A presidente do Inmetro fala sobre os desafios da entidade.

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Nomeada há quatro meses pela equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro para a presidência do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), a executiva Angela Flores Furtado construiu sua carreira no setor de óleo e gás. À frente da principal entidade de controle de qualidade e normas técnicas, ela está encarregada de reduzir a burocracia do Inmetro, com o objetivo de dar mais agilidade às aprovações e incentivar a competitividade. “Atualmente, R$ 460 bilhões do PIB do Brasil passam pelo Inmetro. Temos de criar uma nova regulação para simplificar a vida das empresas”, diz Angela. Confira a entrevista com a executiva.

Na prática, o que vai mudar com o novo marco regulatório que o Inmetro está defendendo?

Estamos fazendo um novo arcabouço regulatório, em conformidade com as melhores práticas do mundo. Estamos falando das práticas norte-americanas, canadenses, europeias, australianas e japonesas. Nesses países, a regulamentação garante os princípios basilares de segurança e qualidade de todos os produtos. Depois, em casos mais sensíveis, determina áreas ou setores específicos. É o caso, por exemplo, de produtos químicos, metal, mecânica ou brinquedos. Então, se a empresa vai produzir um brinquedo, primeiro tem que olhar para as regras gerais, depois para a especificidade.

Mas já não é assim hoje?

Não. As regras são muito minuciosas. O que defendemos é que, quando uma empresa faz um produto, deve verificar a lei maior e, depois, as regulamentações específicas às quais o produto está sujeito. Esse é um ponto. Só para se ter uma ideia, o Inmetro tem hoje 330 regulamentações, cada uma delas com mais de 20 correções e adequações. Na Europa, existem apenas 20 regulamentações, que cobrem 100% dos produtos comercializados, produzidos ou vindos de fora que estão na comunidade europeia. Nós, com 330, mais essas correções, não atendemos nem 10% dos produtos regulamentados que são comercializados no Brasil. Esse modelo de regulação mais genérica é usado hoje praticamente no mundo inteiro. Qual é a grande vantagem dele? A empresa toma todo o cuidado com o que é básico, com padrão de qualidade. Isso permite a criatividade, a inovação e, consequentemente, a competitividade dos produtos no mercado.

O novo modelo regulatório vai reduzir o número de regulamentações para quanto?

Vai reduzir bastante. Não tenho ainda um número preciso, mas as 330 vão se tornar entre 20 e 25, no máximo. Não deve ser uma biblioteca muito grande de regulamentação.

Com a redução do número de regulamentações, vai ser possível ampliar o atendimento acima de 10%?

Queremos ampliar para 100%. Estamos com muitas regras e, mesmo assim, só regulamentamos 10%. No novo formato, você pega um arcabouço que, por princípio, abrange todos produtos comercializados entre 20 e 25 regulamentações. A meta é regulamentar 100% dos produtos comercializados no país, sejam eles fabricados aqui, sejam vindos de fora.

Com isso, o Inmetro vai ficar em sintonia com as regulamentações praticadas nos Estados Unidos, Europa, Austrália?

Exatamente. Hoje nós somos prescritivos demais. E essa burocracia do Inmetro inibe a competitividade das empresas. Então, a gente sequer deixa a chance de o fabricante produzir alguma coisa diferente, um pouco melhor, algo mais diferenciado. Tudo por receio do crivo do Inmetro.

Como será feito o controle? Cada um por si?

A gente vai passar a operar em alguns pilares fundamentais. O primeiro é o que a gente chama de autorregulação e autorresponsabilização. Funciona assim: se conheço a lei, vou produzir dentro daquelas regulamentações para garantir segurança e a qualidade para a população. Além de eu conhecer a lei, se meu produto é mais específico, mais elaborado, tem riscos, devem-se identificar todos os riscos e mitigá-los em testes de laboratórios acreditados pelo Inmetro. Isso vai dar a confiabilidade, além de atestar que é um bom produto e que sofreu todos os testes capazes de provar para a população que é bom. A autorresponsabilização diz que, se tudo isso der errado, para qualquer coisa que acontecer com um usuário ou consumidor do produto o dono da empresa será responsável e deve pagar por isso. No Brasil, quase não temos esse modelo.

