Impulsionamento no Facebook é novo tempo de TV

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Em entrevista à DW, pesquisador analisa influência da rede social de Mark Zuckerberg na política. Para ele, bases de dados devem ser intensamente utilizadas para conquistar votos também nas eleições no Brasil.

O escândalo que envolveu a exploração dos dados de 87 milhões de usuários do Facebook pela empresa Cambridge Analytica levou o fundador e presidente da plataforma, Mark Zuckerberg, a prestar explicações no Congresso dos EUA nesta semana. A utilização de dados de pessoas inscritas em um aplicativo de testes de personalidade com finalidade eleitoral teve impacto nas eleições que levaram o republicano Donald Trump à presidência do país, em 2016.

Aos senadores dos EUA, Zuckerberg prometeu “fazer de tudo” para garantir a integridade dos processos eleitorais que ocorrem neste ano pelo mundo, inclusive no Brasil. Entretanto, novas ferramentas com objetivo de interferência política parecem se desenvolver rapidamente. Há duas semanas, o Facebook baniu a plataforma Voxer, que replicava automaticamente posts do Movimento Brasil Livre (MBL) nas páginas de usuários que dessem consentimento para a ação.

Symbolbild Smartphone-Nutzer vor Facebook Logo (Reuters/D. Ruvic)

 

Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura da Universidade do Espírito Santo (Labic/UFES), o pesquisador Fábio Malini acredita que bases de dados deverão ser utilizadas intensamente para a conquista de votos nas eleições no Brasil em outubro. “As regras que estão estabelecidas permitem isso”, alerta.

Ele também aponta que o impulsionamento de postagens pagas pode resultar em desigualdade de condições na disputa. “Quem tem condições para impulsionar posts são os partidos com mais dinheiro. Acaba sendo o novo tempo de TV”, comenta.

DW Brasil: O que possibilitou um escândalo como o que envolveu o Facebook e a empresa Cambridge Analytica?

Fábio Malini: A lógica do Facebook é baseada no princípio da transparência. Diferentemente do Twitter, onde uma pessoa pode ser o “@cachorro”, a plataforma trabalha com uma ideia de que tudo ali é realidade. Ou seja, todas as pessoas que lá estão são conhecidas pelo seu “RG”. Inclusive aqueles que administram páginas deveriam ter as mesmas características.

No entanto, submetidos a uma vigilância massiva, as identidades e predileções dessas pessoas passam a ser reconhecidas e agregadas em relação a tipologias e se tornam alvo de ações eleitorais de maneira mais simplificada. O paradoxo da transparência gerou a crise da democracia. Na história da internet, quando não se respeita e dá condições para um mínimo de anonimato, todas as pessoas passam a ser objeto de vigilância.

Por que é um paradoxo?

Estamos feito cachorros correndo atrás do próprio rabo. Se a gente pressiona o Facebook para flexibilizar a questão da transparência, isso pode acarretar uma plataforma em que circula muito mais ódio, bem mais conversacional. Ao mesmo tempo, se a plataforma não protege seus usuários, aplicações desenvolvidas por A ou B, em geral empresas ligadas ao consumo, passam a ter os dados que só elas possuem e ter um poder que poucos têm. O problema, hoje, é esse.

Quem já tem os dados dos usuários por meio de aplicativos do Facebook não precisa ter novos dados para entender como funcionam essas pessoas. O uso disso pode ser justo, com objetivos muito importantes e relevantes, mas também pode ser cinzento, sem que se saiba ao certo como estão atuando.

Como isso pode se refletir politicamente?

Num contexto eleitoral, em que os dados sobre predileções são fundamentais para as decisões e estratégias de comunicação, torna-se uma condição que, muitas vezes, pode fazer com que um candidato consiga vencer. Dessa forma, você pode criar uma democracia em que as vozes minoritárias nunca chegam ao poder, se não têm acesso a essas aplicações e a esses dados. Se ficam sempre sob domínio de quem tem muito poder, a democracia não se renova.

