Desastres ligam alerta em barragem de rejeitos radioativos

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Após Brumadinho e Mariana, lixo nuclear de usina de urânio desativada há mais de duas décadas em Minas preocupa autoridades. Antes de 2050, a descontaminação completa não deve acontecer.

Há 24 anos de portas fechadas, a primeira fábrica de exploração de urânio no Brasil, em Poços de Caldas (MG), ainda não sabe dizer quando a área será, efetivamente, descontaminada. Pressionada pelo Ministério Público Federal (MPF) a dar um fim à unidade que produzia o minério usado no reator nuclear de Angra I, a Indústria Nuclear Brasileira (INB) aguarda o resultado de estudos para dar uma resposta.

“Existiram várias tentativas ao longo do tempo, mas não tiveram sucesso”, alega sobre a demora Fernando Teixeira, gerente de descomissionamento da unidade. Antes de 2050, o trabalho de descontaminação não deve ficar pronto. “Estudos anteriores, de 2012, estimavam um prazo de 40 a 50 anos”, complementa, em entrevista à DW Brasil.

Inaugurado em 1982 pelo governo militar, o complexo ainda abriga a cava da mina com lama e resíduos radioativos, uma fábrica de beneficiamento, equipamentos e uma barragem com 1,97 milhão de metros cúbicos de rejeitos radioativos, contendo urânio e tório.

Preocupados com os riscos que vêm da antiga unidade, procuradores buscam na Justiça uma solução definitiva há pelo menos 20 anos. Entre os problemas e dúvidas relatados em 1.200 páginas de processo, o MPF apontou falhas graves.

A mais recente delas é o não cumprimento do Plano de Ação de Emergência da Barragem de Rejeitos. Descrito apenas no papel, a INB tinha até o fim de março para comprovar que o plano foi posto em prática. Após avaliar o material entregue, o MPF apontou diversas lacunas.

“Faltou a comprovação de treinamento com equipe da INB, de simulado de situação de emergência em conjunto com prefeituras e Defesa Civil, além da falta da instalação de sistema de alarme”, diz a procuradora Gabriela de Azevedo Hossri, citando alguns pontos.

Isso significa que os moradores das cidades no entorno de Poço de Caldas não saberiam o que fazer, ou para onde ir, em caso de rompimento da barragem de rejeitos. “Faremos uma visita técnica à unidade e, se for o caso, tomaremos medidas adequadas”, afirma Hossri.

As informações do Plano de Ação de Emergência ainda não são públicas. Segundo o coordenador de descomissionamento da INB, os dados só serão divulgados após a entrega do material para todas as autoridades envolvidas. 

Vazamento fora do normal

Depois de anos movendo duas ações contra a INB nos âmbitos estadual e federal, o Ministério Público fechou, em agosto de 2018, um acordo de descomissionamento com a empresa. As tragédias provocadas pelo rompimento das barragens da Samarco em Mariana, em 2015, e da Vale em Brumadinho, em janeiro último, aumentaram a preocupação em Poços de Caldas.

“Em janeiro recebemos o comunicado da INB sobre uma água turva que estava escorrendo da barragem. Isso fez a gente rever os prazos do acordo”, afirma a procuradora Hossri. Segundo a INB, providências imediatas foram tomadas, e o problema não se repetiu.

Além da barragem de rejeitos, a formação espontânea de água ácida é apontada como ponto crítico. Quando chuva e oxigênio entram em contato com os “bota-foras”, que são pilhas com baixo teor de urânio espalhadas pelo pátio desde quando a unidade funcionava, água ácida se forma contendo elementos como urânio, tório e rádio.

Embora a INB tenha um sistema para captar essa água, existe “a possibilidade concreta de o líquido ácido estar escorrendo do complexo”, afirma Lucas Gualtieri, procurador do MPF. “Hoje, esse tratamento não abarca todas as águas geradas”.

Fernando Teixeira, da INB, concorda que grande parte do passivo ambiental atualmente é gerado a partir desse efeito. “Há a coleta e tratamento das águas. Mas não pode permanecer assim eternamente porque existe um limite. Estudos estão sendo feitos com o objetivo de determinar a origem das águas ácidas para reduzir ou eliminar essa geração”, diz.

Inexperiência e falta de planejamento

Não existem dados oficiais sobre a contaminação de moradores e os possíveis efeitos da radiação. “Existem boatos. Mas não temos nada ainda cientificamente comprovado. Esse é um  dados que queremos conferir”, afirma a procuradora que acompanha o caso.

Na opinião de Teixeira, da INB, o processo de descontaminação, apesar do longo prazo estimado para conclusão, está no caminho certo. “Há um entendimento que o descomissionamento tem que ser feito em conjunto com as autoridades e passa pelo plano acordado com o MPF”, analisa.

Como justificativa para os 24 anos de espera, Teixeira aponta a inexperiência. “É a primeira mina de urânio no Brasil. Todos os órgãos não estavam preparados. Houve falta de orientação, falta de um roteiro que levasse à descontaminação e que levou a essa demora como um todo”.

Lucas Gualtieri, do MPF, critica a ausência de lei específica no país. “A legislação não se preocupa com isso, o licenciamento não se preocupa como vai lidar com a situação após a exploração”, pontua.

Segundo Gualtieri, a falta de dinheiro também é um entrave. “Projetos de descomissionamento são caros e demorados. Temos visto em outros países que o licenciamento exige a criação de fundo para que empresa destine dinheiro para essa fase, para se preparar ao longo dos anos para quando a atividade acabar”, cita exemplos.

As pesquisas em busca de urânio no Brasil começaram após o fim da Segunda Guerra, em 1945, com apoio dos Estados Unidos e ainda movida por interesses bélicos. A produção industrial em Poços de Caldas, iniciada em 1982, foi comemorada pelos governo da Ditadura Militar como um avanço rumo à industrialização e independência energética, aponta um levantamento histórico publicado em 2002 numa tese de doutorado da Unicamp.

Com funcionamento irregular, a produção total no complexo, que tratou 2,09 milhões de toneladas do minério, alcançou apenas  27% da capacidade instalada, segundo estudos publicados.  Avaliada como pouco rentável, a unidade encerrou a exploração de urânio em 1995 e, desde então, mantém o monitoramento das instalações.

Responsável pela fiscalização e diretrizes nacionais de segurança, a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) também é sócia majoritária da INB, com 99% das ações, segundo o MPF. Consultada, a CNEN não se pronunciou até o fechamento dessa reportagem.

Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 05/04/2019

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