Mandato de pai para filho: por que sobrenome ainda deve contar nestas eleições

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Danielle Dytz Cunha, Flávio Bolsonaro, Marcelo Crivella Filho, João Campos, Fernando James Collor… Em comum, eles têm sobrenomes conhecidos no mundo político e a ambição de seguir os passos dos pais. Contam, além disso, com a “sorte” de poder sonhar alto – dão seus primeiros passos nas urnas já tentando vagas na Câmara e no Senado.

Centenas de filhos, maridos, esposas e netos de políticos registraram suas candidaturas na Justiça Eleitoral até o dia 15 de agosto – a data limite.

São muitos os estreantes. João Campos (PSB), 24 anos, filho do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em um desastre aéreo quando concorria à Presidência em 2014, vai encarar sua primeira eleição já como candidato a deputado federal.

Danielle Dytz Cunha, filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso, também não pensou “pequeno” e estreia na política disputando vaga na Câmara dos Deputados pelo MDB do Rio de Janeiro.

Já Marcelo Crivella Filho conta com o apoio do pai, que é prefeito do Rio de Janeiro, para alcançar uma vaga de deputado federal. É a primeira eleição dele.

Danielle Cunha, filha de Eduardo Cunha
Danielle Dytz Cunha trabalhou na campanha do pai para a presidência da Câmara. Agora preso, Eduardo Cunha aposta na filha para manter sobrenome no Congresso. Direito de imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Eduardo Bolsonaro, filho do candidato à Presidência Jair Bolsonaro, tenta se reeleger como deputado federal.

O irmão mais velho dele, Flávio Bolsonaro, está no grupo dos que tentam alçar voos maiores que em 2014: quer saltar direto de deputado estadual no Rio de Janeiro para senador.

Irajá Abreu, filho da senadora Kátia Abreu, que é vice na chapa de Ciro Gomes à Presidência, vive situação parecida e tenta trocar a Câmara dos Deputados pelo Senado.

Pais e filhos

Enquanto tenta se eleger governador de Alagoas, o senador Fernando Collor quer garantir um sucessor no Congresso, seu filho Fernando James Collor, candidato a deputado federal.

Os dois vão percorrer o Estado nordestino juntos para tentar derrotar outra dupla de pai e filho com tradição na política: Renan Calheiros (MDB), que tenta a reeleição ao Senado, e Renan Filho, que quer se reeleger governador de Alagoas.

No Pará, outro político tradicional do MDB, Jader Barbalho, candidato ao Senado, percorre o Estado em campanha com o filho Helder Barbalho, que tenta se eleger governador. Os dois lideram as intenções de voto.

E, enquanto o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral segue preso, acusado de comandar um esquema de corrupção, o filho dele, Marco Antônio Cabral, faz campanha para se reeleger deputado federal.

Marco Antonio Cabral
Enquanto Sérgio Cabral segue preso, acusado de liderar um esquema de corrupção no Rio de Janeiro, seu filho Marco Antônio Cabral faz campanha para se reeleger deputado federal. Direito de imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK

O professor de ciência política Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), faz um paralelo do fenômeno do “mandato de pai para filho” com famílias que há gerações seguem a mesma profissão.

“A política é uma atividade profissional que precisa ser desempenhada em tempo integral. Assim como em outras profissões em que a gente vê médico filho de médico, advogado filho de advogado, não é diferente na atividade política”, diz.

“E, assim como em outras profissões, há uma vantagem em seguir a profissão dos pais: você tem uma rede formada que facilita do ponto de vista de ter aliados, apoiadores, financiadores e um aprendizado que vem desde a infância.”

Mas será que, em meio ao clamor por “renovação”, o parentesco com políticos tradicionais vai contar a favor nas urnas em outubro?

Sistema político que favorece eleição de parentes

Dados referentes à última eleição indicam que, para a Câmara, o sobrenome contou, e muito, na última disputa. Levantamento feito pelo Transparência Brasil, instituto voltado ao monitoramento de órgãos públicos, revelou que 49% dos deputados eleitos em 2014 eram filhos, netos, esposas ou maridos de políticos com mandato – um aumento de cinco pontos percentuais em relação aos eleitos em 2010.

