Nesta entrevista, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) faz duras críticas à educação brasileira e diz que os 13 anos da era PT à frente do governo federal levaram a educação brasileira ao atraso. Segundo ele, o lulopetismo institucionalizou um patrulhamento na Educação brasileira que pode ser comparado ao que viu quando estudou na União Soviética durante o período de Leonid Ilitch Brejnev, último ditador soviético.Wilson Ferreira Cunha é daqueles professores que não têm medo de opinar e que gostam de basear suas opiniões no conhecimento adquirido ao longo dos anos. E, como historiador, antropólogo e cientista político, é possível dizer que conhecimento não lhe falta.
“Começa pelos reitores das instituições federais de ensino e até das universidades particulares, que são atrelados aos programas obsoletos do Ministério da Educação. Há um “puxa-saquismo” geral nos meios da Educação. É preciso tirar isso, o que será muito difícil, porque é um sistema orgânico inserido na Educação brasileira, que vai levar uns 50 anos”, diz.
Euler de França Belém – A detenção do ex-ministro Guido Mantega em um hospital causou indignação, mas a indignação com a corrupção do PT não teria de ser muito maior?
O PT está perdendo o foco principal, que é a ladroagem, a corrupção. Claro que o juiz Sérgio Moro e a Polícia Federal não tinham conhecimento da gravidade da saúde da mulher de Guido Mantega, e o juiz mandou soltá-lo imediatamente após reconhecer esse fato. Só que isso não tira a ilegalidade da posição do ex-ministro durante sua gestão, tanto que já foram bloqueados R$ 10 milhões das contas dele. O PT, como sempre, tenta desvirtuar o principal foco do problema que é a corrupção, a ladroeira que ocorreu neste país nos últimos 13 anos. Isso é uma estratégia de pessoas que têm uma imaginação totalitária de únicos detentores da verdade, os únicos que podem fazer o bem.
Euler de França Belém – Como o sr. interpreta a atitude do ex-presidente Lula, que nessa história toda parece não viver no Brasil, e parece, sobretudo, que está acima das leis?
Não é só Lula, o PT se acha privilegiado, acima de todos os brasileiros, acima da lei. Tanto que ele também fica indignado, bravo com o que foi noticiado como se fosse uma pirotecnia. Maior pirotecnia é o roubo de toneladas de dinheiro das instituições públicas como nunca aconteceu em outra parte do planeta. Esse é o principal problema. Lula e todo o lulopetismo estão identificados com o poder e não com a administração do poder, e para isso, desde 2002, começaram a ter essa estratégia de como permanecer per saecula saeculorum no poder ao longo de sua administração. Todas as ações do PT foram canalizadas para esse objetivo.
Euler de França Belém – O sr. estudou na União Soviética no período brejneviano [Leonid Ilitch Brejnev liderou o país entre 1964 e 1982], marcado por muita corrupção. Mas parece que a corrupção da esquerda soviética foi muito menor do que a que ocorreu agora no Brasil na era petista. O sr. se surpreendeu com a escala de corrupção do PT?
Todos nós nos surpreendemos, porque o PT tinha um discurso de ética, de moralismo com a coisa pública e fez exatamente o contrário; aliás, pior que os outros partidos tradicionais.
Cezar Santos – O sr. diria, então, que o PT montou uma mecânica para domínio total das instâncias de poder para benefício próprio, através da apropriação de dinheiro público?
E isso começou nos primeiros meses do governo Lula, em que foram se apropriando das instituições públicas, com o objetivo de cooptar, conciliar com os outros partidos, principalmente com o PMDB, para ter uma permanência duradoura no poder. E para isso eles precisavam de dinheiro, e tiraram o dinheiro das instituições públicas, como Petrobrás, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fundos de pensão, Caixa Econômica Federal etc. Eles chegaram a falir a Petrobrás tamanha a roubalheira. Essa corrupção no Brasil é um marco mundial inédito, porque nunca houve no mundo tamanha usurpação do dinheiro público por parte de um partido político, no caso o PT.
