A medida retardaria, por exemplo, a inclusão de uma pessoa ou empreendimento na lista suja do trabalho escravo. E este não é o único tipo de desrespeito à legislação trabalhista que deve ser contemplado no texto da medida provisória.
Empresas autuadas por atraso de pagamento de salário, atraso no recolhimento do FGTS, descumprimento de normas de segurança e pagamento da rescisão trabalhista fora do prazo ganhariam uma nova fase protelatória, se decidirem recorrer.
O Cart funcionaria nos moldes do Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vinculado ao Ministério da Fazenda. Os conselheiros do Carf são indicados pela Receita Federal, por confederações de categorias econômicas – como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) – e por centrais sindicais. Cabe a eles julgar recursos contra autuações por infrações fiscais.
O conselho para infrações trabalhistas também teria formação tripartite, segundo o texto inicial discutido no Ministério do Trabalho. Assim, governo federal, entidades patronais e sindicatos de trabalhadores indicariam os conselheiros. Isso significa que empregadores poderão participar da decisão sobre multas trabalhistas aplicadas em razão do desrespeito a direitos dos trabalhadores.
O Cart é uma reivindicação antiga do empresariado. Em 2014, a CNI defendeu a criação do conselho – praticamente com o mesmo nome definido na medida provisória – em proposta da entidade para a eleição presidencial naquele ano. A mesma proposta foi feita pela CNI no rol de sugestões para a disputa presidencial neste ano.
Fontes do Ministério do Trabalho relatam que um grupo de trabalho foi constituído em 2015 para discutir a criação do Cart, mas o grupo foi encerrado sem que o conselho fosse criado. Isto ocorreu, segundo essas fontes, porque no meio do caminho surgiu a Operação Zelotes, uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) que apontou corrupção no Carf, com compra de votos dos conselheiros para que multas fossem revertidas ou anuladas. O esquema envolveu grandes empresas, conforme as investigações.
Agora, a pouco mais de dois meses para o fim do governo do presidente Michel Temer, o gabinete do ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, decidiu ressuscitar a proposta. O andamento do processo que elabora a medida provisória mostra que a abertura do procedimento foi feita pela assessoria especial do ministro. O processo se encontra atualmente na Consultoria Jurídica do ministério.
Ao GLOBO, a Casa Civil da Presidência da República afirmou que ainda não recebeu “formalmente” o texto da medida provisória, sem responder se participa da elaboração da medida. A Casa Civil também não confirmou se e quando o governo publicará o texto. “Ainda não há definição se será editado”, informou o órgão, por meio da assessoria de imprensa.
No Ministério do Trabalho, o entorno do ministro trabalha para fazer valer a medida provisória ainda no governo Temer. O entendimento é que há uma lei que prevê a terceira instância para recursos contra autuações por infrações trabalhistas. Ainda restam dúvidas, por exemplo, sobre os critérios exatos para indicação de conselheiros.
A criação do Cart significaria que, ao ser autuada uma empresa por trabalho escravo, por exemplo, ela poderá recorrer para além da Superintendência Regional do Trabalho e da Secretaria de Inspeção do Trabalho, esta última no próprio Ministério do Trabalho. Ganharia uma terceira instância: o Cart.
Assim, uma infração só transitaria em julgado – só chegaria ao fim, sem possibilidades de novos recursos administrativos – após uma análise definitiva dos conselheiros. Hoje, a inclusão na lista suja do trabalho escravo é definida na segunda instância, no ministério, após o trânsito em julgado.
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, afirmou ao GLOBO que o Ministério Público do Trabalho (MPT) é contra a iniciativa de criação do Cart. O órgão pode, inclusive, solicitar que a Procuradoria Geral da República (PGR) ingresse com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a medida provisória, a depender do conteúdo que seja editado. Segundo o procurador-geral, a intenção do conselho seria apenas “protelatória”:
— A criação de nova instância protela ainda mais uma fase administrativa. Além disso, a análise tem de ser puramente técnica. Um governo mais pró-empresário ou mais pró-trabalhador tiraria a isenção de uma análise que tem de ser puramente técnica, a cargo de auditores, sem viés político — disse Fleury.
O GLOBO enviou perguntas à assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho no começo da tarde desta sexta-feira, sobre a exata extensão da medida provisória, a previsão para edição da medida, a motivação para a criação do conselho e os critérios de indicação de conselheiros. Não recebeu respostas até a publicação desta reportagem.
Crédito: Vinícius Sassine/O Globo – disponível na internet 20/10/2018