Em termos de igualdade social, o país figura entre os dez piores do mundo. Problema tem raízes históricas que remontam à escravidão e, apesar de alguns avanços nas últimas décadas, está longe de ser resolvido.
Preocupada com o crescimento da pobreza, exclusão social e desemprego no mundo, a Assembleia Geral das Nações Unidas elegeu 20 de fevereiro como o Dia Mundial da Justiça Social, uma data para promover esforços para diminuir as desigualdades.
“Favorecemos a justiça social quando eliminamos as barreiras que as pessoas enfrentam por motivos de gênero ou relacionados à idade, raça, origem étnica, religião, cultura ou deficiência”, explicou, em 2009, Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU.
Aos dez anos da criação da data, o Brasil não tem o que comemorar, já que a concentração de renda no país é uma das mais desiguais do mundo.
“Nossos ricos são mais ricos que os de outros lugares, inclusive em comparação com países desenvolvidos”, afirma Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, organização internacional que atua no combate às desigualdades e injustiças.
Segundo dados da Oxfam, o Brasil é um dos dez países mais desiguais do mundo. Em relação à renda, por exemplo, os 5% mais ricos do país recebem por mês o mesmo que os demais 95% da população juntos.
“Tivemos avanços nas últimas décadas no Brasil, mas continuamos com uma massa de população empobrecida, e não houve uma mobilidade social de fato”, explica Georges.
Desigualdades históricas
Segundo a Oxfam, se a tendência das desigualdades registrada nos últimos 20 anos se mantiver no Brasil, a igualdade salarial entre homens e mulheres só será alcançada em 2047. Os negros, por sua vez, levarão 70 anos para ter os mesmos salários que os brancos. Esses números exemplificam como as desigualdades brasileiras têm raízes profundas na história do país.
“O longo período de escravidão no Brasil, cuja superação aparente dependeu mais da importação massiva de mão de obra europeia do que da inclusão do negro na sociedade, marca todos os fatores que fazem o país ser um dos mais desiguais”, afirma Gilson Schwartz, professor de economia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), lembrando que o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888.
Para Schwartz, desde o fim da escravidão, o Brasil avançou pouco no social, principalmente no combate ao racismo. “Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro consagraram o design imobiliário em que o apartamento tem sempre um ‘quarto de empregada’. Ou seja, a senzala foi modernizada”, afirma o professor.
Lacuna de gênero e raça
“Há muitos grupos marginalizados no Brasil, mas é importante dar centralidade às negras: a maior parte delas vive nas periferias, tem trabalhos de baixa remuneração e muitas vezes de grande esforço físico, com dupla jornada, sem possibilidade de se moverem socialmente”, diz Georges, lembrando que ainda são as mulheres as principais cuidadoras e responsáveis pelo bem-estar da família.
“Nessa lógica, se as brasileiras – principalmente as negras, aqui incluídas as pardas e indígenas – elevarem seu padrão de vida, o Brasil inteiro melhora”, afirma.
Dados do Instituto Internacional de Pesquisa em Pecuária mostram que, no mundo, mulheres gastam até 90% de sua renda com a família, enquanto os homens não gastam mais que 40%.
Apesar disso, no Brasil, as mulheres ganham em média 25% menos que os homens e gastam mais tempo cuidando da família, segundo números do IBGE. Enquanto os homens dedicam 10,5 horas semanais a cuidados de familiares ou afazeres domésticos, as mulheres dedicam 18,1 horas. Se consideradas apenas as mulheres negras, esse dado salta para 18,6 horas.
Baixa tributação aos ricos
A lacuna entre ricos e pobres é outra questão alarmante. Apenas cinco bilionários brasileiros possuem, juntos, o mesmo patrimônio que a metade da população mais pobre do país. Um trabalhador que recebe um salário mínimo precisa trabalhar 19 anos para ganhar o mesmo que um desses bilionários recebem em apenas um mês.
Alguns fatores ajudam a explicar a concentração de renda, mas o principal, para Georges, é o sistema tributário brasileiro, que favorece tanto os mais ricos como seus herdeiros.
“A baixíssima tributação de heranças no país, junto com a baixa tributação de rendas altas, favorece a concentração e a manutenção dessa concentração por gerações”, afirma o coordenador da Oxfam, explicando que esse tipo de renda concentrada e passada de pai para filho é um movimento que ocorre não somente no Brasil, mas em outros países que tributam pouco os ricos.
Georges destaca ainda a concentração de terras. “O Brasil necessita de uma reforma agrária, pois esta poderia quebrar com estruturas de poder econômico no país.”
Dados do relatório Terra, Poder e Desigualdade na América Latina, da Oxfam, mostram que 45% de toda a área rural do país está nas mãos de menos de 1% da população. Apesar disso, mesmo sem acesso a recursos e a créditos no campo – que mais uma vez ficam nas mãos desse 1% – os pequenos produtores são responsáveis por produzir mais de 70% dos alimentos de todo o país.
Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 21/02/2019