Num cenário em que o impulsionamento pago de publicações passa a valer, há diversos impactos no contexto eleitoral brasileiro.

Primeiramente, quem tem dinheiro para impulsionar posts são os partidos com mais dinheiro. O impulsionamento acaba sendo o novo tempo de TV. Mas não adianta só ter dinheiro para impulsionar se não houver inteligência para direcionar aos públicos com quem se quer conversar. Acaba sendo dinheiro jogado fora. Essa inteligência depende dos dados que estão naquela plataforma.

As leis eleitorais devem passar a considerar essas questões?

O Facebook só age em relação a questões de igualdade mediante a Justiça. Se o Poder Judiciário não estimula a empresa a adotar determinadas medidas, o Facebook não está nem aí e vai seguindo a política corporativa dele. A plataforma permite, hoje, que um banco de dados converse com o próprio banco de dados do Facebook.

Darei um exemplo banal. Um político faz reuniões, nas quais as pessoas colocam informações como nome e e-mail em uma lista de presença. Para criar uma conta no Facebook, é necessário informar e-mail e telefone. Se o político pegar esse banco de dados e digitalizar numa planilha básica, enviar esse conteúdo para a área de tecnologia da informação do Facebook e perguntar quem daquelas pessoas está inscrita na plataforma, a empresa apresentará uma taxa, como 80%. O político pede, então, que seus anúncios sejam direcionados para essas pessoas. Isso, hoje, é regra.

Os órgãos de controle não estão atentos a isso?

O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] não debate isso porque não conhece. Os senadores dos EUA estão tomando uma surra do Zuckerberg porque não conhecem tecnologicamente o debate. Mesmo que eles sejam bem assessorados, no fim das contas, o cara dá respostas que não recebem uma réplica forte por esse motivo. O Zuckerberg fala: “Isso já acontece na plataforma”. Sem saber se acontece mesmo, o senador questiona, e, muitas vezes, ele está dizendo a verdade.

Como não cair em “fake news”?

Na eleição brasileira, é possível que haja um uso gigantesco de banco de dados. Qualquer político pode pegar um banco de dados gigantesco, fazer um match(conexão) com o Facebook e pedir para direcionar o anúncio àquelas pessoas.

Ele segmenta, no banco de dados que comprou, qual é o gênero, faixa etária e renda do público que deseja atingir. É feito um match no Facebook, onde deverão estar 80% dessas pessoas, e a plataforma direciona. Ou seja, o direcionamento não precisa ser em função do painel que o Facebook dá, mas em cima das ferramentas que esse usuário tem.

No caso da Cambridge Analytica, eles simplesmente organizaram uma base de dados já existente de usuários em função de alvos que eles queriam. Isso realmente pode acontecer no Brasil. As regras que estão estabelecidas permitem. O Facebook fala que não tem nada a ver com isso, pois os clientes é que possuem o banco de dados e fizeram o match. Mas é o Facebook que faz o match.

É possível pensar em uma regulação do Facebook?

Esse debate precisa ser feito com responsabilidade. Os dados pessoais não estão apenas em redes sociais, mas também em biobancos – referentes à saúde das pessoas –, bancos de dados financeiros e de consumo, por exemplo. Eles são múltiplos e têm características muito distintas. Não vamos pensar que o mundo vai retroceder e dados digitais não serão coletados continuamente.

Hoje, há estudos que fazem trabalhos que articulam os biodados com dados de redes sociais e possibilitam antecipar ações de vigilância epidemiológica. Os dados precisam ser fornecidos socialmente para que ações de saúde e econômicas possam ser feitas.

Qual deve ser o foco de atenção?

Como proteger as pessoas e o direito fundamental da privacidade. Os chamados dados não estruturados, com a anonimização das pessoas, são importantes para que possamos ter os dados sem necessariamente vinculá-los a A ou B. O próprio Marco Civil da Internet é sustentado no princípio do direito à privacidade. A regulação nos EUA é diferente. A gente já deu passos importantes.

