Por que tragédia de Brumadinho reacendeu debate sobre reforma trabalhista?

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O questionamento sobre como será a indenização de trabalhadores da Vale e familiares após o desastre causado pelo rompimento de barragem em Brumadinho (MG) reacendeu a discussão sobre mudanças trazidas pela reforma trabalhista.

O ponto da lei que tem gerado mais debate é o que coloca um teto para a indenização referente ao dano moral. Da forma como está em vigor, o valor fica limitado a 50 vezes o salário do trabalhador – ou seja, as famílias dos profissionais que ganham mais, como engenheiros, poderão receber indenização maior.

“A dor da família do engenheiro da Vale vai valer mais que a do trabalhador braçal”, afirmou à BBC News Brasil o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, um dos principais críticos à reforma trabalhista.

Ao mesmo tempo, defensores dessa lei lembram que também há a indenização por danos materiais, que não foi limitado pela reforma.

Bombeiro procura por sobreviventes após rompimento da barragem em Brumadinho
Bombeiro procura por sobreviventes após rompimento da barragem em Brumadinho.O número de mortos chegou a 84 e deve aumentar, segundo os bombeiros. Direito de imagem AFP

“O texto da lei se refere a danos extrapatrimoniais, e o danos materiais decorrentes de morte podem ser requeridos de forma independente”, escreveu em sua conta no Twitter Rogério Marinho, que foi o deputado federal relator da reforma trabalhista e hoje é secretário da área de Previdência Social do ministério da Economia.

A Vale afirmou que dará uma compensação imediata de R$ 100 mil para cada família com entes mortos ou desaparecidos – mas esse valor ainda não é o da indenização.

“É uma doação”, disse Luciano Siani, diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, em entrevista coletiva na segunda. “Isso não tem nada a ver com indenização. Sabemos que os valores (das indenizações) são muito maiores, que terão que ser conversados com as famílias.”

Depois de o tema ter sido motivo de debate nas redes sociais, a BBC News Brasil explica qual é a regra que está em vigor e quais são os possíveis efeitos.

Bombeiros trabalhando em Brumadinho
Centenas de pessoas seguem desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros. Direito de imagem REUTERS/WASHINGTON ALVES

Salário ou teto previdenciário?

Parte da confusão se deve ao fato de a lei sancionada pelo ex-presidente Michel Temer ter sido alterada por uma medida provisória que terminou perdendo a validade porque não foi votada pelo Congresso Nacional.

Para o dano extrapatrimonial, mais conhecido como moral, o texto da lei prevê que pode chegar, em casos considerados de “ofensa de natureza gravíssima”, a 50 vezes o último salário do trabalhador em questão.

Na época da discussão da reforma, houve muitas críticas exatamente porque o dano seria proporcional aos rendimentos – ou seja, a faxineira de uma empresa e uma gerente que fossem submetidas à mesma situação receberiam valores diferentes.

Depois de negociar com senadores, o governo Temer editou uma medida provisória que alterava vários pontos considerados polêmicos. Um desses trechos é exatamente sobre o dano extrapatrimonial, que passaria, então, a ser proporcional ao valor do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), hoje equivalente a R$ 5.839,45.

Bombeiros procuram por sobreviventes após rompimento da barragem em Brumadinho
Bombeiros procuram por sobreviventes após rompimento da barragem em Brumadinho. A Vale anunciou que dará compensação imediata de R$ 100 mil para cada família atingida pela tragédia. Direito de imagem EPA

A regra que colocava o teto previdenciário como referência, contudo, perdeu a validade em abril de 2018, quando a medida provisória caducou. Por isso, voltou a valer a regra que estabelece como parâmetro o salário do trabalhador.

Morte

Outro ponto que a medida provisória previa e que teria impacto no caso de Brumadinho é que os parâmetros para o valor do dano extrapatrimonial não valeriam para casos decorrentes de morte dos trabalhadores.

Essa previsão, contudo, também perdeu a validade em abril e a lei em vigor não menciona exceção para situações em que há morte do empregado.

Dano moral

Também causou dúvida os diferentes tipos de indenização no âmbito da justiça trabalhista. A nova lei estabelece que a reparação por danos morais pode ser pedida junto com a indenização por danos materiais referentes ao mesmo caso. O limite estabelecido, contudo, vale exclusivamente para a parte que não é material.

“O dano moral é a dor que eu senti em razão daquele evento, é o sofrimento”, explica Fleury. “No caso de um trabalhador que tenha morrido em Brumadinho, o dano material é, entre outras, a despesa com velório e a perda referente ao salário que a família deixa de receber. E o dano moral é a dor que a perda daquele trabalhador vai causar pra família. Como ela será indenizada, segundo a lei? Em até 50 vezes o salário.”

Vítimas

O caso de Brumadinho é o registro do maior acidente de trabalho da história do Brasil e poderá se tornar o segundo acidente industrial mais mortífero do século 21 em todo o mundo, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC News Brasil.

Até a noite desta segunda-feira, haviam sido contabilizados 84 mortos, e 276 pessoas continuavam desaparecidas, de acordo com as equipes que atuam no resgate. Há moradores entre as vítimas, mas boa parte das pessoas ainda não encontradas são funcionários da mineradora.

O relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, afirmou à BBC News Brasil que o rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado como “um crime”.

“Esse desastre exige que seja assumida responsabilidade pelo que deveria ser investigado como um crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco de 2015”, disse Tuncak, em referência à tragédia de Mariana.

Segundo o relator da ONU, as autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas foram “completamente pelo contrário”, ignorando alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos dos trabalhadores e moradores da comunidade local.

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