A Câmara dos Deputados aprovou na tarde de quarta-feira (05), em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) conhecida como “Orçamento Impositivo”. Para analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a aprovação representa uma diminuição do poder de barganha do Presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), com os congressistas. Mas o que é exatamente o Orçamento Impositivo e como ele afeta a relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso?
Basicamente, a medida aprovada pela Câmara aumenta, ao longo dos próximos anos, a parte obrigatória das emendas de bancada apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento da União.
Feitas as contas, não é um valor pequeno: de 2020 a 2022, custará ao Executivo cerca de R$ 7,3 bilhões a mais, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal. Em 2020, o novo gasto obrigatório será de R$ 9,5 bilhões só com as emendas coletivas, segundo a IFI.
As emendas são pequenas modificações que deputados e senadores apresentam quando o Orçamento do ano seguinte está sendo discutido no Congresso. Digamos que os oito deputados do Acre concordem sobre a necessidade de reformar uma escola em Rio Branco: eles poderão fazer uma emenda da bancada acreana para resolver o problema. É sobre este tipo de emenda coletiva que a PEC aprovada na quarta-feira diz respeito.
Antes de 2017, o pagamento desse tipo de emenda coletiva não era obrigatório: o chefe do Executivo poderia negociar com deputados e senadores os pagamentos. E o desembolso podia (ou não) ser condicionado ao apoio dos congressistas a determinados projetos de interesse da Presidência da República.
As emendas individuais dos congressistas já eram obrigatórias desde 2016, por conta de outra PEC similar aprovada pelo Congresso em março de 2015. Naquele momento, a medida foi vista como uma derrota imposta pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), à ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Pelo texto aprovado esta semana, os valores que o Executivo precisará desembolsar crescerão com o tempo. Desde 2017, o governo era obrigado a pagar as emendas coletivas até o limite de 0,6% da Receita Corrente Líquida (RCL). A RCL é tudo que o governo arrecada com impostos, taxas e demais fontes de renda, menos as transferências para os Estados e pagamentos da dívida interna. Agora, graças à PEC, este valor subirá para 0,8% da RCL em 2020; e 1% em 2021. A partir de 2022, o valor será igual ao do ano anterior, reajustado pela inflação.
A emenda aprovada também traz algumas regras para o uso do dinheiro das emendas de bancada. Por exemplo: se o dinheiro for aplicado em uma obra ou projeto que dure mais de um ano, a bancada fica obrigada a destinar emendas para esta finalidade até que esteja concluída.
A emenda aprovada na quarta já tinha sido votada na Câmara, em março. Seguiu para o Senado, onde sofreu alterações e foi votada no plenário em 3 de abril deste ano. Agora, a parte principal, que não foi modificada, vai ser promulgada pelo Senado – isto é, vai passar a valer oficialmente. Uma vez aprovadas, as emendas à Constituição não passam pela sanção ou vetos do Presidente da República.
Durante a votação na Câmara nesta quarta, os deputados introduziram algumas novidades que não tinham passado ainda pelo Senado. A principal delas estabelece pagamentos que a União fará a Estados e municípios após leilões de áreas de exploração de petróleo do Pré-Sal na Bacia de Santos (SP): depois de pagar a Petrobras, o governo federal terá de repassar 15% do restante para os governos dos Estados e do DF; e 15% para as prefeituras.
Esta e outras alterações dos deputados precisarão ser votadas novamente no Senado.
No primeiro turno de votação na Câmara, nesta quarta-feira, a PEC teve 364 votos favoráveis e apenas dois contrários, dos deputados Pedro Uczai (PT-SC) e Tiago Mitraud (Novo-MG). No 2º turno de votação, o placar foi parecido: 378 favoráveis e apenas quatro contrários. Além de Mitraud, também votaram contra no 2º turno os deputados Elias Vaz (PSB-GO), Eduardo Cury (PSDB-SP) e Frei Anastacio Ribeiro (PT-PB).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), comemorou o resultado. “Aprovamos em segundo turno o orçamento impositivo. Essa proposta otimiza e democratiza o gasto público. Nós vamos ter o poder de aprovar o próximo orçamento, as políticas públicas do governo, os investimentos. O Parlamento recompõe a sua prerrogativa”, escreveu ele no Twitter.