Como os algoritmos das redes sociais funcionam?

O Facebook utiliza o discurso da privacidade para fechar toda a plataforma e não deixar ninguém saber o que acontece dentro dela. Quando ocorre um caso como o do Cambridge Analytica, só o Facebook pode resolver, porque ninguém consegue compreender o que acontece dentro da plataforma. Ninguém tem acesso aos dados pessoais a não ser o Facebook e aqueles que desenvolvem aplicativos em seu interior. Se você vai fazer uma compra em qualquer loja virtual, pode se logar com uma aplicação desse tipo a partir de sua conta do Facebook. Essas empresas passam a ter acesso a todos os conteúdos, que estão tanto no uso web como mobile.

No campo científico e da saúde, a gente tem muitos casos com protocolos éticos bastante duros que servem de referência importante para a gestão de dados. O importante não é “quem”, mas “o quê”. No Facebook, há uma certa falha em proteger o “quem” e, com isso, torna-se uma máquina de vigilância massiva. Num país como os EUA, onde a questão da segurança interna é sempre bastante preocupante, o “quem” acaba sendo objeto das ações de poder. Muitas vezes, essas plataformas estão constrangidas a ter interfaces em que esse “quem” é rapidamente identificado.

A postura do Senado pode ser um jogo de cena. Se o Facebook decidir anonimizar os usuários, rapidamente vai surgir a discussão em torno da segurança. As polícias e forças armadas dirão que é preciso ter a informação de quem compartilha ou comenta.

Embora o Facebook tenha proibido o aplicativo Voxer no Brasil, a empresa tem condições de monitorar o surgimento de novas ferramentas desse tipo?

Hoje, o Facebook não tem controle sobre toda a sua plataforma. E mais: viola suas próprias regras internas. O caso do Voxer, no Brasil, é bastante peculiar em relação a isso. Trata-se de um aplicativo que se baseava na função de publicar no mural dos usuários a partir de um termo de consentimento esdrúxulo, em que o usuário não poderia sequer voltar atrás em relação à decisão que tinha tomado, virando escravo da aplicação.

O aplicativo foi retirado do rol de aplicações do Facebook. Porém, a empresa passou a desrespeitar sua própria regra ao definir que as páginas que fazem uso das aplicações são as responsáveis por elas. Não adianta apenas retirar as aplicações, se a “corrupção passiva” continua dentro da plataforma.

O abuso das normas do Facebook feito pelas páginas acaba sendo aceito pela empresa. Ao menos, faz-se vista grossa. O Facebook acaba sendo constrangido por um discurso de que, ao banir determinadas páginas, criaria um processo de censura interna. As aplicações feitas na plataforma são de responsabilidade, também, de quem a utiliza. Portanto, quem faz uso delas para burlar as regras da plataforma também deve ser punido.

Essa espécie de fraude dentro do “cercadinho” que é o Facebook acontece muito pelo objetivo de se obter um alcance que os algoritmos da plataforma tentam deter por meio da criação de bolhas.

Você enxerga uma postura de real combate pelo Facebook às fake news?

Não. O Facebook sabe que não consegue ter o controle. Até hoje, circulam conteúdos que identificam a Marielle como mulher de um traficante. A empresa só age se for questionada na Justiça. Ela não tem vacina contra as emoções políticas das pessoas. Infelizmente, ninguém tem. A vacina para isso é a cidadania, por meio das denúncias feitas às plataformas para que elas ajam. O problema é que a gente nunca sabe a taxa de resposta do Facebook para os questionamentos feitos por usuários. Quanto mais cidadã for a comunidade, mas irá pressionar.

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OpiniãoMea-culpa de Mark Zuckerberg não basta_

Crédito: Deutsche Welle Brasol – disponível na internet 16/04/2018

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