A economia brasileira mantém o ritmo em marcha lenta com que entrou em 2018. Divulgado nesta sexta-feira, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu apenas 0,2% entre abril e junho em relação ao primeiro trimestre – quando a alta foi de 0,1% sobre os três meses anteriores, já descontados os efeitos da sazonalidade.
A greve dos caminhoneiros teve impacto negativo importante sobre a atividade, especialmente sobre a produção industrial, e foi responsável por uma série de revisões para o indicador que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou nesta manhã.
Algumas projeções foram cortadas pela metade depois dos 11 dias de paralisação, que bloquearam estradas e causaram desabastecimento.
Além dessa questão circunstancial, contudo, os números do PIB são um retrato de uma retomada lenta, marcada pela dificuldade de gerar emprego e de estimular os investimentos – e deixam cada vez mais claros os desafios do próximo presidente.
A seguir, cinco diagnósticos que o principal indicador de atividade econômica dá sobre o país que os candidatos ao Executivo prometem transformar partir de 2019.
1. A construção ainda não reagiu
Desde que a recessão acabou – de acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, da Fundação Getulio Vargas, no fim de 2016 –, a construção civil é o único setor que ainda não conseguiu se descolar dos números bastante negativos que marcaram os anos de crise.
Depois de ficar relativamente estável no fim do ano passado, a atividade no segmento voltou a contrair em 2018. Teve queda de 0,4% no primeiro trimestre e de 0,8% de abril a junho, na comparação com o período imediatamente anterior.
Hoje, seu nível é semelhante ao de 2009, o pior desempenho mostrado pelos dados do PIB.
“A construção atingiu o fundo do poço e não tem dado sinais de reação”, avalia Sarah Bretones, da MCM Consultores.
O cenário é explicado, de um lado, pelo fato de este início de recuperação estar sendo puxado mais pelo consumo do que pelos investimentos.
A liberação de recursos das contas inativas do FGTS e o ganho de poder de compra proporcionado pela queda da inflação foram alguns dos fatores que, no ano passado, contribuíram para que o comércio avançasse 1,8% – quando a economia como um todo cresceu 1%.
Na contramão, a área de infraestrutura não teve o mesmo tipo de estímulo. Com o Orçamento do governo federal e dos Estados no vermelho, praticamente não houve construção de estradas, de moradias populares ou obras de saneamento por iniciativa do setor público.
Já o setor privado, que ainda digere dívidas do passado, segue desalentado pelo ambiente de crise política e de insegurança em relação ao futuro. A esse fator a economista da MCM acrescenta o impacto indireto da operação Lava Jato, que acabou afastando do mercado grandes empresas – parte das companhias acusadas de envolvimento nos escândalos de corrupção segue vetada de participar de licitações e muitas reduziram em mais da metade o quadro de funcionários.
A construção é um dos quatro setores que compõem a indústria dentro do PIB, ao lado do segmento de eletricidade, água e esgoto e das indústrias extrativa e de transformação.
2. Uma década de retrocesso dos investimentos
Esse quadro explica em parte o desempenho ruim dos investimentos. Chamados de Formação Bruta de Capital Fixo no PIB, eles despencaram cerca de 30% durante a crise e estão reagindo em ritmo muito mais lento do que se esperava.
“A construção e os investimentos andam muito juntos”, pondera Igor Velecico, do Bradesco.
No ano passado, eles chegaram a esboçar uma reação, crescendo “até 8% em termos anualizados”, mas a situação voltou a piorar em 2018. A retração de 1,8% entre abril e junho, em relação ao primeiro trimestre, é a primeira queda depois de um ano de resultados positivos.
Hoje, seu nível também é semelhante ao que o país registrava em 2009.
Especificamente no segundo trimestre, o resultado negativo dos investimentos foi influenciado pela indústria de transformação, que teve parte das atividades paralisadas em maio, por causa da greve dos caminhoneiros. Nesse segmento, o tombo foi de 0,8% (e de 0,6% na indústria como um todo).
Velecico calcula que a paralisação tirou 0,2 ponto percentual do PIB do segundo trimestre.
O cenário para o restante do ano tampouco é animador. As incertezas em relação à eleição, que têm feito muitas empresas segurarem os investimentos e deixarem os projetos na gaveta, se mantêm.
E se somam ao ciclo recente de desvalorização do real – o dólar caro eleva o custo da importação de maquinário e de tecnologia e também joga contra a Formação Bruta. Para o economista do Bradesco, os investimentos vão continuar encolhendo até o fim de 2018.
3. Retomada lenta
Apesar de a recessão tecnicamente ter ficado para trás há mais de um ano, a retomada da economia segue lenta – mais ainda do que em outros períodos de crise – e não chega a ser percebida por muitos brasileiros.
Em dezembro de 2017, acreditava-se que a atividade cresceria 3% neste ano, número que foi cortado praticamente à metade nos últimos meses.
“Como dezembro (de 2017) foi um mês bom, muita gente revisou as estimativas pra 2018. A gente superestimou o ritmo de recuperação”, diz Sarah Bretones, da MCM Consultores.
