Na última edição do Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), avaliação trienal realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a Estônia apareceu em terceiro lugar, atrás apenas de Cingapura e Japão.
Está, portanto, no pequeno país banhado pelo mar Báltico a melhor educação da Europa – ou, indo além, a melhor educação do Ocidente.
Entre os 70 participantes da avaliação, o Brasil ficou em 63º lugar.
“O sucesso da educação na Estônia se baseia em três pilares”, afirmou à BBC News Brasil a ministra da Educação e Pesquisa do país, Mailis Reps. “A educação é valorizada pela sociedade, o acesso é universal e gratuito e há ampla autonomia (de professores e escolas).
“Os estonianos realmente acreditam que a educação abre uma ampla gama de possibilidades”, ressalta a ministra.
Na Estônia, a educação é gratuita e inclusiva em todos os níveis, explica Reps, o que significa que todos têm igual possibilidade de inserção. “Também oferecemos acesso igual a vários serviços de apoio baseados nas necessidade, como refeições gratuitas na escola, fornecimento de materiais didáticos, serviços de aconselhamento, além de subsídios em transporte e, a partir do ensino secundário, acomodação.”
Amor pelas letras e investimento pesado
Durante séculos, o povo estoniano teve suas terras dominadas por outros povos, principalmente suecos e russos. O país foi criado como Estado autônomo apenas em 1917.
De 1940 a 1991, se tornou um estado membro da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Tal e qual hoje, portanto, a Estônia é um jovem país de apenas 27 anos. Mas, desde muito tempo atrás, uma coisa não mudou: o apreço do povo estoniano pela cultura letrada.
Tanto é que, de acordo com registros históricos, há 150 anos o índice de alfabetização da população já era de 94%. “Sempre fomos famintos pelo aprendizado”, define Reps.
Com o país moderno e independente, a decisão governamental passou a ser priorizar os investimentos em Educação. Atualmente, o Estado investe 6% do PIB (Produto Interno Bruto) no ensino. Em termos percentuais, é o mesmo que o Brasil. Mas na hora de esmiuçar os dados, considerando PIB per capita e número de alunos na rede, notam-se discrepâncias.
No Brasil, o PIB per capita é de R$ 31 mil, de acordo com dados da OCDE referentes ao ano de 2017. Na Estônia, é o equivalente a R$ 110 mil. Enquanto o governo brasileiro investe, no ensino básico, R$ 6,6 mil por aluno ao ano, o governo estoniano aplica o equivalente e R$ 28 mil.
Se comparado com o Brasil o valor é alto, comparado com os outros países europeus, não chega a impressionar. A média da União Europeia, bloco que conta com a Estônia desde 2004, é de cerca de R$ 41 mil por aluno ao ano.
Professores valorizados e acordo social em prol da Educação
Talvez a resposta para a eficiência estoniana, portanto, esteja em um misto de bons investimentos e eficiência no uso desse montante. “Nós nos esforçamos para a excelência na educação, porque acreditamos que cada pessoa deve ter a chance de desenvolver e usar seu maior potencial”, diz a ministra.
“A educação sempre foi uma prioridade para investimentos, quando se trata de salários de professores, rede de escolas ou infraestrutura digital”, ressalta Reps. “O aumento salarial dos professores estonianos também se destaca no nível internacional. Os salários dos professores aumentaram na maioria dos países da OCDE nos últimos 10 anos, mas os indicadores da Estônia são realmente impressionantes quando comparados a outros.”
Na Estônia, a categoria teve um incremento de renda de 80% na última década. Hoje, o salário-base dos docentes é de 1.150 euros. “No ano que vem, será de 1.250 euros o piso da categoria. Na média, será de 1.500 euros”, afirma a ministra.
“Acreditamos que deve haver um acordo social e político para que a Educação de um país seja valorizada. Considerando o padrão geral de vida, a educação é uma área em que uma porcentagem considerável do orçamento é investida”, completa.
“A chave está no acordo com a sociedade. Todos devem entender a necessidade da educação – só assim é possível obter resultados.”
Autonomia e liberdade em sala de aula
As diretrizes do ensino estão no currículo nacional. Mas como aplicá-las fica, em grande parte, a critério de cada escola. Isso significa que as metodologias e até mesmo os ambientes de sala de aula podem ser definidos de acordo com o plano dos professores. “O currículo determina os resultados gerais. A maneira de alcançá-los é escolhida pelos professores”, diz a ministra. O currículo é constantemente atualizado.