‘É um naco do Orçamento pelo qual valia brigar’, diz economista
Professora do curso de economia do Insper, Juliana Inhasz diz que o efeito concreto da medida é aumentar o grau de engessamento do Orçamento da União – algo contrário ao discurso defendido pelo atual governo, de tentar aumentar a eficiência dos gastos.
“É uma parcela de dinheiro sobre a qual o governo não vai mais poder decidir, mais um naco do Orçamento que ficou comprometido”, diz.
“Para o governo, sem dúvida, é uma baita derrota. O que o governo queria era ter liberdade para alocar da forma como ele acha melhor. Conseguir deixar o Orçamento mais fluido, o mais adaptável possível, foi algo que se falou muito nos primeiros meses da gestão Bolsonaro. Essa PEC, sem dúvida, vai no sentido contrário”, diz ela, que é economista e doutora em teoria econômica pela Universidade de São Paulo.
Inhasz diz ainda que o aumento – de 06% para 1% da RCL – parece pequeno, mas não é.
Isto porque, hoje, 93% do Orçamento da União está ocupado por gastos obrigatórios, nos quais o governo não pode mexer.
“É um percentual pelo qual valeria muito a pena brigar. Num universo no qual 93% já é obrigatório, estamos falando de uma redução significativa. De um lado, a receita do governo não cresce por causa da recessão; de outro, uma fatia cada vez maior do Orçamento fica engessada”, lembra ela.
Se Bolsonaro perdeu poder, por que o governo apoiou?
Nas duas votações da tarde de quarta, o governo orientou seus deputados a votarem a favor da PEC. E todos os deputados do PSL – partido de Bolsonaro – que estavam presentes votaram a favor. Apoiaram o projeto inclusive o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP).
Se a PEC tira poder de Bolsonaro sobre uma fatia do Orçamento, por que o governo a apoiou nesta quarta?
Analista político da corretora XP Investimentos, Paulo Gama lembra que a PEC, apresentada originalmente em 2015, “ressurgiu” na Câmara no fim de março deste ano. Era um momento no qual a relação entre Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro estava tensa – e o presidente da Câmara quis dar um “recado” para o presidente.
Naquela ocasião, a PEC foi criticada por Hasselmann e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, entre outras figuras do governo. Apesar disso, o governo apoiou o projeto, assim como a maioria dos deputados do PSL. “O governo viu naquele momento que não teria como fazer frente à movimentação que existia (a favor da PEC). Então, resolveu apoiar formalmente para evitar essa derrota. E, agora, ficaria complicado tentar mudar esse posicionamento. O governo não tinha discurso para ser contra”, diz Paulo Gama.
“Além disso, o governo tem o discurso de que o Bolsonaro sempre foi favorável ao Orçamento Impositivo, quando era deputado”, diz Gama.
Para o analista, a aprovação da PEC na Câmara nesta quarta-feira faz parte de um movimento mais amplo, verificado nos últimos meses, de construção do “parlamentarismo informal“: uma situação na qual o Congresso ocupa cada vez mais espaço no poder, em detrimento da Presidência da República.
“A votação de hoje se inscreve neste momento mais amplo, no qual o Congresso tenta ganhar mais protagonismo na relação com o Executivo. Seja na hora de alocar os recursos do Orçamento, seja nas propostas legislativas”, diz ele.
“Uma parte do Congresso percebe que não fará parte do governo como gostaria, ou como estava acostumada, e aí a reação é tentar avocar para si esses nacos de poder”, diz Gama.