Há algo em comum entre maio de 2018 e junho de 2013?

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Pauta reacionária ganhou força quando entidades pediram para caminhoneiros deixarem bloqueios. Em 2013, MPL deixou atos por causa de “ares fascistas”

São pessoas que querem derrubar o governo. Eu não tenho nada a ver com essas pessoas”, diz uma entidade sobre a continuidade das manifestações. “Muita gente da direita, com pautas que a gente discorda totalmente, estão se aproveitando dos atos”, argumenta outra.

Embora semelhantes, as declarações surgem de vozes e contextos muito distintos. A primeira é do presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, sobre os atos e as pressões de caminhoneiros autônomos em defesa de uma intervenção militar no País, manifestação frequente ao longo da greve da categoria e que ganhou fôlego na segunda-feira 28, após entidades anunciarem um acordo com o governo para reduzir o preço do diesel em 46 centavos pelos próximos dois meses.

A segunda, de cinco anos atrás, é de um integrante do Movimento Passe Livre, principal organização por trás das manifestações de junho de 2013. O MPL decidiu sair das ruas após impedir o aumento de 20 centavos da tarifa do transporte público. Um dos motivos alegados era de que as manifestações passavam a ganhar “ares fascistas” com a presença de grupos conservadores.

As semelhanças entre os dois períodos têm sido debatidas com frequência por intelectuais e cidadãos, mas há muitos elementos que distinguem os dois momentos. Há uma grande diferença entre uma categoria sindical engajada na defesa de demandas corporativas e um movimento horizontal que elege a pauta da ampliação e do acesso ao transporte público.

O maior estofo téorico do MPL sobre a pauta que defendem também impede comparações com entidades de caminhoneiros, que revelam conhecimento limitado sobre as origens e as causas do aumento dos combustíveis, especialmente a respeito dos efeitos da política de preços da Petrobras sobre o alto valor do diesel nas bombas.

Embora o MPL e as entidades de caminhoneiros pouco se pareçam, os resultados de suas vitórias foram sucedidos pela ida de grupos conservadores radicais às ruas. O Passe Livre deixou os atos após barrar o aumento dos preços do transporte, mas as energias políticas liberadas pelas jornadas de junho abriram espaço para manifestantes reacionários se engajarem.

Da mesma forma, a redução do preço do diesel não foi suficiente para acalmar parte dos caminhoneiros, que viram no caos instaurado uma janela de oportunidade para afirmar suas preferências políticas mais radicais.

Segundo o cientista político William Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), ambos os períodos foram marcados por atos de manifestantes com perfil heterogêno e que contestam a representação política tradicional, além de se beneficiarem de novas tecnologias digitais para convocar protestos. Se há cinco anos, as redes sociais serviam de principal plataforma de mobilização, agora o WhatsApp domina a cena.

Não é tudo. Em 2013, quando as manifestações ganharam adesão de setores conservadores, a esquerda resolveu abandonar os atos, abrindo mão da disputa pelas ruas, diz Nozaki. Desta vez, segundo o pesquisador, não foi muito diferente. “O pré-julgamento de setores da esquerda sobre o movimento grevista permitiu à direita abrir canais de diálogo e tirar melhor proveito político.”

Por outro lado, Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP e co-autor do livro Vinte Centavos: A Luta Contra o Aumento, sobre as manifestações de junho de 2013, não vê semelhanças entre os dois momentos. Segundo ele, a direita levou um ano e meio depois para se mobilizar, ao contrário dos grevistas atuais. “A primeira mobilização significativa da direita foi em dezembro de 2014. Nesse momento o movimento anticorrupção não era de direita. Ele ficou um ano e meio órfão”, diz.

Além do perfil heterogêneo, os grevistas de 2018 e os manifestantes de junho de 2013 não respondiam a uma hierarquia clara, mas por motivos distintos. Enquanto o MPL se esforçava para afirmar sua horizontalidade e negar a existência de lideranças no movimento, entidades como a Abcam não são reconhecidas como representantes de muitos dos autônomos que participam dos bloqueios.

A falta de lideranças no movimento grevista é confirmada por Norival de Almeida Silva, presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens). “Se hoje temos 500 pontos de bloqueio, temos 500 lideranças diferentes, que podem se falar por WhatsApp. Talvez nem se conheçam”.

De acordo com ele, as entidades nunca tiveram o movimento “nas mãos”. “Mesmo que eu tivesse a capacidade de visitar todos os pontos parados, eu não conseguiria desbloquear tudo”, diz Almeida Silva. “Mas eu não posso lavar as mãos, porque a minha entidade tem a obrigação de continuar ouvindo a categoria e buscar uma solução.”

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Crédito:  Miguel Martins e Rodrigo Martins com colaboração  de Marina Gama Cubas/ Revista Carta Capital – disponível na internet 30/05/2018*

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