Sérgio Moro: “Se houver irregularidade da minha parte, eu saio”. Os seis temas que marcaram a audiência no Senado.

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, participou nesta quarta-feira (19) de audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) para responder a perguntas sobre as mensagens que teriam sido trocadas por meio do aplicativo Telegram entre ele, então juiz federal, e procuradores da Lava Jato, divulgadas pelo site jornalístico The Intercept.

Segundo o registro oficial do Senado, a audiência começou às 9h18 e terminou às 17h48 – foram, portanto, oito horas e 30 minutos. Moro tomou a palavra nada menos que 117 vezes ao longo do dia, e 43 dos 81 senadores se inscreveram para fazer perguntas ou debater com o ex-juiz.

Durante o depoimento, Moro repetiu diversas vezes que é impossível ter certeza da autenticidade e da integridade do material divulgado pelo Intercept. As palavras “autênticas” e “autenticidade” foram usadas 53 vezes ao longo da audiência – a maior parte das vezes pelo próprio Moro.

O ex-juiz da Lava Jato também criticou a cobertura realizada pelo site jornalístico – os termos “sensacionalista” e “sensacionalismo” foram ditas 72 vezes, na maioria das vezes por Moro, novamente.

Ele também repetiu a avaliação de que ele mesmo e a Lava Jato foram alvo de um ataque “criminoso”: esta palavra aparece 58 vezes nas notas taquigráficas da sessão. O termo “hacker” foi mencionado 50 vezes, e a palavra “ataque” aparece 46 vezes. As notas taquigráficas da audiência de Moro já estão disponíveis e podem ser consultadas aqui.

A audiência foi marcada pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), por sugestão do próprio Moro. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um convite similar para ouvir o ministro. Ele deverá ir à Câmara na próxima quarta-feira (26).

A BBC News Brasil traz abaixo os principais temas da audiência de Moro com os senadores.

A autenticidade (ou não) das mensagens

Já na fala inicial, Moro ressaltou que as mensagens foram obtidas de maneira ilícita e defendeu que, ainda que elas sejam “parcialmente autênticas”, não apresentavam indícios de ilegalidade ou de parcialidade.

“Não estou dizendo que reconheço autenticidade dessas mensagens, mas, dos textos que eu li, eu e outras pessoas não vimos qualquer espécie de infração.”

Moro afirmou que, na tradição jurídica brasileira, a conversa entre juízes, procuradores, delegados e advogados é corriqueira.

“No caso do juiz criminal, isso é muito comum, já que juiz é responsável tanto pela fase criminal quanto pela do processo. Isso é absolutamente normal.”

O ministro falou em mais de um momento, inclusive em resposta aos primeiros questionamentos dos senadores, que as mensagens podem ter sido “total ou parcialmente adulteradas”.

“Tenho recebido cobrança sobre a veracidade das mensagens, mas o fato é que eu não tenho mais essas mensagens”, afirmou, declarando que resolveu parar de usar o aplicativo de troca de mensagens Telegram em 2017, “naquela época em que se noticiaram invasões nas eleições americanas”.

“Achei que aquele aplicativo de origem russa não era lá tão seguro. Tem algumas coisas que eventualmente posso ter dito, tem algumas coisas que me causam estranheza.”

Moro criticou as reportagens feitas pelo site The Intercept, qualificando-as de “sensacionalistas”, e censurou ainda o fato de não ter sido procurado para se manifestar antes da publicação da primeira leva de conteúdos, no dia 9 de junho, e de o site não ter apresentado as mensagens a uma autoridade independente para que fossem examinadas.

O ex-juiz disse ainda acreditar que os ataques que colheram as informações dos celulares de membros do Judiciário foram perpetrados por um “grupo criminoso organizado”.

“Não é um adolescente com espinhas na frente do computador, mas sim um grupo criminoso estruturado”, especulou, emendando que este seria um ataque não apenas à Lava Jato e à luta contra a corrupção, mas também contra as instituições.

‘Não houve conluio’

Para defender-se das acusações de que as mensagens evidenciariam “convergência” entre o juiz e as partes, Moro apresentou números da 13ª Vara Federal de Curitiba, a qual ele comandava antes de aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo ele, 90 denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público Federal no decorrer da operação Lava Jato. Destas, 45 foram receberam sentenças – e o MPF recorreu em 44. “Se falou muito em conluio, aqui há um indicativo claro de que não houve conluio”, afirmou.