Cezar Santos – Além do roubo em si, qual consequência essa escalada de corrupção promovida pelo PT causa aos brasileiros?
Isso é triste para o País porque despolitiza a política. Política não é roubalheira, política deve ser movimento para construir e desenvolver um país. Mas não é só na área financeira que o PT fez um desgoverno. Os danos foram em todas as áreas, como a educacional.
Marcos Nunes Carreiro – O sr. pode citar exemplos?
Institucionalizou-se um patrulhamento inimaginável na Educação brasileira, talvez pior do que o que vivi na ditadura socialista de Brejnev, que foi um dos últimos ditadores soviéticos. Há uma militância que se diz a favor dos pobres e oprimidos, dos não acolhidos, e isso reflete no ensino, tanto fundamental quanto médio e principalmente no terceiro grau. Há uma baixaria enorme na área educacional que a gente não pensaria ser possível numa democracia republicana.
Começa pelos reitores das instituições federais de ensino e até das universidades particulares, que são atrelados aos programas obsoletos do Ministério da Educação. Há um “puxa-saquismo” geral nos meios da Educação. É preciso tirar isso, o que será muito difícil, porque é um sistema orgânico inserido na Educação brasileira, que vai levar uns 50 anos. Crianças que nasceram em 2002, atravessaram os 13 anos de petismo no poder, e aqueles que tinham 15 anos, quer dizer, a geração que menos 35 anos não tem outra imagem do Brasil a não ser a dos governos petistas. Com isso, houve um prejuízo enorme na consciência, na formação do estudante, do cidadão brasileiro.
Euler de França Belém – O sr. é historiador, antropólogo, cientista político. Na sua avaliação, como ficará a imagem do PT na história?
Vai ficar muito ruim, será uma marca desastrosa. Com o PT erigiram-se alguns paradigmas na Educação brasileira que precisam ser destruídos. Por exemplo, criou-se o pensamento de que trabalho em grupo é que movimenta o ensino no País. Ora, trabalho em grupo justifica a imagem de que na universidade tudo se copia e nada se cria e isso se institucionalizou. Na verdade, um aluno faz o trabalho e os outros integrantes do grupo assinam. Então, isso precisa ser extirpado do ensino brasileiro.
Outro dano é a postura crítica, entre aspas, que se sobrepõe à absorção do conhecimento. A crítica é só para aquele que pensa o contrário, não é a crítica que constrói o conhecimento. Outro ponto é a frouxidão e a permissividade em vez da disciplina e da cobrança do aluno. Quer dizer, o aluno é um frequentador de aulas, sem nenhum compromisso, nenhuma responsabilidade. Veja que isso não existia nem na ditadura, época em que pelo menos os alunos procuravam adquirir conhecimento. Hoje, temos o analfabeto virtual dentro da universidade, que não sabe escrever nem falar direito.
Outros absurdos (Wilson consulta um texto que trouxe): a prioridade das atividades chamadas sociais; os trabalhos fora do estudo persistente, que é ajudar a incluir. Essa lengalenga de ajudar a justiça social, entre aspas, se tornou quase um padrão de direcionamento da política educacional brasileira. E, penúltimo, a valorização de pesquisadores de banalidades. Vê-se que as teses de mestrado e doutorado de excelência no Brasil não chegam a 2%, isso é constatado pelo próprio MEC. Gente que fez mestrado e doutorado por fazer, como se fosse uma indústria, sem nenhuma qualidade, sem resultado e sem nenhuma utilidade. É um autêntico besteirol, um festival de besteira nacional a nível de ensino.