Entre os deputados federais com até 35 anos, 85% dos eleitos em 2014 são herdeiros de famílias políticas.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o sistema político-eleitoral brasileiro continuará a favorecer candidatos que tenham fortes ligações com lideranças partidárias, ainda que haja uma rejeição popular à política e a políticos tradicionais.

Fernando Collor e Fernando James Collor
Ex-presidente Fernando Collor faz campanha ao lado do filho; um quer ser governador e o outro, deputado federal. Direito de imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Três fatores contam particularmente a favor das candidaturas de parentes de políticos influentes: o fato de o nome ser mais facilmente lembrado pelos eleitores, acesso a financiamento para a campanha e o controle da máquina partidária nos redutos eleitorais, com a mobilização de cabos eleitorais e da militância.

“Da mesma forma que para um parlamentar que já está no poder é mais fácil se reeleger, quem tem um parente na estrutura de poder consegue se eleger mais facilmente”, afirmou à BBC News Brasil Juliana Sakai, diretora de operações do Transparência Brasil.

“Além do próprio nome, que torna a pessoa mais conhecida do eleitorado, tem a questão de que o voto é totalmente ligado ao financiamento da campanha.”

Um nome para lembrar

Em outubro, a população terá que optar por um candidato a deputado federal, a deputado distrital ou estadual, senador, governador e presidente da República. Só para deputado federal são mais de 8 mil candidatos em todo o Brasil.

Em São Paulo, o eleitor escolherá dentre 1.675 concorrentes. Ou seja, uma das principais tarefas de quem disputa uma eleição é simplesmente conseguir ter o nome lembrado. Os candidatos que têm sobrenomes conhecidos largam com vantagem na corrida eleitoral.

“Para a Câmara, são muitos os candidatos e muitas as vagas para cada Estado para preencher as 513 cadeiras. Portanto, serão mais votados os candidatos mais lembrados. Existe um eleitorado que vai rejeitar políticos com sobrenomes de pessoas investigadas, mas esses políticos acabam, mesmo assim, sendo mais escolhidos que outros mais desconhecidos”, avalia Sakai.

“Um dos desafios que os políticos têm é se tornarem conhecidos do eleitorado. Quem já tem o nome conhecido já resolveu esse problema de antemão”, reforça Claudio Couto, da FGV.

Renan Filho e Renan Calheiros
Renan Filho conta com o apoio do pai, Renan Calheiros, para tentar se reeleger governador de Alagoas. Direito de imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Influência para obter recursos do fundo partidário

Outro fator decisivo para o sucesso numa eleição é financiamento. A capacidade de mobilizar recursos tem efeito direto sobre a possibilidade de uma pessoa se eleger, diz Juliana Sakai, que identificou um valor mínimo necessário de investimento para que um candidato seja bem-sucedido ao tentar uma vaga na Câmara dos Deputados.

“Em 2014, na disputa eleitoral de São Paulo, os candidatos que se elegeram com votos próprios levantaram mais de R$ 100 mil para a campanha. No Rio de Janeiro, o mínimo foi de R$ 45 mil”, afirmou à BBC News Brasil.

Na eleição de outubro, não serão permitidas doações empresariais – as campanhas serão financiadas com recursos do Fundo Partidário e doações de pessoas físicas. Segundo Sakai e Claudio Couto, quem tem influência no partido pode ter vantagem no direcionamento dos recursos do fundo. E aí filhos de políticos influentes podem, mais uma vez, se beneficiar do sobrenome.

João campos ao lado de imagem do pai
João Campos conta com o capital político do pai, Eduardo Campos, em Pernambuco. Segundo especialistas, poder dentro do partido ajuda na captação de recursos para a campanha. Direito de imagem REPRODUÇÃO/FACEBOOK

“A decisão sobre como serão transferidos os recursos do fundo para cada campanha é tomada pela cúpula dos partidos. E quem já está dominando o partido certamente terá maior facilidade para mobilizar o dinheiro a favor dos candidatos de sua preferência, inclusive parentes que estejam se lançando na política”, afirma Sakai.