Ele também expôs estatísticas das prisões cautelares – foram 298 requerimentos, seja para prisão preventiva ou temporária, com 207 deferimentos e 91 indeferimentos. “Isso também demonstra que não existe convergência entre MPF e juízo necessariamente”.

‘Embargos auriculares’

Moro também disse algumas vezes que as conversas entre juízes e as partes – acusação e defesa – são algo “muito normal” no dia-a-dia da Justiça brasileira.

“É o que tradicionalmente se chama de embargos auriculares, isso é muito normal. Às vezes até como a forma de: ‘Ah, vou requerer isso’, para ter uma opinião prévia do juízo do que é necessário e do que não é necessário, se é possível ou se não é possível”, disse Moro.

Alguns senadores questionaram esta opinião do ex-juiz.

Fabiano Contarato (Rede-ES), por exemplo, destacou ter sido delegado por 27 anos e disse não conseguir imaginar o que aconteceria se mantivesse contato por WhatsApp com o advogado de algum dos investigados nos inquéritos instaurados por ele.

Para o senador, as mensagens mostram que Moro “feriu o princípio da isonomia e da igualdade entre as partes”.

Já a Soraya Thronicke (PSL-MS) defendeu que as mensagens mostram apenas “conversas sobre procedimentos”, algo normal. A senadora voltou a frisar que os “embargos auriculares” são comuns. “Quem não está lá dentro não conhece, então fica difícil de falar.”

Ainda nesse sentido, o senador Cid Gomes (PDT-CE) propôs aos colegas a alteração da legislação processual penal para que o juiz que instrui um processo não seja o mesmo juiz que vai julgar a ação. “A meu juízo, isso é fundamental para que a imparcialidade se imponha”, afirmou.

Ele também sugeriu a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para propor medidas para dar mais segurança ao sigilo das “nossas comunicações” e “investigar de forma isenta quem foram os responsáveis por esse caso e, se houve conluio, entre integrante da magistratura e Ministério Público – o que certamente compromete o Estado democrático de direito e a democracia”.

O parlamentar disse que não tomaria partido e que “jamais” defenderia o fim da Lava Jato, acrescentando que defende que a Justiça seja imparcial.

Caso é ‘diferente’ da divulgação dos áudios de Dilma

Moro foi questionado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) sobre os áudios divulgados pelo então juiz em 2016 de conversa entre os ex-presidentes Lula e Dilma, “que não importava se eram legais ou não”, em que medida eles seriam diferentes das mensagens publicadas pelo Intercept.

O ministro afirmou que “havia uma situação diferente naquela época”, que a interceptação telefônica havia sido autorizada e que era “legal e publicizada”.

“E existiam provas decorrentes nos autos. Nada ali foi liberado a conta gotas. Aqui é diferente, é um ataque de um grupo criminoso organizado. O material está sendo publicado sem o oportunidade de verificação da autenticidade.”

O senador Jaques Wagner (PT-BA) voltou ao assunto e questionou se Moro julgava ter sido “sensacionalista” a divulgação dos áudios.

O ministro respondeu que os sigilos durante a operação eram levantados “de forma transparente” e emendou que “todas as informações ficavam disponíveis, não ficávamos divulgando em pílulas os fatos”, em uma crítica velada à publicação seriada do conteúdo dos vazamentos pelo Intercept.

“Pode haver divergência (em relação à derrubada do sigilo dos áudios dos grampos da Polícia Federal), mas foi uma decisão proferida nos autos, transparente. Não me servi na ocasião de hackers criminosos para encobrir minha responsabilidade”.

‘Não tenho nenhum apego pelo cargo em si’

Na resposta a Wagner, Moro repetiu a crítica de que os conteúdos têm sido divulgados “a conta gotas” e sem a prévia averiguação de uma autoridade independente.

Ele chegou a pontuar que, no caso Watergate (os vazamentos que levaram à renúncia do presidente americano Richard Nixon), os jornalistas que investigavam o caso “imediatamente divulgavam tudo” o que conseguiam colher. “Se tivessem tudo de uma vez, publicariam todo o conteúdo”.

