Estatal responsável por grandes obras viárias em São Paulo, a Dersa(Desenvolvimento Rodoviário) tem pelo menos R$ 15 bilhões de contratos firmados nos últimos dez anos sob suspeita de corrupção, segundo investigações da Operação Lava-Jato. O valor é mais da metade dos investimentos coordenados pela empresa. Investigada nos últimos anos por questões menos barulhentas, como desapropriações, a Dersa agora é foco de denúncias de desvios praticados por ex-gestores.
Estão sob suspeita os quatro maiores projetos da empresa, entre eles o do Rodoanel Mário Covas. Iniciado há 20 anos com orçamento de R$ 9,9 bilhões e previsão de ficar pronto oito anos depois, o Rodoanel ainda não foi concluído e já custou R$ 19,7 bilhões. A prisão dos dois últimos diretores de engenharia da empresa — Paulo Vieira de Souza e Laurence Casagrande Lourenço — chama a atenção para apuração de desvios que alcançam os governo do PSDB em São Paulo, sob as gestões de José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin.
Desde 2009, o Ministério Público do Estado de São Paulo abriu 90 inquéritos para investigar contratos da Dersa. Os que chegaram à Justiça se limitam a discutir pequenos valores de desapropriações. Contudo, depoimentos de delatores da Lava-Jato, especialmente ex-executivos da Odebrecht, mostraram haver na Dersa cenário que lembra o que ocorreu na Petrobras: interferência política, doleiros, operadores financeiros para lavar dinheiro e agentes públicos suspeitos de gerenciar cartéis de empreiteiras.
DELATORES DENUNCIAM EX-GESTORES
O principal suspeito é Paulo Vieira de Souza, citado por pelo menos dez colaboradores da Lava-Jato. Ele é associado a pedidos de vantagens ilícitas e doações a campanhas tucanas atreladas às obras do Trecho Sul do Rodoanel, à ampliação da Marginal Tietê e à construção do complexo Jacu-Pêssego. Somadas, as obras custaram R$ 8,9 bilhões.
Souza é conhecido como operador do PSDB em campanhas eleitorais. Preso, mas solto duas vezes pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ele também é investigado por manter R$ 113 milhões em contas na Suíça. No último dia 21, o seu sucessor no cargo, Lourenço, foi detido, suspeito de desviar recursos nas obras no Trecho Norte do Rodoanel, orçado em R$ 9,8 bilhões. A suspeita é que os desvios ultrapassaram R$ 600 milhões.
A diferença básica entre Souza e Lourenço são os padrinhos políticos. O primeiro é amigo do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e mandou na Dersa durante o governo de Serra (2007-2010). Já Lourenço chegou ao cargo na gestão de Geraldo Alckmin. No ambiente tucano, as turmas de Alckmin e Serra se estranham.
Souza foi preso por um desvio de cerca de R$ 7 milhões em pagamentos indevidos de indenizações por desapropriações na rota do Rodoanel, da Marginal Tietê e da Avenida Jacu-Pêssego. Entre os beneficiários estavam empregados de sua família. Foi a própria Dersa, sob o comando de Lourenço, que encomendou a auditoria que terminou por incriminar Souza.
Foram os delatores que colocaram Souza na Lava-Jato. Condenado pelo juiz Sergio Moro, o operador financeiro Adir Assad contou ter passado mais de R$ 100 milhões a Souza, que lhe apresentou às empreiteiras que agiam em cartel em São Paulo. Sua missão era emitir notas frias e gerar dinheiro em espécie para que Souza pagasse propinas e caixa 2 a campanhas tucanas. Souza nega ter feito isso.
Paulo Vieira de Souza sempre se gabou de sua eficiência à frente das obras e da capacidade de amealhar recursos para financiar campanhas tucanas. Segundo delatores da Odebrecht, no Rodoanel Sul, ele cobrou 0,75% em propina para “organizar o cartel” e abastecer as campanhas. As doações ilegais ao partido, segundo o ex-diretor da Odebrecht Benedicto Junior, somaram cerca de R$ 2,2 milhões em repasses mensais feitos a partir de 2007.
Segundo delatores da Odebrecht, o percentual de propina nas obras da Marginal Tietê e do complexo Jacu-Pêssego foi de 5%. No caso da Jacu-Pêssego foram descobertos pagamentos de R$ 7,4 milhões ao operador Adir Assad pelo consórcio SVM. A Odebrecht devolveu R$ 7 milhões, num acordo firmado com o Ministério Público de São Paulo para ressarcir danos causados pelas duas obras. Não há informação sobre a responsabilização de agentes públicos que intermediaram a negociata.
A Dersa informou que, desde 2011, tem departamento de auditoria interna, instituiu um Código de Conduta Ética e contribui com as investigações. No caso de Lourenço, afirmou que foi aberta sindicância interna. “A Dersa e o Governo do Estado de São Paulo são os maiores interessados no avanço de qualquer investigação que envolva seus empreendimentos”, afirmou em nota, acrescentando que, “se comprovada conduta ilícita de funcionários que tenha causado prejuízos ao erário público, o estado buscará na Justiça o ressarcimento, como já o fez em outras ocasiões”.
APOIO ÀS INVESTIGAÇÕES
A defesa de Paulo Vieira de Souza não quis se manifestar sobre a reportagem. O ex-governador Geraldo Alckmin tem negado envolvimento com os escândalos da Dersa. Quando questionado sobre a corrupção supostamente praticada por Paulo Vieira de Souza, Alckmin costuma afirmar que foi ele quem determinou auditoria na empresa. O departamento, segundo o ex-governador, teria confirmado desvios e fraudes nas empresas do período de 2009 a 2010, quando ele não estava à frente do governo. Sobre a prisão de Laurence Casagrande Lourenço, Alckmin tem dito que reitera seu total apoio às investigações. Se houve desvio, o tucano diz que defende punição exemplar. Caso contrário, que o direito de defesa prevaleça. A reportagem não conseguiu contato a defesa de Lourenço, mas nas audiências de custódia em que o GLOBO esteve presente, o advogado Eduardo Carnelós tem negado irregularidades na gestão dele. O ministro Aloysio Nunes disse que é amigo de Paulo Vieira de Souza e que se trata de um gestor competente: “Quanto às acusações de que ele é objeto, quem pode falar é seu advogado”.
Crédito: Cleide Carvalho e Gustavo Schimitt/O Globo – disponível na internet 03/07/2017