Por último, a palavra metodologia virou assim um suprassumo da sapiência, um mantra. Fala-se de metodologia e está tudo resolvido, em detrimento dos conteúdos. Não se pode ter metodologia sem conteúdo, senão vai haver esse tipo de aluno que é o pior tipo de estudante não só no terceiro grau, mas também nos ensinos fundamental e médio. (enfático) Tanto que o MEC, agora sob nova gestão, dobrou a carga horária no ensino médio; de 800 passou para 1,6 mil horas e, nos três últimos anos, o aluno terá de escolher uma das áreas de interesse dele. Já é uma mudança positiva no ensino brasileiro.
Marcos Nunes Carreiro – O sr. diz que, no período petista, a educação brasileira foi posta a serviço do partido?
Educação deveria ser uma das políticas prioritárias de qualquer partido que chega ao poder, porque não se faz um país sem educação de qualidade. Aliás, a educação no Brasil virou uma massificação, principalmente no ensino universitário. Veja que o lulopetismo instalou, em 13 anos, praticamente o mesmo número de universidades federais no País que havia nos 100 anos anteriores. O resultado é baixa qualidade e o malefício maior se dá principalmente na área da saúde. Há diversas faculdades de medicina que não têm estrutura adequada para proporcionar um ensino de qualidade. Nem precisa ir às universidades para ver, basta ir aos hospitais, ao SUS. Ao lulopetismo interessa aquele reitor alinhado e aliado ao governo federal. Na eleição de Dilma Rousseff, todos os reitores de universidades federais manifestaram apoio a ela. Isso despolitiza e deixa desânimo na população, que está percebendo isso no bolso, no dia a dia.
Euler de França Belém – Fala-se em “entulho autoritário” da ditadura. E esse “entulho petista” vai durar quanto tempo?
Na educação, deve durar cinco décadas, porque são novas gerações que terão de vir para limpar isso. Esse entulho autoritário pseudomarxista-socialista-comunista tornou de esquerda a esmagadora maioria dos professores de história. Os livros e até as questões do Enade são tendenciosas.
Cezar Santos – Sobre isso, há livros didáticos aprovados pelo MEC para alunos do ensino fundamental que trazem críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso e elogios à gestão de Lula.
Isso é uma estratégia política de permanência no poder a qualquer custo. A corrupção do PT veio para manter esse tipo de orientação ideológica.
Cezar Santos – A história desse período só vai poder ser lida com mais realidade quando historiadores não petistas começarem a escrever os livros de análise?
Claro, e observo que os não petistas hoje são perseguidos. Há uma patrulha enorme sobre as pessoas que contestam esse sistema de interesse político esquerdista, e são poucos historiadores e antropólogos que discutem isso abertamente. Quando fazem isso são imediatamente destroçados, alijados do processo. Para se ter uma ideia, o Departamento de História da PUC tirou do currículo a disciplina antropologia. E por quê? É uma postura ideológica, porque a antropologia não se filia a nenhuma corrente, é uma concorrente ao marxismo-leninismo, é uma disciplina que não interessa a isso. Aliás, não existe neutralidade em nenhuma disciplina. O grande historiador judeu francês Marc Bloch (1886-1944), que foi fuzilado pela Gestapo de Hitler, propõe uma história na busca de problemas, uma história problemática, digamos. Esse é o foco da história: levantar os problemas do passado para não repeti-los no presente. E esse pós-socialismo, principalmente no Brasil e em países latino-americanos, está querendo introduzir de novo ideias marxistas e socialistas que foram colocadas na prateleira. Hoje, nem os próprios russos as defendem, nem os chineses; sobram aí o Vietnam do Norte, a Coreia do Norte, Cuba e talvez Equador, Venezuela. Tudo isso querendo se contrapor a um movimento globalizante, capitalista, que é inexorável. Aliás, esses ditos esquerdistas adotam as benesses do capitalismo. Eu pergunto: por que eles não trazem os economistas desses países para instaurar um modelo deles? Mas é uma questão de estratégia usar o processo representativo democrático do Brasil e utilizar eleições, com falatório de inclusão, de justiça social, de igualdade, para espalhar ideias ultrapassadas e obsoletas.
