Da Vinci gênio, também da anatomia

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Se tivessem sido publicados, os estudos anatômicos do artista toscano teriam potencial para revolucionar a medicina.
Suas revelações sobre o corpo humano eram impensáveis no século 15.

Nova visão do corpo

Leonardo da Vinci (1452-1519) chega à anatomia através da pintura. Ele estuda a estrutura, função e proporções do corpo humano, procurando compreendê-las e representá-las da forma mais fiel possível. Ao contrário da Idade Média, a Renascença não vê mais o físico como mero invólucro da alma, mas celebra sua beleza.

Tudo começa na cabeça

A partir de 1489 o artista renascentista passa a se ocupar da cabeça. Ele abre diversos crânios e os desenha de diferentes pontos de vista. Seu corte transversal mostra pela primeira vez uma representação anatomicamente correta das grandes veias. Especialmente fascinantes para ele são as cavidades cheias de líquido do crânio, os ventrículos.

Em busca da alma

Da Vinci considerava o olho o mais importante órgão sensorial, por coordenar todas as demais impressões. Ele foi o primeiro a reconhecer que os nervos ópticos se cruzam para conectar-se com o hemisfério cerebral oposto. Denominou esse ponto de cruzamento “senso comune”: lá pensava estar a sede da alma. Hoje é onde se localiza o hipotálamo, encarregado de controlar as principais funções corporais.

Insights profundos

Em 1506 um ancião moribundo lhe permite abrir-lhe o corpo. O artista-cientista registra minuciosamente todas as fases da dissecção. Ele constata que, com a idade, os vasos sanguíneos ficam cada vez mais estreitos e curvos. Em escrita reversa, descreve pela primeira vez uma artéria esclerosada, além de desenhar uma cirrose hepática.

Saber perdido

Na verdade, os primeiros estudos de anatomia já datam de 1550 a.C., no Egito. Contudo a maior parte do saber anatômico era obtida através da dissecção de animais e transposta aos seres humanos, gerando todo tipo de equívocos. Apesar disso, os conhecimentos assim compilados pelo médico grego Cláudio Galeno no século 2º d.C. permaneceram determinantes durante séculos.

Documentação excêntrica

O que Leonardo não podia representar, ele tentava descrever por escrito, mas em inversão especular, razão por que o conteúdo permaneceu oculto por longo tempo. Ele só utilizava a escrita normal quando outros também devessem ver seus manuscritos. Originalmente canhoto, foi educado para utilizar a mão direita desde pequeno, acabando por tornar-se ambidestro.

Objetos de estudo macabros

Da Vinci teve a oportunidade de examinar mais de 30 cadáveres na Universidade de Pavia, ao sul de Milão. Só era tolerada a dissecção de criminosos executados ou de suicidas, os quais não podiam ser sepultados no cemitério. Como não havia refrigeração artificial, a maior parte dos exames ocorria no inverno.

Medicina inútil

O artista toscano é também o primeiro a descobrir o apêndice, no fim do intestino grosso. Na época, muitos morriam da “dor do lado”, tratada simplesmente com óleo de rícino, que na verdade não tinha qualquer efeito positivo. Só em 1735 um médico londrino realiza a primeira extirpação bem-sucedida de um apêndice supurado.

Representações plásticas

Da Vinci estudou os órgãos e todo o sistema nervoso e muscular humano. De forma exímia, usava os sombreados para tornar suas representações o mais plásticas possível. É dele a primeira representação da coluna vertebral humana, com sua curvatura típica e o número correto de vértebras.

Pesquisa censurada

Como não era médico, o hospital acaba por lhe proibir o acesso aos cadáveres, e ele se vê obrigado a prosseguir seus estudos anatômicos em órgãos de animais. Para representar um útero com um feto, não dispôs de um modelo humano, mas reconstruiu a imagem a partir da dissecção de uma vaca.

Erros históricos

No entanto, Leonardo também combinava suas novas descobertas com concepções tradicionais. Assim, ligou o útero ao seio feminino, já que ali o sangue menstrual supostamente se transformava em leite, como postulava Cláudio Galeno no século 2º.

Coração em foco

Também para pesquisar o coração humano ele teve que apelar para dissecções de animais. Contrariando a visão consagrada, reconheceu que o órgão é um músculo. Para fins de estudo chegou a construir um coração artificial de vidro. Seus saber de engenheiro também o ajudou a entender a dinâmica de fluidos envolvida. Só em 1628 a circulação sanguínea seria descrita em detalhe por William Harvey.

Muito à frente de sua época

Se tivessem sido publicadas durante sua vida, as constatações de Leonardo teriam possivelmente revolucionado a anatomia e, por conseguinte, toda a medicina. Entretanto, muitos dos desenhos se perderam após sua morte, em 1519. Uma parte só foi redescoberta no século 20, e a maioria integra a coleção de arte da família real britânica.

Início de uma nova era

A anatomia verdadeiramente científica só se inicia com o cirurgião flamengo Andreas Vesalius, que em suas dissecções revela até os menores músculos, tendões, vasos sanguíneos e canais nervosos. Com apenas 29 anos, publica em 1542 sua obra principal: “De Humani Corporis Fabrica” – Da construção do corpo humano.

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