A flexibilização das regras não vai gerar um aumento das irregularidades?

Estamos flexibilizando, mas amarrando com a autorregulação. Isso vai mitigar o jeitinho brasileiro. Além disso, teremos mais fiscalização, que vai acontecer de forma inteligente, no sentido de saber quais exatamente são os produtos de maior risco. Vamos fazer vistorias no processo produtivo para garantir que, antes mesmo de chegar ao mercado, o produto não tenha qualquer tipo de problema. Não vamos deixar correr solto. Estamos dando aos empresários maior liberdade na criação. Não podemos confundir, como acontece muito no Brasil, com uma concorrência predatória. Mais do que isso, temos de promover o combate à pirataria, que traz produtos teoricamente fora da especificação.

É o caso, por exemplo, das cadeirinhas de bebê trazidas de fora?

Esse é um exemplo. Muita gente que viaja para fora acaba comprando essas cadeirinhas no exterior. Elas são de qualidade, mas não têm o nosso selo. Evidentemente, esses produtos são atestados por laboratórios dos Estados Unidos e da Europa. O que nós vamos fazer é uma campanha de comunicação maciça para a população para ela estar atenta aos órgãos certificadores do exterior. Porque, na verdade, da mesma forma que existe o Inmetro aqui no Brasil, todos os países têm seus órgãos de metrologia, semelhantes ao Inmetro. Se está aprovado lá, não deve ser proibido aqui.

Existe alguma estimativa de quanto o Brasil perde pela burocracia do Inmetro?

Existem alguns números. Anualmente, concedemos 260 mil licenças de importação. Com a flexibilização, vai haver uma redução de custos para os importadores, além de maior agilidade no tempo. Há uma rede de fast food no Brasil que pode trazer a compra mundial de determinado produto se for regulamentado por nós. Sem essa exigência, a economia para ela significa o equivalente a 200 novos empregos. Ou seja, os impactos dependem muito do setor, do tamanho do negócio. Mas é fato que o impacto é grande. Atualmente, o Inmetro demora de seis a 12 meses, em média, para a aprovação prévia de um produto. Com a expansão de nossos laboratórios acreditados, queremos reduzir para menos de três meses.

Essa redução de tempo também está alinhada aos padrões internacionais?

Está, sim. Temos que lembrar que o sistema de acreditação não é uma invenção brasileira. O nosso sistema de acreditação parte de uma rede internacional de metodologia. Seguimos rigorosamente o sistema de acreditação mundial, passo a passo. Se um laboratório é acreditado, pode ter certeza de que ele é extremamente competente para fazer os testes, muito atualizado em todos os seus procedimentos, e assim por diante.

Por que o Inmetro decidiu fazer essa atualização só agora?

Tenho apenas quatro meses no Inmetro. Percebo que o senso de urgência da indústria privada é muito diferente do serviço de apoio público. No fundo, o Inmetro é um serviço de apoio público. Estou querendo mudar esse pensamento. Quero que o Inmetro seja um serviço público de apoio à produtividade e competitividade.

Essa mudança de conceito está em linha com a nova postura do governo federal também?

Está 100% alinhada com o Ministério da Economia, ao qual estamos vinculados. E está 100% alinhada com a necessidade imperiosa de que o Brasil precisa inovar. O arcabouço regulatório dos Estados Unidos existe desde a década de 1980. Na União Europeia, desde a década de 1990. No Japão, desde 2000. O Brasil está chegando a 2020 com um imenso atraso regulatório. Isso acaba impedindo a criatividade e a inovação que levam ao desenvolvimento tecnológico. Tudo é o que leva ao aumento da competitividade.

Com esse mea-culpa de que o Inmetro é um obstáculo às empresas, é possível concluir que as companhias que reclamam do instituto estão certas?