“Petistas não têm coragem de mostrar a sigla”
Cezar Santos – O lulopetismo e, de alguma forma, a esquerda abdicou de discutir a ética e a moral. Como o sr. vê esse movimento?Euler de França Belém – Em texto recente, o filósofo Luiz Felipe Pondé diz que numa escola de elite em São Paulo, o professor determinou aos alunos um trabalho sob o tema “Fora, Temer golpista”…
Isso não fica só nas escolas. O próprio Jornal Opção já falou sobre o corporativismo, que é muito forte no Brasil. A criação de sindicatos em qualquer esquina se deu para fortalecer seguimentos de trabalhadores, mas que eram cooptados pelo governo federal. Isso é uma aberração. São mais de 11 mil sindicatos no País e todos defendendo essa linha. Dizem que o impeachment foi golpe. Como golpe, se Michel Temer foi escolha de Dilma? Se fosse golpe, ela deveria ter convocado as forças armadas para bloquear esse movimento golpista. “Golpe”, no Brasil, é uma metáfora porque a palavra é nefasta no País, que se lembra do período da ditadura. Então, esse foi um argumento usado para penetrar na população e, até certo ponto, deu certo, porque tem gente que repete esse discurso. Eles não têm mais o governo federal nas mãos, mas ainda têm esses núcleos militantes, que são fortes.
Há um discurso de afirmação de grupos, por questões políticas e de defesa do seu próprio umbigo. Tanto que essas eleições serão uma amostra do que será a vida do PT pós-impeachment: em São Paulo, nas eleições passadas, eram mais de 9 mil candidatos a vereador e, hoje, não são 4 mil. Aliás, os candidatos do PT não têm coragem sequer de mostrar a sigla do partido junto com a sua foto. A estrelinha está o menor possível. Eles mesmos estão envergonhados de si, pois, mesmo entre os petistas, existe gente honesta.
Euler de França Belém – Qual será o Brasil após esse período conturbado? Estamos vendo a cara dos nossos políticos, empresários e dos nossos intelectuais, mas vemos também as instituições funcionando, como Polícia Federal, Ministério Público e o Poder Judiciário. A sociedade brasileira melhora depois disso?
A perspectiva não é a do avanço de um regime totalitário, apesar de que a briga atual, não apenas no Brasil mas no planeta, é das posições totalitárias contra as posições abertas. E é claro que a esquerda defende, com arrogância, ser a única dona da verdade e consegue ter adeptos, porque é a narrativa de uma utopia acerca de algo que poderia acontecer e que foi visto por Rousseau ou Marx, nos séculos XVIII e XIX. Quer dizer, o mundo já está caminhando para outro lado e o Brasil, que não é um país como Equador ou Venezuela, deve se beneficiar desse novo quadro. O Brasil tem uma sociedade mais evoluída e um capitalismo presente, mesmo que muitos empresários tenham sido cooptados pelo governo federal e agora estão presos. Então, o País pode, por meio da Lava Jato, que é uma nova leitura jurídica dos ilícitos corridos no Brasil, dar mais valor aos fatos e não à narrativa criada.
Temos linhas jurídicas diferenciadas em que é possível pegar o bandido, principalmente o de colarinho branco, verificando o caminho percorrido pelo dinheiro, pela propina. É a “propinocracia”, palavra criada por Deltan [Dallagnol, procurador Ministério Público Federal e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato]. Isto é, o “governo da propina”, que realmente foi instituído no País. Quem participou ficou indignado quando a denúncia foi feita, mas não ficou indignado com o uso da propina. Agora, denúncia não significa acusação. A acusação foi aceita e o processo foi iniciado. Os méritos do processo, os fatos, é que são inquestionáveis. Veja o caso de Mantega, que teve a prisão decretada exatamente porque há fatos concretos mostrando que ele pegou propina.