Em outro momento, Moro afirmou não ter “nenhum apego pelo cargo em si” e desafiou o site a apresentar todo o material.

“Se houver irregularidade da minha parte eu saio, mas não houve.”

Em pelo menos três momentos diferentes, o ministro citou o fato de que “um observador estrangeiro internacional”, Matthew Stephenson, autor do blog The Global Anticorruption, havia primeiramente se posicionado de forma crítica em relação ao conteúdo dos vazamentos e, alguns dias depois, após examinar mais detidamente o material, mudara de opinião, escrevendo post intitulado “O incrível escândalo que encolheu”.

“Esse site (Intercept) divulga essas questões com absoluto sensacionalismo e sem exame acurado do que está sendo divulgado”, reiterou, após falar do blog em resposta ao senador Fernando Bezerra (MDB-PE).

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), assim como outros correligionários, parabenizou o ministro por ter se disponibilizado a se apresentar no Senado. O filho do presidente mencionou a denúncia que circula nas redes sociais de que Glenn Greenwald, um dos fundadores do Intercept, teria pago um hacker russo para invadir os celulares de autoridades e pago com bitcoins.

“É o que está nas denúncias, não estou dizendo que elas são verdadeiras”, afirmou o senador.

Questionado sobre uma eventual investigação sobre esse tema, Moro afirmou que ele “pode ser fake news, pode ser contra-inteligência” e que a Polícia Federal tem investigado com independência todo o caso.

‘Media training’

Parlamentares de oposição como o senador Rogério Carvalho (PT-SE) questionaram se Moro havia feito “media training”, se havia feito uma preparação orientado por profissionais para falar na Comissão de Constituição e Justiça.

“Eu não sei de onde o senhor tirou essas informações, mas o senhor está equivocado. Essa história é uma loucura. Não existe essa coisa de ‘media training’, dinheiro que foi pago. Não tem nada. O senhor está fantasiando. Eu não preciso de ‘media training’ para vir falar a verdade.”

O assunto foi retomado algumas vezes. Cid Gomes comentou que, tendo feito um treinamento ou não, “o fato é que trouxe três ou quatro mantras e tem repetido esses mantras”.

Ele se referiu especificamente ao argumento de Moro que muitos juristas, como o ex-ministro do STF Carlos Velloso e a ex-juíza e ex-deputada federal Denise Frossard (PPS-RJ), têm se manifestado afirmando ser normal a discussão entre juízes e promotores sobre casos em andamento.

“Também há muitos outros juristas e advogados que falam justamente o contrário”, disse o senador.

Em sua réplica, o ministro disse ter feito “media training” apenas uma vez, antes do fórum de Davos. “Por insistência do Planalto nós fizemos ‘media training’ para Davos. Foi uma tarde, uma conversa, não foi aquele treinamento exaustivo”, declarou.

Após fala de Sérgio Moro no Senado, o que acontece agora em quatro pontos

Investigações na Polícia Federal, julgamento de acusação de suspeição no Supremo Tribunal Federal (STF), sindicância no Conselho Nacional do Ministério Público e a eventual abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado.

O vazamento de mensagens privadas atribuídas ao então juiz federal Sergio Moro e a procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato influenciou processos em andamento e deu origem a uma série de investigações, concentradas em dois eixos: a invasão dos celulares e os supostos crimes ou desvios éticos cometidos por essas autoridades.

Um dos desdobramentos mais esperados em torno da divulgação das mensagens trocadas no Telegram pelo site The Intercept está ligado às acusações de suspeição de Moro feitas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Caso o colegiado acolha o pedido, todas as decisões tomadas por ele em processos contra Lula podem ser anuladas pela Corte, inclusive a condenação no caso do tríplex do Guarujá.

Veja em que pé estão as quatro linhas de investigação.

1. Supremo Tribunal Federal

Ao longo da tramitação dos processos judiciais contra o presidente Lula, sua defesa adotou a estratégia de apresentar na Justiça uma série de pedidos de suspeição de magistrados envolvidos com os casos, tendo Moro como alvo preferencial.