Não. Uma coisa é contestar o resultado do teste. Todos têm esse direito. Outra é colocar em xeque nossa metodologia. Nossos laboratórios são altamente sofisticados, com tecnologia mundial. As empresas podem até, eventualmente não aprovadas no teste, contestar alguma coisa, falar que não, que não é bem assim, mas somos cuidadosos demais para não prejudicar ou denegrir a imagem de uma empresa. Os testes que são feitos nos nossos laboratórios ou organismos por nós acreditados são válidos aqui e no mundo inteiro. São absolutamente fidedignos. Antes de liberar um resultado, testamos e retestamos.

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“O Inmetro é um serviço de apoio público. Estou querendo mudar esse pensamento. Quero que o Inmetro seja um serviço público de apoio à produtividade e competitividade”
 
“O arcabouço regulatório dos Estados Unidos existe desde a década de 1980. Na União Europeia, desde a década de 1990. No Japão, desde 2000.  O Brasil está chegando a 2020 com um imenso atraso regulatório”
 
“O Inmetro tem hoje 330 regulamentações, cada uma delas com mais de 20 correções e adequações. Na Europa, existem apenas 20 regulamentações, que cobrem 100% dos produtos comercializados, produzidos ou vindos de fora”
 

“A burocracia do Inmetro inibe a competitividade das empresas” 

Crédito: Nelson Cilo/Correio Braziliense – disponível na internet 14/06/2019

4 Comentários

  1. Em se tratando de qualidade de produtos, podemos dizer que o sbac esta, basicamente, escorado por 3 pilares, a regulamentação, a acreditação e a fiscalização. A partir de 1995, com a entrada da fiscalização pelos ipems, o sistema se tornou mais eficaz e o nome do Inmetro, bem como as boas práticas de mercado apresentaram uma sensível melhora. Vejo eu que necessitamos de rever alguns produtos regulamentados por talvez não restar incluso no trio saúde, segurança e meio ambiente, mas também devamos aprofundar nos segmentos que interferem diretamente em nossas vidas e de nossos queridos urgentemente. Logo, fica minha sugestão, não desregular e sim, aprimorar e focar no extremamente necessario. Sérgio Moreira

  2. Conheço já bastante a complexidade da regulamentação, bem como todos os seus impactos. Não sou eu quem está trabalhando a revisão do nosso estoque regulatório, mas sim todo o respectivo corpo técnico e com muita precaução. Isto já era desejo e já haviam estudos sobre a matéria no Inmetro, tenho sido atuante como patrocinadora deste movimento, e para que ele ocorra de forma responsável tenho conversado com o setor produtivo, agências reguladoras e demais stakeholders envolvidos.

    Quanto a plugues e tomadas não cabe a mim ou ao Inmetro revogar. A nossa posição é clara, quando consultados, “ratificamos a segurança técnica do padrão brasileiro”.

