Lava Jato reacende debate sobre encarceramento de pessoas com idade avançada

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“Estraçalhado”. Assim, o médico Miguel Srougi, do Hospital Sírio Libanês, descreveu a situação do ex-prefeito da capital paulista Paulo Maluf após o político passar três meses preso, em regime fechado, no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.

Hoje, Maluf, com 86 anos e diagnóstico de câncer de próstata, cumpre sua pena por lavagem de dinheiro em casa – após decisão, em abril, do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou a detenção em domicílio mais adequada à condição de saúde do político.

Mas Srougi, em entrevista à colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de São Paulo, defendeu que, para idosos, a pena de prisão seria o equivalente à pena de morte.

“A imobilidade, a depressão e a desnutrição podem ser fatais para os mais velhos”, afirmou o urologista, argumentando que não falava em defesa do próprio paciente, mas pela reflexão sobre a reclusão de idosos.

Mas o que diz a lei sobre a prisão de idosos? Segundo o procurador do Estado de São Paulo José Luiz Moraes, ser idoso não é, no Brasil ou no mundo, condição que isente um cidadão da subordinação à lei ou da possibilidade de ser preso.

“A idade não gera impunidade. Mas, como a aplicação da pena deve levar em conta as condições da pessoa, a lei prevê alguns tratamentos diferentes nesses casos. Mas nunca a exclusão da pena”, aponta Moraes.

Se o Estatuto do Idoso define como 60 a idade que uma pessoa é assim considerada, diferentes leis falam em faixas etárias distintas para alguns benefícios. A partir dos 70 anos, segundo o Código Penal, o prazo para prescrição do crime é reduzido à metade, e a idade passa a ser considerada uma atenuante na decisão, pelos juízes, de qual será a pena do réu.

Já pelo Código de Processo Penal, pessoas com mais de 80 anos podem ter a prisão preventiva substituída por prisão domiciliar.

Mais de 5 mil idosos presos

O acolhimento ou não desses benefícios pelos juízes em favor dos réus, porém, já foi alvo de críticas não só por profissionais envolvidos no caso de Maluf, mas também pela defesa de outros políticos comprometidos na Justiça, como o ex-presidente Lula, de 72 anos – mesma idade do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que pode voltar à cadeia após decisão tomada nesta quinta-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

A corte rejeitou recurso da defesa no processo que envolve o petista e a empreiteira Engevix, no âmbito da Lava Jato.

Até mesmo o ministro do STF Gilmar Mendes abordou o tema no plenário da corte – sem, no entanto, citar nomes de réus ou condenados.

“Quem fala em direitos humanos e decreta prisão de quem tem 80 e 90 anos, se existe céu e existe Deus, vai ter que ajustar as contas”, disse o ministro.

Paulo Maluf desce de helicóptero para ser preso em foto de 2017
Maluf foi preso no final de 2017; diagnosticado com câncer de próstata, ele está hoje em prisão domiciliar. Direito de imagemVALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

Dados disponíveis não especificam o número de detentos por idade exata, mas números do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) mostram que há, no Brasil, pelo menos 5.891 pessoas idosas presas (informações sobre faixa etária só estavam disponíveis para 75% da população prisional). Destas, 87% estão na faixa etária de 61 a 70 anos; 13% tem mais de 70 anos.

Idosos compõem cerca de 1% da população carcerária. Enquanto isso, a maior faixa etária nas prisões brasileiras é daqueles com até 29 anos, que somam 55% dos presos. Os dados do Infopen têm como referência o ano de 2016.

Precariedade

A situação dos idosos nas prisões tem chamado a atenção de pesquisadores e defensores públicos por condições humanitárias e de saúde.

A Defensoria Pública de São Paulo começou, neste ano, a mapear e agir judicialmente em prol dessa parcela da população carcerária no Estado.

