministérios da Fazenda e do Planejamento estaria tão satisfeito quanto outro que recebeu o Ministério da Cultura e o do Turismo?”, questionou ele em entrevista à BBC Brasil.
“Decidimos, então, avaliar quanto vale cada ministério para os partidos.”
Os ministérios com maior ‘valor’
Mas como calcular o valor de cada pasta? Entre abril e setembro de 2017, já durante o governo Temer, os pesquisadores distribuíram um questionário a deputados e senadores. Quatro pares de ministérios foram apresentados com a seguinte pergunta:
“Imagine uma situação hipotética em que um(a) futuro(a) presidente(a) da República esteja sondando o interesse de seu partido num cargo de primeiro escalão do governo. Para cada um dos pares abaixo, indique qual cargo o (a) sr.(a) acha que o seu partido preferiria.”
O estudo sobre as preferências de cargos no Executivo integra a oitava edição do Brazilian Legislative Survey (BLS), levantamento feito a cada quatro anos com parlamentares brasileiros sobre diferentes temas. O BLS existe desde a redemocratização, mas esta foi a primeira vez que o tema dos ministérios foi incorporado ao questionário.
Foram ouvidos 141 parlamentares. Por meio de um método estatístico, os pesquisadores conseguiram usar as mais de 500 combinações que surgiram das respostas para montar um “ranking” dos ministérios considerados mais valiosos pelos políticos.
“Como todos os ministérios foram citados, conseguimos encadear as respostas com o modelo matemático e montar um ranking completo com base nessas comparações, sem precisar entrevistar 100% do Congresso”, explicou o professor Cesar Zucco, da FGV, um dos autores da pesquisa.
O resultado mostrou que as pastas mais cobiçadas são: Cidades, Planejamento, Fazenda, Casa Civil, Educação, Minas e Energia e Saúde.
Na outra ponta, como “rejeitados”, estão Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – essas duas secretarias perderam status de ministério no governo Temer. Também despertam pouco interesse as pastas de Direitos Humanos, Esportes, Turismo e Cultura.
Os 10 ministérios mais desejados |
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Cidades |
Planejamento |
Fazenda |
Casa Civil |
Educação |
Minas e Energia |
Saúde |
Integração Nacional |
Trabalho |
Relações Exteriores |
As diferenças acentuadas entre os ministérios com “valor” mais alto revelam uma série de fatores que podem influenciar o interesse dos partidos: grau de visibilidade, orçamento, capacidade de orientar políticas públicas, número de cargos no segundo escalão para empregar apadrinhados e capacidade regulatória em contratos e concessões.
“Dinheiro não é tudo. Empregos para distribuir não é tudo. Outras questões são incorporadas ao preço dos ministérios, como o poder de estabelecer a agenda política, proximidade com o presidente e capacidade de moldar o cenário eleitoral”, afirma Power.
Os 10 ministérios menos valorizados |
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Gabinete de Segurança Institucional |
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (hoje integra o Ministério da Justiça) |
Políticas para as Mulheres (hoje integra a Secretaria de Governo da Presidência) |
Aviação Civil (hoje integra o Ministério dos Transportes) |
Comunicação Social da Presidência |
Pesca e Aquicultura (hoje integra o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) |
Esporte |
Cultura |
Turismo |
Direitos Humanos |
Como parte da mesma pesquisa, Batista, Power e Zucco decidiram verificar se a preferência dos parlamentares estava alinhada com a avaliação que cientistas políticos fazem sobre o “valor” dos ministérios no jogo de barganha política.
Um questionário com pares de ministérios foi entregue a 283 pesquisadores membros da Associação Brasileira de Ciência Política. Eles foram perguntados sobre quais ministérios um político típico escolheria.
Apelo eleitoral
Alguns resultados surpreenderam. Enquanto Cidades apareceu no topo da preferência dos parlamentares, a mesma pasta não entrou no top 10 do ranking dos cientistas políticos.
O Ministério das Cidades ocupa o 11º lugar no ranking de maiores orçamentos da Esplanada, com R$ 10,1 bilhões em 2017. Mas a resposta para a “cobiça” dos políticos neste caso, pelo visto, não está no dinheiro que é investido diretamente, mas sim na visibilidade de programas populares vinculados à pasta, como o habitacional Minha Casa, Minha Vida, na influência junto a empreiteiras e no contato com governos locais e redutos eleitorais.
“A construção de casas envolve a participação de empreiteiras e também é uma política visível, que chama a atenção e deve dar voto”, diz Zucco.
Na época em que o levantamento foi feito pelos pesquisadores, o ministério estava sob o comando do PSDB – o ministro era o deputado Bruno Araújo -, partido considerado um dos aliados mais importantes do presidente Michel Temer logo após o impeachment de Dilma Rousseff.
Atualmente, o ministro é o deputado goiano Alexandre Baldy, do Podemos (ex-PTN), que assumiu após indicação feita a Temer pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele integra o chamado “centrão”, grupo formado por diversos partidos de médio e pequeno porte, cujo apoio é considerado essencial para a governabilidade de Temer.
“O Ministério das Cidades tem poder para direcionar convênios com prefeituras e municípios. Isso pode significar auxílio maior para prefeitos do partido do ministro ou de partidos aliados, além de direcionamento de fundos para programas urbanos locais. Portanto, é um partido com boa capacidade de gerar retorno eleitoral”, avalia Power.
