Servidores do alto escalão do funcionalismo público federal costumam usar o forte poder de barganha que possuem em funções-chave do governo para pressionar por “penduricalhos” ao salário. Originalmente uma premiação por desempenho, a figura do bônus tem funcionado, no serviço público, como um mecanismo para engordar os vencimentos e virou alvo de disputa entre carreiras. É o caso dos honorários advocatícios pagos aos advogados públicos. No ano passado, R$ 616 milhões foram divididos entre 12.555 membros da carreira jurídica federal. O extra permitiu a esses servidores embolsar quase dois salários a mais no ano. Com remuneração inicial de R$ 20,1 mil, eles receberam em 2017, em média, R$ 36 mil, sem estarem sujeitos ao teto salarial do funcionalismo.
Segundo o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, foram R$ 3 mil mensais de bônus no ano passado, em média. O Portal da Transparência mostra que, no alto escalão da carreira jurídica (que recebe o benefício pelo teto), os bônus giraram em torno de R$ 6 mil. O valor equivale a quase 30% do salário inicial dos advogados e a 20% da remuneração final, de R$ 29,1 mil. Em dezembro, a parcela relativa a honorários chegou ao patamar de R$ 8,5 mil, em função de valores represados mensalmente e que foram distribuídos no fim do ano.
Os honorários de sucumbência são valores pagos pelas partes perdedoras quando a União vence uma causa na Justiça. Eles são destinados aos advogados da União, a procuradores federais, da Fazenda Nacional e do Banco Central. Antes da regulamentação desses pagamentos, o dinheiro era incorporado ao Orçamento da União. Hoje, é integralmente dividido entre os advogados públicos. O valor recebido varia de acordo com o tempo de carreira e se o servidor está na ativa ou aposentado.
AUDITORES FISCAIS X PROCURADORES
O direito ao recebimento de honorários advocatícios foi negociado pela carreira jurídica em 2016, após a aprovação do novo Código de Processo Civil. Na época, mais de mil servidores em postos de chefia entregaram os cargos como forma de pressionar o governo, argumentando que possuem papel central na recuperação de receitas para a União.
— É uma nova sistemática para se pensar a remuneração, vinculada ao êxito. Tivemos reajustes inferiores a outras carreiras de Estado, como defensores e delegados — diz o presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais, Marcelino Rodrigues.
A regulamentação dos honorários de sucumbência para os advogados da União, contudo, tem potencial de gerar um efeito cascata no serviço público. Desde que a carreira jurídica enviou ao Congresso o projeto sobre o pagamento dos honorários, os auditores fiscais da Receita Federal encabeçam um movimento para ter direito a um bônus de eficiência e produtividade. Eles argumentam que têm importância equivalente para a arrecadação federal, uma vez que são os responsáveis por identificar sonegadores e cobrá-los.
A situação abriu uma queda de braço entre as duas carreiras. A briga mais recente diz respeito a uma portaria, editada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que diminuiu de 180 para 90 dias o prazo para que o Fisco passe para a PGFN débitos cobrados mas não pagos, para inscrição na Dívida Ativa da União. A Receita chegou a publicar uma nota, assinada pelo coordenador-geral de arrecadação e cobrança, em que acusou os procuradores de estarem invadindo a competência dos auditores. Nos bastidores, os auditores acusam os procuradores de quererem encurtar os prazos do Fisco com o objetivo de judicializar cobranças sob a competência da PGFN e assim turbinar os honorários.
Sobre os honorários recebidos incide Imposto de Renda, à alíquota de 27,5%, mas a parcela extra fica livre do abate-teto, criado para cortar salários que excedem o limite estabelecido para a remuneração dos servidores. Em dezembro, com a fatia mais gorda de honorários e o pagamento de gratificação natalina, o salário de muitos deles ultrapassou os R$ 40 mil. Hoje, o teto do funcionalismo é de R$ 33,7 mil. Com o adicional de um terço de férias, cruzou o patamar dos R$ 50 mil.
O direito dos advogados de receber sucumbência provoca críticas dos juízes federais. Questionadas por causa dos próprios penduricalhos, como o auxílio-moradia de R$ 4,3 mil pagos mesmo a juízes que moram em imóvel próprio em suas cidades de trabalho, entidades representativas da magistratura passaram a questionar os honorários de sucumbência dos advogados públicos. Em fevereiro, decisão do juiz federal Bernardo Carneiro, da 15ª Vara em Limoeiro do Norte, Ceará, considerou os honorários inconstitucionais. Para ele, o pagamento dos honorários coloca os advogados públicos em situação de conflito de interesse com a União.
“O esdrúxulo cenário jurídico instalado pelas mencionadas inovações legislativas é esse: na vitória do ente estatal, os honorários sucumbenciais pertencem aos advogados públicos; já na derrota, o pagamento da verba sucumbencial fica a cargo exclusivamente do Erário, vez que inexistente qualquer compensação entre esses ganhos e perdas”, afirma o juiz na sentença.
Os auditores, por sua vez, pressionam pela regulamentação do bônus já aprovado pelo Legislativo. Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), o decreto está parado na Casa Civil. Os valores pagos a título de bônus sairiam de um fundo que reúne multas aplicadas pelos profissionais. Ele seria pago, em diferentes proporções, a 9,5 mil ativos e 12 mil inativos. Enquanto não sai a regulamentação, os auditores recebem, além da remuneração (inicial) também de R$ 20,1 mil, um bônus fixo de R$ 3 mil mensais desde fevereiro de 2017. Ou seja, só no ano passado foram R$ 33 mil a mais. A intenção da categoria é que o valor mensal suba, pelo menos, para R$ 7 mil.
Tanto no caso dos advogados públicos quanto no dos auditores fiscais, as entidades dos servidores alegam que o extra funciona como um incentivo para que as carreiras executem com mais empenho seu dever, com benefícios para a arrecadação da União. Técnicos do Ministério da Fazenda, contudo, criticam o atrelamento de serviços-chave para o Estado ao pagamento de bônus.
— A União acaba chantageada — diz um técnico.
PARALISAÇÃO PARA RECEBER BÔNUS
No caso da Receita Federal, por exemplo, a previsão para a arrecadação com fiscalizações neste ano é menor do que o total executado em 2017 porque já se prevê que os auditores vão pressionar para que o bônus saia, diminuindo o ritmo de cobranças. Atualmente, eles realizam paralisações todas as segundas e sextas-feiras.
“Os auditores fiscais desejam seguir cumprindo seu papel capital na retomada do crescimento e entendem que a desestabilização do órgão não atende aos interesses da sociedade brasileira. Assim, esperam que o governo se sensibilize e cumpra aquilo que foi acordado com a categoria. Esta é a única forma de se restabelecer a normalidade na Receita Federal”, diz o Sindifisco em nota.
Crédito: Bárbara Nascimneto/Economia/O Globo- disponível na internet 30/04/2018