Euler de França Belém – Muitos acreditam que Lula já ficou no passado e deve ser debatido como figura histórica. O sr. acredita que Lula tem algum futuro político?
Não deveríamos acreditar nisso, porque Lula é uma carta tirada do baralho a nível político nacional. Mas quem vai referendar essa conclusão é o eleitor brasileiro e, provavelmente, nem será candidato em 2018. Essa já é uma aposentadoria, porque a marca do governo petista foi, desde 2003, corrupção. E os demais partidos, sobretudo o PMDB, assim como os empresários, também são culpados disso. E outra coisa: há um conluio para barrar a Lava Jato. No Congresso, há mais centenas de deputados e senadores envolvidos na “propinocracia”, tanto que tentaram, na calada da noite, absolver aqueles que estavam envolvidos em esquemas de caixa dois, isto é, dar aos políticos evolvidos nisso, anistia. Caixa dois é algo usado até hoje. Nessas eleições, o próprio Tribunal Superior Eleitoral já denunciou quase 20 mil casos, no País inteiro, de mortos e pessoas que recebem Bolsa Família doando quantidades grandes de dinheiro. Esse é o jeitinho, a malandragem, que não é só do político, mas também é parte da cultura, do comportamento antropológico brasileiro.
Euler de França Belém – O sr. acha que a política exterior do Brasil já melhorou com José Serra?
Claro. Isso trouxe oxigênio ao País, o que é bom politica e economicamente, porque há certa confiabilidade na trajetória do governo Temer. Os resultados são vistos na economia. Agora, é engraçado que as pessoas do governo passado não assumem o que é atribuído a ele, mas querem que Temer resolva, em três meses, o rombo de treze anos.
Marcos Nunes Carreiro – O sr. não vê nada de positivo nos governos da última década?
O que esses governos trouxeram de positivo foi o entendimento de que não se pode confiar em político. Quem disse isso pela primeira vez foi Maquiavel, de que política se faz com humanos e não com santos, com messias. E humanos são capazes de prejudicar pessoas e também o País. Então, isso é um aprendizado. O prejuízo foi que o lulopetismo misturou o público e o privado.
O Brasil foi patrimônio dos portugueses durante 400 anos e patrimônio do lulopetismo durante 13 anos, como se a “coisa pública” pertencesse àquele partido que chegasse ao poder. Por isso, a população deve se indignar com a ladroagem que aconteceu nesses 13 anos, porque foi dinheiro público, fruto de impostos que a população pagou, que foi direcionado a empresas privadas, partidos políticos e até para o bolso particular de uma quantidade enorme de políticos. Então, o Brasil viu que não se pode confiar em muitas pessoas.
A democracia tem que ser reavaliada sempre, pois é muito vulnerável. Todos participam e vemos pessoas desonestas participando e que estão ali para atender a interesses pessoais. E também é uma oportunidade de a população perceber quem está falando a verdade, tanto que o melhor político hoje, no sentido de ganhar voto, é aquele que fica em cima do muro. É o genérico da política e quanto menos atitudes e posições ele tiver, melhor. Tanto que os políticos só faltam prometer vida eterna, saúde e fortuna.
Euler de França Belém – É possível perceber um descompasso no Brasil. Goiânia, por exemplo, é uma cidade moderna, mas que tem um candidato como Iris Rezende, que não tem uma visão moderna de cidade. Por que existem, no Brasil, figuras retardatárias como essa?
Iris deve ser o último populista que nós temos, cheio de proselitismo e retóricas tradicionais. Mas a culpa disso está na discussão política que começa na escola e na universidade e que foi aplacada durante esses 13 anos. Então, não se viu surgir novas lideranças no País. Por isso, temos as “familiocracias” que governam desde as capitanias hereditárias, transmitindo de geração para geração a mesmice, sem nenhuma mudança significativa.