“Na Estônia, as escolas e os professores desfrutam de um elevado grau de autonomia na tomada de decisões em todos os aspectos da aprendizagem e do ensino”, completa.
Essa descentralização se tornou regra após a dissolução da União Soviética. Foi quando o governo decidiu dar liberdade às escolas, exigindo delas, por outro lado, a responsabilidade quanto às diretrizes.
De forma geral, as matérias são ensinadas de forma integrada, ou seja, sem a divisão clássica entre as disciplinas. As competências mais valorizadas são “aprender a aprender”, ética, empreendedorismo e educação digital. Todos os professores devem ter mestrado em suas áreas de atuação.
Durante o período escolar, os alunos precisam aprender língua e literatura estonianas, primeira e segunda línguas estrangeiras, matemática, biologia, geografia, física, química, humanidades, história, civismo, música, arte, artesanato, tecnologia e educação física.
Mas também são comuns aulas de história das religiões, design e economia.
No contra-turno, período do dia em que os alunos não têm aulas, todas as escolas oferecem aulas de esporte, música, artes e oficinas de tecnologias.
É quando também os problemas individuais dos alunos com baixo desempenho são solucionados. No sistema educacional estoniano, bons e maus alunos não são separados em classes diferentes. Mas aqueles com mais dificuldade recebem ajuda, fora do horário das aulas, de professores particulares, psicólogos e psicopedagogos, conforme a necessidade.
“Existem competências gerais que todo aluno deve desenvolver: cultura e valores; habilidades sociais e de cidadania; autodeterminação, autoaprendizagem, interação e comunicação; matemática, ciências naturais, tecnologia; empreendedorismo e competências digitais”, enumera.
Os resultados estão não apenas na boa colocação no Pisa, de modo geral, mas também quando se analisa os índices de alunos no nível mais baixo de aprendizagem. Apenas 8% dos jovens estonianos de 15 anos – idade dos avaliados pelo Pisa – estão no nível mais baixo de aprendizagem.
Isso significa que eles têm dificuldade para relacionar entre si partes diferentes de um mesmo texto, por exemplo. A média dentre os países da União Europeia para a mesma questão é de 15%. No Brasil, são 30% os que apresentam tal dificuldade.
“Claro que ficamos orgulhosos de nossas conquistas, de nossa avaliação no Pisa”, comenta Reps. “Mas o objetivo é a educação – e não a pontuação em testes”.
A contratação dos professores não é mediante concursos públicos como os que existem no Brasil.
Lá, os candidatos a diretores de escolas são entrevistados por um conselho formado por pais, professores e representantes do governo municipal. A ideia é analisar suas habilidades de educação e de gestão. Na hora de contratar um professor, a responsabilidade pela sabatina cabe ao diretor da escola.
Serve para o Brasil?
Replicar um modelo de um país para o outro, na opinião da ministra estoniana, não é algo tão factível, uma receita mágica que poderia resolver os déficits educacionais. “Cada país é diferente e não existe uma receita ou um modelo secreto que possa ser usado apenas copiando tudo”, acredita ela.
As ressalvas são óbvias: discrepâncias de tamanho populacional, problemas históricos ainda não resolvidos ou mesmo diferenças culturais. “O modelo da Estônia foi formulado considerando um pequeno país. Circunstâncias brasileiras são completamente diferentes”, afirma Reps.
Por outro lado, ela reconhece que parcerias entre nações são importantes. No caso da Estônia, com a igualmente bem-sucedida Finlândia, atual quinta colocada no ranking Pisa. “A Finlândia é nosso principal parceiro quando tratamos de melhores práticas educacionais. Há sempre algo a aprender com os vizinhos”, ressalta.
“Quanto à formulação de políticas públicas no campo da educação, estamos sempre abertos a mudanças e a inovação. Mas, ao mesmo tempo, valorizamos e preservamos abordagens tradicionais que têm funcionado bem”, diz a ministra.
“O futuro certamente seguirá nos trazendo novos desafios, principalmente com o desenvolvimento de novas tecnologias. Acreditamos que precisamos aprender uns com os outros e enfrentar os desafios juntos.”
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