    Angela Flôres Furtado
    Presidente do Inmetro

  3. A presidente fez uma abordagem bastante simplista do modelo de regulação do Inmetro.
    Existem alguns pontos a serem considerados:
    No Inmetro coexistem vários níveis de regulação, com focos bem específicos, alinhados não so a espelhos internacionais, dos quais somos membros, como a legislação nacional.
    O modelo apresentado é adotado em vários países para conformidade de produtos. Lá os mecanismos de punição são outros e, acredito, estão bem preparados para tratar questões de não atendimento a requisitos estabelecidos.
    Como exemplo, imagine um pequeno fabricante de produtos (brinquedos ou berços, por ex.) que ateste a conformidade de seu produto mas não tenha compromisso real com a qualidade. Na legislação atual, ele pode decretar falência a qualquer momento e abrir outra empresa até no mesmo lugar com outro CNPJ, contratando as mesmas pessoas para continuar fabricando o mesmo produto, com marca diferente.
    Imagine que não se trata de fabricante, mas de importador que se anteriormente contrabandeava produtos piratas. Não seria uma forma de “legalizar” esta fraude? Qual seria a defesa de empresas idôneas que investem milhares ou milhões para projetar e produzir produtos com a qualidade mínima regulamentar em face desta potencial concorrência predatória? Como manter a competitividade frente a mercados externos e internos que podem “baixar” a qualidade de seus produtos e oferece-los a preços mais baixos. Quanto tempo até a detecção do problema e a tomada de ação? Estas empresas idôneas conseguirão sobreviver até o restabelecimento do mercado ou algumas sucumbirão?
    A matéria omite que nos países citados são feitos estudos de impacto regulatório e que relatórios atendem a requisitos específicos onde pode-se chegar a conclusão, inclusive, de que determinado produto ou serviço não é passível de controle, podendo ser enquadrado numa legislação geral e outro numa legislação específica, mais restritiva, em função de seu alto impacto na sociedade, quer seja econômico ou envolvendo saúde ou segurança.
    O texto não menciona os nem desafios para as empresas, na adequação de métodos, infraestrutura e pessoal, nem para os servidores e sequer para a instituição. Passa-se a idéia de que isto pode ser implantado imediatamente com efeitos instantâneos para o fabricante, quando sabemos que isto não é verdade.
    Cabe lembrar que o modelo proposto pela presidente vem de uma diretoria cuja linha de ação é de manter a obrigatoriedade da tomada de 3 pinos.
    Ressalte-se que recentemente, em apresentação para todo corpo funcional, disponibilizado via You Tube, foi dito que o modelo então adotado por esta diretoria mais atrapalhava a indústria do que ajudava, sendo o tempo de resposta para problemas concretos (morte por uso de equipamentos) não era inferior a dois anos.
    Aliado a isto, o modelo apresentado acaba com a Regulamentação Técnica Metrológica, plicada a instrumentos de medição, o que pode impactar nas relações de consumo: Regulamentos de produtos Pré Medidos, aprovação de modelos de instrumentos de medição como Bombas de combustível, Sistemas de Medição de Vazão para petróleo e gás, Radar e barreiras eletrônicas, Hidrômetros, Balanças, Bafômetros, Energia Elétrica dentre vários outros.
    Atualmente o Brasil é o único pais membro da Organização mundial de Metrologia Legal, OIML, cuja missão é propiciar às nações a implementação de infraestruturas efetivas de metrologia legal que sejam mutuamente compatíveis e internacionalmente reconhecidas, sempre considerando a legislação e autodeterminação de cada país. O modelo proposto foge a esta regra, o que pode, numa situação mais extrema, nos excluir das cadeias mundiais de comércio, em se tratando de instrumentos sujeitos a metrologia legal. A metrologia legal se aplica sempre que há assimetria entre as partes quanto ao resultado de medições usadas em relações comerciais, saúde, segurança e meio ambiente.
    Por fim, não trata das questões de regulação praticadas pela diretoria de metrologia científica e industrial, com correção de assimetrias inter e intra setores, quer sejam industrial, tecnológico e de serviços, através da disseminação de métodos de ensaio e calibrações de instrumentos, o que garante equidade na informação.
    Em suma, existem vários tipos de regulação. A do Inmetro é técnica, além de qualidade, o que não deveria constar texto apresentado pela presidente. Não é possível, ao meu ver, tratar o Inmetro como uma entidade com um modelo de regulação. Por isto somos divididos e diretorias. Embora em algum momento suas atribuições se entrelacem, os pontos específicos são muito maiores que os ponto em comum.
    Mal comparando, reduzir o Inmetro a um modelo simplista e limitado como o apresentado é a mesma coisas que sugerir fundir as agências ANM, Embratur, Anvisa, ANP e Aneel simplesmente porque fazem regulação. Tem-se claro que os produtos sob sua responsabilidade são distintos, embora todas sejam regidas pela mesma Lei.
    Isso é retrocesso que, se mal conduzido, pode por em cheque as relações comerciais, credibilidade e sobrevivência de nosso mercado nacional.

    Presidente Ângela vai revogar a obrigatoriedade das tomadas de 3 pinos.? Ou vai ficar na retorica?
    Roberto Santos Tadeu de Lima

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