Hoje economistas avaliam que fatores exógenos – como a supersafra e a liberação dos recursos das contas inativas do FGTS – tiveram papel importante para o desempenho positivo da economia no ano passado e acabaram alimentando um otimismo que não se sustentou.
“Acabaram os anabolizantes”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia), referindo-se àqueles estímulos temporários.
O desempenho mais fraco da indústria automotiva no início do ano, ressalta Velecico, foi um dos primeiros sinais de que o ritmo de atividade era incompatível com as estimativas.
Esse é um setor, aliás, tende a ser cada vez mais prejudicado pela situação da Argentina, que vinha absorvendo parte dos veículos que o mercado doméstico não tinha apetite para consumir.
Outro foco de frustração tem vindo do mercado de trabalho. Em meados do ano passado, o crescimento do emprego informal reforçou a expectativa de que o desemprego começaria a ceder.
Em geral, o início dos ciclos de crescimento é marcado pela contratação sem carteira. O emprego formal costuma reagir na sequência, quando as condições para a recuperação se mostram consistentes.
Essa segunda, entretanto, não tem acontecido. Mais que isso, a geração de novas vagas, ainda que informais, estancou por meses e voltou a reagir apenas em julho.
Graças a esse fator, conforme os dados divulgados nesta quinta-feira pelo IBGE, a taxa de desemprego recuou de 12,9% no trimestre encerrado em abril para 12,3% nos três meses até julho.
“Em termos dessazonalizados, a taxa de desemprego permaneceu no mesmo patamar desde outubro de 2017, em torno de 12,3% (recuando para 12,2% em julho)”, ilustra o economista do Bradesco.
4. Redução do potencial de crescimento
Velecico chama atenção também para o desempenho da renda. Sem os estímulos de 2017 – quando a inflação baixa e os reajustes salariais mais gordos, corrigidos pelos índices de preços de 2016, elevaram o poder de compra – a remuneração tem avançando cada vez menos.
A expansão mais modesta da massa salarial, em paralelo ao desemprego alto, são má notícia para o comércio, segmento que ainda tem melhor desempenho que os demais.
Com a ajuda desse último setor – contabilizado dentro dos serviços no PIB –, a economia deve expandir cerca de 1,5% neste ano, de acordo com a média de estimativas de consultorias e instituições financeiras reunidas pelo Banco Central no Boletim Focus.
O resultado modesto está próximo do chamado PIB potencial – cálculo feito por economistas para tentar dimensionar a capacidade que a economia teria para crescer sem pressionar a inflação – hoje, algo entre 1,5% e 2%, conforme os economistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Silvia Matos, do Ibre-FGV, observa que nosso potencial de crescimento era significativamente maior alguns anos atrás.
De um lado, o período extenso de recessão faz com que, por exemplo, o maquinário obsoleto não seja reposto e tira do mercado de trabalho às vezes por anos mão de obra qualificada, que vai perdendo produtividade com o tempo.
Ou seja, a própria crise reduz o combustível que poderia ser usado para acelerar a retomada.
O Brasil tem ainda uma especificidade, diz a economista: uma série de investimentos mal alocados nos períodos de bonança. O crédito fácil que fluiu para empresas de diversos setores, ela exemplifica, inclusive aquelas envolvidos no escândalo da Petrobras, não trouxe o retorno que se esperava e gerou custos para o setor público que até hoje estão sendo pagos.
“Isso também reduziu nosso potencial de crescimento.”
5. Um longo caminho até a ‘estaca zero’
A economista pondera, contudo, que há uma série de medidas que podem ser tomadas no início do próximo governo para aumentar a capacidade da economia de expandir.
Uma sinalização maior de controle na trajetória da dívida pública, por exemplo, poderia reduzir os juros reais e baratear o crédito para investimento.
Ainda assim, o caminho até a “estaca zero” – os níveis registrados antes da crise – é longo.
Atualmente, a economia do Brasil roda em patamar próximo do registrado em2011.
Nas contas da coordenadora do Boletim Macro, se o Brasil mantivesse um ritmo de crescimento de 0,5% por trimestre, compatível com um avanço de 2% por ano, seriam necessários mais 11 trimestres para que voltássemos ao nível de atividade às vésperas da recessão.
Ou seja, apenas no início de 2021, no terceiro ano do próximo mandato. Isso faz com que essa retomada seja, de longe, a mais lenta da história do país. Nas grandes crises dos anos 80 e 90, afirma Matos, a economia precisou, em média, de sete trimestres para “resolver o problema”.
Essa ressalta que não há “solução mágica” para o momento adverso atual.
Uma política fiscal contracionista, para conter os gastos do governo, pode ser boa, mas não funciona sozinha, pondera a especialista – precisaria vir acompanhada de estímulos para que o setor privado passasse a financiar os investimentos.
Uma agenda reformista, por sua vez, não se sustenta se não forem criadas as condições para implementação das reformas, tanto políticas (apoio do Congresso) quanto sociais (um ambiente sem grandes distúrbios, greves ou paralisações). Caso contrário, o cenário seria de grande instabilidade.
“Não tem uma bala de prata que vá salvar a economia, mas uma série de fatores que devem atuar em conjunto. Esse é um jogo com várias rodadas”, resume.