Além disso, quem tem poder dentro do partido pode mobilizar mais facilmente outros instrumentos importantes na campanha, como militância e cabos eleitorais.

“As redes constituídas facilitam na organização das campanhas. Pessoas que já apoiavam um político em outras eleições podem estar mais propensas a apoiar o filho ou neto dele”, diz Couto.

A pesquisadora de ciência política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Carolina de Paula avalia que o modelo de financiamento dessas eleições favorece quem tem dinheiro para financiar a própria campanha ou quem tem controle da máquina partidária nos Estados.

“Vai reforçar quem já domina a estrutura dos partidos. E os partidos já declararam que vão investir em pessoas com mandato ou em quem tem força, e quem tem força são os políticos tradicionais e os parentes deles”, afirma.

“Vai favorecer também quem tem dinheiro e pode se autofinanciar. O financiamento empresarial tem muitos problemas, mas o modelo que implementamos tende a manter as classes políticas dominantes.”

Mas como os clãs políticos surgiram e se perpetuaram?

Segundo Carolina da Paula, o compadrio e a transmissão de mandatos de pai para filho sempre existiram no Brasil e remontam à época em que o país era colônia de Portugal. O território foi dividido em capitanias hereditárias, cada qual administrada por alguém nomeado pela Coroa portuguesa. O controle da terra, como o próprio nome dizia, era passado de pai para filho.

“Acredito que essa cultura tem a ver com esse aspecto da transferência hereditária de poder e terras, que remonta à história colonial”, afirma.

Ela destaca que, historicamente, ao assumir um mandato, muitos políticos articulam a nomeação de parentes no gabinete e de aliados – o chamado nepotismo cruzado – ou em postos de visibilidade nas bases eleitorais, pavimentando o caminho para que esses familiares sejam eleitos no futuro.

Nas regiões mais pobres, o clientelismo reforça a manutenção de famílias no poder, na medida em que os eleitores vinculam o voto à manutenção de benefícios pontuais, como bolsas e vales.

Helder barbalho em campanha
No Pará, Jader Barbalho, candidato ao Senado, faz campanha ao lado do filho, Helder Barbalho, que tenta se eleger governador. Direito de imagem ALAMY

“Eu trabalho com pesquisa de opinião, e o que a gente percebe é que as pessoas têm medo de não votar nos políticos tradicionais, porque temem perder o pouco que elas recebem em termos de benefício e que elas vinculam ao político que já está no poder”, explica a pesquisadora.

Já Claudio Couto vê com naturalidade o fato de filhos e netos de políticos seguirem o caminho dos pais e avós. Ele destaca que o mesmo fenômeno acontece em outros países.

“Historicamente, sobrenome sempre contou na política. Não há porque ser diferente nessas eleições. É um fenômeno normal que não é exclusivo do Brasil. Veja-se o caso das dinastias políticas nos Estados Unidos, como os Kennedy.”

Efeito da ‘política de pai para filho’ é a falta de mudanças

Para Juliana Sakai, do Transparência Brasil, a consequência da perpetuação de “clãs” na política brasileira é a dificuldade de mudanças significativas nos sistemas econômico e social do país, à medida em que não há incentivos para alterar as normas que beneficiam quem sempre esteve no poder.

“Você tem uma tendência ao conservadorismo e à manutenção das mesmas estruturas políticas, sociais e econômicas. Claro que pode haver rupturas, mas você está representando uma estrutura que se perpetua no poder há diversas gerações. Vira um negócio de família, e isso desestimula mudanças nas regras já existentes.”

Carolina de Paula, da UERJ, reconhece que eleitores mais jovens já começam a rejeitar nomes de políticos tradicionais, especialmente os investigados por corrupção, e que há uma proliferação de movimentos que pedem a renovação na política. Mas, para ela, esses aspectos ainda não terão impacto significativo nas eleições de outubro.

“Eu acho que os movimentos de renovação ainda estão concentrados num grupo específico, são pessoas que já tiveram mais acesso à escolaridade, e a maior parte dos movimentos nasce em São Paulo e está concentrado no Sul e Sudeste. Só com avanço econômico, social e cultural é que se passa para uma situação de voto esclarecido”, diz.

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