E Iris não é único. Existem muitos “Iris” espalhados pelo Brasil, assim como muitos “Lulas”, pessoas que se veem em uma missão messiânica, de chamamento para resolver os problemas de uma cidade que é muito complexa, da saúde ao transporte público. Os candidatos não têm coragem de colocar sobre a mesa ideias, propostas e planos viáveis com o orçamento da cidade, afinal, existem limites. Veja que tem candidato propondo colocar videomonitoramento em todas as esquinas da cidade. Fala-se em construir um hospital 24 horas, pagando R$ 3 mil a um médico? Então, esse discurso se mantém porque não houve renovação durante 13 anos. Essa cooptação do governo federal em todas as áreas atrasou o Brasil por décadas. Se fosse um país verdadeira, que discutisse a realidade das cidades, dos Estados e do País, não teríamos esse atraso. Nós regredimos ao invés de avançar.
A sociedade avançou, Goiânia avançou, é moderna. A sociedade evoluiu, mas os políticos permaneceram. Então, essa eleição pode mudar a forma de fazer política para as próximas eleições. Como? Uma reforma política que extinga o fundo partidário, que é uma aberração. Tem partido que vive só pelo fundo partidário, que chega a garantir de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões por ano. Isso é uma loteria esportiva. (enfático) São partidos nanicos e que têm meia dúzia de militantes que ficam aí, sem produzir, sem trabalhar.
Euler de França Belém – O sr. tem notado o eleitor de Goiânia perceptivo? Parece que o eleitor tem avaliado inclusive os candidatos a vice.
Sim. Ele examina quantas vezes, por exemplo, Iris deixou a Prefeitura. Iris não termina um mandato. A perspectiva de ele se colocar como candidato foi praticamente no último minuto do segundo tempo. Ele não era candidato. Quando percebeu que o PMDB não tinha preparado um nome para ter visibilidade e densidade eleitoral, ele se apresentou como candidato.
Foi ingenuidade nossa acreditar que não seria candidato. Claro que ele tinha a possibilidade de perder a oportunidade de o PMDB conseguir a Prefeitura de Goiânia. Isso é determinante. Com relação a Vanderlan, provavelmente graças à sua campanha, ele foi subindo nas pesquisas, que não é a eleição. Pesquisa é o retrato do momento, não é resultado eleitoral. Isso pode parar também ou continuar. A gente não sabe.
Agora, há uma teoria política onde 40% dos eleitores seguem a maioria. Se aquele candidato está tendo mais votos, os 40% que vêm aí vão desembocar na urna a favor desse mais favorito.
Marcos Nunes Carreiro – As pesquisas acabam pautando o voto do eleitor?
Sim.
Marcos Nunes Carreiro – Essa é a primeira eleição após essa minirreforma eleitoral, que não pautou mudanças profundas, mesmo com o financiamento de campanha e o tempo modificados. Já é possível ter alguma avaliação do resultado prático disso ou é preciso esperar a eleição acabar para poder analisar?
Esperando é melhor, mas já é possível falar alguma coisa. Vimos a diminuição do marketing. Praticamente fazia-se um produto, não um candidato. Apresentava-se o melhor produto. O marqueteiro fazia isso e ganhava a eleição com esse raciocínio de que os 40% seguem aquele mais vitorioso. Mas haverá a possibilidade de ter uma reforma política e mudar o jeito de votar. Talvez com a intenção dos próprios candidatos. Porque eles estão vendo que é muito mais difícil chegar ao eleitor.
Se houvesse distribuição dos eleitores por distrito, dos votos, o contato seria mais presente e mais eficiente, com o número delimitado de eleitores que iria votar naquele candidato. Eles vão sentir isso lá na frente. Não precisa fazer uma reforma política, basta mudar o voto proporcional majoritário para proporcional para acabar com esse distanciamento.
Outra coisa é acabar com as coligações e depois implantar um mínimo necessário como existência para partido político. Ele pode continuar a ser da política, mas não como partido político.