O trabalho foi iniciado com os casos de detentos que têm mais de 80 anos. Segundo informações repassadas aos defensores pelo governo estadual, seriam 13 presos nesta condição. A Defensoria já pediu a transferência de parte deles para a prisão domiciliar.

“O cárcere já é espaço de violação de direitos. Nenhum direito previsto na Constituição ou em convenções internacionais é minimamente garantido. Assim, os idosos vivem uma dupla vulnerabilidade: a ausência destas garantias e a idade avançada”, afirmou Leonardo Biagioni de Lima, defensor público em São Paulo, em entrevista à BBC Brasil.

Nas vistorias realizadas pela defensoria nas prisões paulistas, Lima diz ser frequente encontrar detentos idosos muito debilitados – quando não abandonados.

“É bem frequente se observar um esquecimento dessas pessoas, que não recebem visitas, por exemplo. Vimos idosos sem condições de andar ou se levantar, e também com problemas graves de saúde. Sabemos que faltam profissionais de saúde nesse lugares, com algumas unidades prisionais sem um médico na equipe”, diz o defensor, enumerando problemas também de alimentação precária, ausência de água potável e acessibilidade.

A superlotação, segundo Lima, também força detentos, incluindo idosos, a dormir no chão ou a dividir colchões deteriorados. De acordo com dados do Infopen, a taxa de ocupação média das vagas nas unidades prisionais do Brasil é de 197% – ou seja, faltam 358,6 mil vagas.

Abandono

Nos arredores de uma prisão em Sorocaba onde há dezenas de detentos idosos, a BBC Brasil acompanhou a movimentação de um dia de visita. Parentes e amigos de presos que esperavam do lado de fora disseram ser muito comum ver ali dentro idosos debilitados, alguns em cadeira de rodas, há tempos sem receber visitas.

Arames e cercas
risões no Brasil têm déficit de 358,6 mil vagas. Direito de imagemGETTY IMAGES

Uma mulher, que não quis se identificar, esperava para visitar o marido de 68 anos, preso há dois após condenação por estupro. Segundo ela, o fato dele ser diabético e ter pressão alta a preocupa.

“É difícil conseguir consultas e remédios. Com a saúde dele, tem que sempre estar acompanhando, mas lá dentro não tem. A gente vem aqui pra animar ele, que já ocupa a cabeça”, contou.

A BBC Brasil procurou a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo para comentar a questão, mas não obteve retorno.

Envelhecer atrás das grades

Kaio Keomma, doutorando em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), foi coautor em uma publicação que entrevistou, em 2011, 11 idosos presos na Paraíba. Ao lado das pesquisadoras Lannuzya Veríssimo de Oliveira e Gabriela Maria Cavalcanti Costa, Keomma constatou que, para estes entrevistados, o envelhecimento estava relacionado a sentimentos de melancolia, angústia, constantes perdas e impossibilidade de desenvolvimento.

Dificuldades para realizar trabalhos e para manter os laços familiares, além da experimentação de conflitos geracionais, significava para os idosos uma perda de qualidade de vida no cárcere.

“É melhor morrer do que estar dentro de uma joça dessa”, disse um dos entrevistados.

“Tá vendo essa gritaria aí? Sobe a pressão! Sobe tudo! Como é que a pressão do cara baixa em um lugar como esse?”, questionou outro.

Keomma lembra que, assim como no sistema de saúde ou no mercado de trabalho, o envelhecimento populacional deverá ser levado em conta como uma questão crescente a ser enfrentada também no sistema penitenciário.

“As significações relativas ao envelhecimento encontradas nos presídios se assemelham às encontradas fora deles, como sentimentos de decadência, finitude, adoecimento, cansaço e desvalorização social”, aponta Keomma. “Mas estas significações parecem ser evidenciadas com mais facilidade e, às vezes, até potencializadas, pelo encarceramento.”

Já o defensor público Biagioni de Lima destaca que, além das perspectivas de aumento da população idosa, é preciso considerar o que chama de envelhecimento precoce pelas condições precárias no cárcere.

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