Controle do dinheiro
Outros dois ministérios que receberam destaque tanto na lista de preferidos dos parlamentares quanto nas estimativas dos cientistas políticos são Fazenda e Planejamento.
Cabe ao Ministério da Fazenda selecionar e executar as políticas econômicas do país, enquanto o Planejamento fica responsável por planejar custos, contingenciar verbas e analisar a liberação de crédito para estados e municípios.
“Fazenda e Planejamento são ministérios que não tem um apelo eleitoral imediato, mas são extremamente importantes do ponto de vista da coordenação do governo. Controlam outros ministérios e, por essa razão, garantem um poder maior ao seu ministro”, diz Mariana Batista, da UFPE.
A pesquisadora destaca que essas pastas são tão importantes a ponto de, tipicamente, ficarem sob o controle do partido do próprio presidente ou com um nome de extrema confiança.
“Normalmente esses são ministérios que são alocados para o partido do presidente, como uma estratégia para manter o controle do governo, mesmo numa coalizão multipartidária”, diz ela.
Zucco acrescenta que essas garantem visibilidade aos ministros.
“Os ministros da Fazenda e do Planejamento costumam aparecer bastante na mídia. É um bom palanque. Você está o tempo todo aparecendo – para dar notícia boa e ruim, mas sempre aparecendo”, diz o professor da FGV.
Proximidade com o presidente
A participação em decisões importantes do governo, como vetos presidenciais e projetos de lei de autoria do Executivo, também conta na escolha de ministérios. Por isso, a Casa Civil aparece como um dos cinco mais cobiçados segundo a pesquisa de Batista, Power e Zucco.
A pasta é responsável por assessorar diretamente o presidente da República. Acaba, portanto, tendo a capacidade de influenciar na relação entre o Executivo e o Congresso, na liberação de recursos para projetos de Estados e municípios, nas políticas de outros ministérios e até na indicação para cargos do segundo escalão – também alvo de disputa entre partidos políticos.
“A Casa Civil vale muito por supervisionar várias áreas e pela proximidade com o presidente”, explica Zucco. Vale lembrar que a ex-presidente Dilma Rousseff foi ministra da Casa Civil do ex-presidente Lula.
“A Casa Civil é, por muitos, considerada o principal ministério, por causa da sua atuação na coordenação política do governo”, destaca Batista.
“São geralmente os ‘superministros’ (que gozam de plena confiança do presidente) que ocupam esse cargo, e sua importância está muito em estabelecer o controle centralizado de todo o processo de formulação da agenda legislativa do governo”, completa.
Dinheiro e popularidade
Outras pastas possuem um “pacote amplo” de atrativos. É o caso dos ministérios da Educação e da Saúde.
“São ministérios que influenciam do ponto de vista da política pública, mas também têm controle sobre recursos e empregos, e capacidade de coordenação e indução com os estados”, afirma Zucco.
Mariana Batista destaca a visibilidade que os ministros recebem.
“Educação (é um dos ministérios mais valorizados) por razões de formulação de políticas e também por ser uma política de grande visibilidade e de grande importância para o debate ideológico-partidário”, afirma.
Por sua vez, o Ministério de Minas e Energia, que aparece no top 5 do ranking dos políticos, pode interessar “pela capacidade regulatória, de gerar normas para o setor energético e de balizar contratos”, segundo Zucco.
“Minas e Energia também têm cargos para oferecer, até pela vinculação com estatais como a Petrobras”, complementa Power.
A importância de identificar o ‘valor’ dos ministérios
Governar o Brasil não é tarefa fácil, especialmente porque, sem fazer alianças, um presidente não têm maioria no Congresso para aprovar projetos de lei e, menos ainda, para votar propostas de emenda à Constituição – que precisam do voto de 308 deputados.
Existem hoje 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que 26 têm deputados eleitos. O PMDB, partido com a maior bancada hoje – 59 deputados – não representa sozinho nem 10% da Câmara.
Portanto, para governar os presidentes precisam fazer alianças com os partidos e oferecer benesses no governo em troca de apoio. E a distribuição de ministérios é vista por especialistas como uma das principais ferramentas do presidente para garantir governabilidade.
“Como a formação de coalizões tem como pedra fundamental a distribuição de ministérios entre os partidos aliados, identificar como os ministérios se diferenciam uns dos outros e qual o valor atribuído a cada um nos dá elementos para entender o que, de fato, está sendo trocado na barganha entre o presidente e partidos da coalizão”, afirma a professora Mariana Batista.
A pesquisa sobre o valor dos ministérios evidencia que a “sede” dos partidos não é só por número de pastas, mas também pelo valor delas. Uma das questões importantes é que ministérios poderosos são importantes do ponto de vista da gestão e implementação de políticas públicas – a distribuição deles pode influenciar no desempenho do governo.
“O problema para o presidente, com essa distribuição, é que os ministérios mais importantes também afetam diretamente a sua avaliação pelos eleitores. Por isso, o presidente tem incentivos para concentrar esses ministérios mais importantes no seu próprio partido”, explica a professora da UFPE.
“Esse é o equilíbrio fino que os presidentes têm que alcançar atualmente na construção de suas coalizões: como compartilhar o poder, distribuindo ministérios importantes e que afetarão o apoio legislativo dos partidos aliados, mas fazê-lo de uma forma que não perca o controle e a direção do governo?”