E sem dinheiro do fundo partidário. Não vai proibir que haja manifestação, pois na democracia você tem o livre direito à manifestação, mas não entrar na composição político-jurídica do País. Aí você vai filtrar mais e ter partidos com mais representatividade de ideias, de projetos e vai haver mais transparência e identidade.
Política eleitoral não é tudo numa sociedade. Quem faz sociedade é a própria sociedade. Os próprios moradores que vão fazer a cidade.
Cezar Santos – Em democracias mais maduras o voto não é obrigatório.
Outra coisa é deixar de ser obrigatório o voto. Tanto que nas eleições dos Estados Unidos nem 50% dos eleitores comparece no dia da votação. E o país deslancha. A gente dá muita atenção e poder àquele profissional político. Precisamos diminuir o papel do político profissional na sociedade, diminuir o papel do governo, do Estado. Aí você terá menos interferência na vida da própria sociedade nos aspectos econômico, político e individual.
E vai aflorar indivíduos com mais compromisso e responsabilidade quando se apresenta como candidato. E não como salvador da pátria, como Messias, insubstituível. Praticamente quase todos os candidatos se creem insubstituíveis. Se não for ele, outro não presta. Com isso você terá administrações municipais e não administrações de partidos e de indivíduos que eventualmente estão no poder.
Você administra em uma gestão pública para o município. E não para aquele partido. Então você descaracteriza essa marca partidária e põe um gestor público, que é o que mais interessa ao município, Estado e União. Nós temos que pensar um novo pacto federativo.
Marcos Nunes Carreiro – O número de municípios é muito grande, na visão do sr.?
Será que o Brasil suporta 5.770 municípios? Não. Mais de 3 mil municípios são dependentes do governo federal e estadual. Nessas eleições deveria ser discutido isso. Eu acredito que isso seja a primeira pauta da agenda dos municípios brasileiros. Discutir o novo pacto federativo e uma nova forma de implantar municípios. Município é um lugar que deve ter autonomia econômica, autonomia financeira, gestão própria para sustentar os três poderes. É uma discussão muito interessante que vai refletir a nível estadual e federal.
Aqueles 3 mil municípios dependentes serão colocados como distritos ou povoados. Se ele alcançar uma autonomia, que é feito pelos moradores daquele povoado ou distrito, onde as pessoas crescem, enriquecem e sobe de degrau para distrito ou município. Essa discussão ela está não está sendo colocada em nenhum Estado brasileiro. Nem os candidatos estão colocando isso em discussão. Goiânia mesmo tem que discutir com cidades do entorno.
Cezar Santos – Não se fala de uma política de maior alcance, só se trata das coisas pequenas.
Existe mais um populismo demagógico, proselitismo, não há discussão política. Isso desqualifica a política municipal. Isso é gravíssimo. É um dos momentos mais importantes para se colocar em pauta.
Política se faz escolhas de ideias e posições, de doutrinas. A democracia precisa se reavaliar sempre. Não significa que isso será um ponto final na discussão política. Não há terminalidade. São três pontinhos. Isso é um processo, não é fechar a questão.
Todas as gestões públicas só devem ser avaliadas depois de terminadas essas gestões. No processo se houver algum desvio, como no caso da trapalhada da Dilma, você interferir. Está aí a existência dos três poderes autônomos. As regras democráticas exigem que cada um dos poderes seja independente e cada um tenha a sua atribuição, autonomia e prerrogativa.
Um caso interessante é analisar os candidatos a vereador, e mesmo a prefeito. Eles têm que saber reconhecer qual o terreno deles. Goiânia, por exemplo, termina ali na primeira rua em contato com Aparecida de Goiânia. Ele acha que vai sair da Câmara Municipal algum decreto para resolver o problema da inflação, da saúde, dos preços.
Crédito: Jornal Opção edição 2151 – disponível na internet 07/03/2019
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.