Uma investigação de cientistas de universidades e centros de pesquisa do Rio e de São Paulo mostrou que os efeitos do derramamento de rejeito de mineração em Brumadinho(MG) podem causar morte e anomalias em embriões de peixes. O alerta dos pesquisadores é que as consequências a longo prazo para a saúde humana e animal decorrentes do rompimento da barragem da Vale devem ser acompanhadas com extremo rigor. O estudo incluiu dosagem de poluentes, quantificação de micro-organismos potencialmente perigosos e testes ecotoxicológicos.
Mesmo após ser diluída 6.250 vezes, a lama coletada cinco dias depois da tragédia foi capaz de matar e provocar defeitos graves nos peixes, afirma Mônica Lopes-Ferreira, cujo laboratório funciona no Instituto Butantan, em São Paulo.
Também causou apreensão nos cientistas a elevada concentração de mercúrio, um metal altamente tóxico. Ele foi encontrado numa concentração pelo menos 720 vezes maior do que o máximo estabelecido como seguro pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para águas da classe 2, como as do Rio Paraopeba. Águas de classe 2 são destinadas ao abastecimento humano após tratamento convencional, à recreação (nadar, mergulhar e lazer), à irrigação de hortaliças e frutas e à pesca.
Relatório oficia recente da ANA, Capasa, CPRM e Igam aponta para elevada concentração de mercúrio entre o período de 25 de janeiro de 2019 e 10 de março de 2019. Este relatório reporta valores de turbidez média (NTU), ferro dissolvido (mg/L) e mercúrio dissolvido (ug/L) acima dos limites preconizados pela resolução Conama 357. Porém, a partir de 11 de março não são apresentados dados para estes parâmetros pelo relatório dificultando uma interpretação mais abrangente da situação real atual, observam os cientistas.
O estudo foi realizado por pesquisadores do Instituto Butantan, da Uenf e da UFRJ. Os cientistas coletaram amostras em seis localidades ao longo do Paraopeba. Os pontos analisados incluíram locais 26 quilômetros antes da área arrasada (para efeito de comparação) e até 150 quilômetros após a barragem rompida.
A concentração de ferro foi 100 vezes maior do que a estabelecida pelo Conama. A de alumínio, mil vezes superior. Mas foi o mercúrio, por sua elevada toxicidade e persistência no ambiente, que deixou os pesquisadores alarmados. O mercúrio não é usado no processo de mineração do ferro e não foi encontrado em teor significativo no desastre de Mariana, causado em 2015 pela Samarco, controlada pela Vale e a BHP Billiton.
Uma das possibilidades é que a tsunami gerada pelo rompimento tenha revirado o leito do rio e liberado sedimentos de antigos locais de extração de ouro, explica Fabiano Thompson, do Instituto de Biologia e da Coppe da UFRJ e autor de uma análise sobre os efeitos dos rejeitos da lama de Mariana.
Um dos coordenadores do estudo, Carlos Eduardo de Rezende, da Uenf, destaca que o mercúrio é um dos piores poluentes que existem, por provocar uma espécie de contaminação crônica. Os cientistas também descobriram proliferação de micróbios potencialmente tóxicos na água do Paraopeba, onde as concentrações de micro-organismos chegaram a dez vezes a máxima da tolerada pelo Conama.
Para saber o quão tóxica era a água do pós-desastre, ela foi testada em embriões de peixe-zebra. Quanto mais próxima da área do desastre, mais letal foi a água para os embriões. No ponto de coleta junto à mina, a mortalidade foi de até 100%. A água coletada em todos os pontos abaixo do desastre causou anomalias, como deformações em cérebro, boca, coluna, cauda e hemorragias.
— Para testar a lama tivemos que diluí-la até 6.250 vezes e ainda assim ela continuou letal para os embriões, o que atesta sem dúvida seus risco para a saúde — diz Mônica Lopes-Ferreira.
Os testes foram feitos com a colocação de 50 microlitros de água contaminada em “pocinhos” de dois mililitros de água limpa, cada um com cinco embriões de peixe-zebra. Cada mililitro equivale a mil microlitros. Foram empregados embriões com 30 minutos até três horas de nascidos, observados por um período de 24 horas até 96 horas.
– Não há dúvida que um material tóxico foi lançado no Paraopeba. Não sabemos como a situação está agora, mas a área precisa ser acompanhada porque esse material é muito fino, pode permanecer por muitos anos. Ele fica no leito do rio, no solo e entra em contato com pessoas e animais – destaca a pesquisadora do Butantan.
Os pesquisadores planejam fazer novas coletas, para saber como está a situação agora, mas por falta de dinheiro o trabalho está parado.
– O dano potencial desse tipo de acidente perdura por décadas. Toda a região afetada precisa ser monitorada com extremo rigor – frisa Rezende.
Fabiano Thompson diz que não há dúvida que as águas do Paraopeba representam uma ameaça à saúde pública:
– A saúde do rio pode estar comprometida por décadas. Uma vergonha.
Vale contesta
A Vale diz que, três meses após o rompimento da barragem , “é possível avaliar que o rio Paraopeba poderá ser recuperado. Tal afirmação é baseada em estudos de quase 900 mil análises da água, solo, rejeitos e sedimentos.” A mineradora afirma que mantém detalhado monitoramento do rio com coletas diárias de amostras de água, solo e avaliação dos níveis de turbidez.
Segundo a Vale, análises em 48 pontos indicaram que os rejeitos não são perigosos à saúde e que os índices de toxicidade estão abaixo dos limites legais para “rejeitos de mineração, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”.
Já o relatório conjunto da Agência Nacional de Águas (ANA), do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) diz que a concentração de mercúrio está “abaixo do limite de detecção do método analítico” e que a densidade de micro-organismos e toxinas derivadas deles está dentro do padrão legal.