A ofensiva jurídica dos advogados do petista sofreu diversas derrotas na primeira instância da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, mas ganhou fôlego com o vazamento de mensagens entre Moro e Dallagnol.

O julgamento do habeas corpus de Lula que pede a suspeição de Moro foi interrompido em dezembro após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mas recentemente ele liberou seu voto e pediu que o caso fosse pautado para o dia 25 de junho.

A Segunda Turma, que julga o habeas corpus, é formada por Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato iniciados em Curitiba, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Será a primeira vez que o pedido dos advogados de Lula será apreciado no STF após a divulgação das mensagens entre o então juiz de primira instância da Lava Jato Moro e o procurador que comanda a força-tarefa.

Segundo conversas divulgadas em reportagens do site The Intercept, em dezembro de 2015 Moro recomendou a Dallagnol, fora dos autos, uma possível testemunha a ser ouvida em processo contra Lula. O então juiz também fez comentários sobre a atuação de procuradores e sugeriu a mudança da ordem de fases da operação.

Para a defesa petista, “houve uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro com o objetivo pré-estabelecido e com clara motivação política, de processar, condenar e retirar a liberdade” de Lula.

O Código de Ética da Magistratura determina que o magistrado deve manter “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Já o artigo 254 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz “dar-se-á por suspeito” se, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”. No artigo 564 do código, pode ocorrer a nulidade de um processo em três casos, entre eles “incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.

No último dia 13, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), rejeitou a abertura de um processo administrativo solicitada pelo PDT porque Moro já não tem mais vínculo com a magistratura.

2. Conselho Nacional do Ministério Público

A divulgação das conversas também originou uma investigação contra Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sob suspeita de falta funcional.

Assinado por quatro conselheiros do órgão, o pedido de investigação defende, sem fazer juízo de valor, a apuração de eventual “violação dos princípios do juiz e do promotor natural, da equidistância das partes e da vedação de atuação político-partidária”.

O processo de reclamação disciplinar foi aberto pelo corregedor nacional do Ministério Público Orlando Rochadel Moreira no último dia 10, a fim de apurar se houve desvio dos deveres funcionais previstos na lei complementar nº 75/93.

“A ampla repercussão nacional demanda atuação da Corregedoria Nacional. A imagem social do Ministério Público deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade, mantendo a imparcialidade e relações impessoais com os demais Poderes constituídos”, escreveu Moreira em sua decisão.

Ele aguarda agora a apresentação da defesa dos membros do Ministério Público Federal ligados à força-tarefa da Lava Jato, representados pelo coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.

Em seguida, o corregedor do CNMP analisará se é o caso de arquivamento ou de abertura de processo administrativo disciplinar.

Dallagnol já responde a outro procedimento, autorizado pelo plenário do órgão, por causa de uma entrevista na qual afirmou que o Supremo Tribunal Federal passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões. Ainda não houve decisão de mérito sobre este caso.

3. Polícia Federal

A Polícia Federal abriu quatro inquéritos no Paraná, no Rio, em São Paulo e no Distrito Federal em torno da invasão de celulares de autoridades e ao posterior vazamento dessas informações, segundo a imprensa brasileira. Uma das investigações foi aberta antes das reportagens do site The Intercept a pedido de Moro, após identificar que a segurança de seu aparelho telefônico havia sido violada.

O portal de notícias G1 afirmou que a apuração identificou que a possível origem dos ataques virtuais foi o celular do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot – e que o hacker teria chegado aos grupos de conversa da Lava Jato após invadir o Telegram instalado no aparelho dele.

Em reportagem, o jornal Folha de S.Paulo disse que as investigações da PF identificaram por ora que o único telefone celular que teve dados capturados por hackers foi o de Deltan Dallagnol. Procurados pela BBC News Brasil, o Ministério Público Federal no Paraná e a Polícia Federal não informaram se ele entregou o celular para análise dos investigadores.

A autoria dos ataques ainda não foi identificada. Em audiência no Senado, Moro afirmou, sem apresentar provas, que a invasão virtual foi orquestrada por uma organização criminosa.

O hoje ministro também cobrou o endurecimento das penas previstas para esse tipo de crime, proposta defendida pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

4. Comissão Parlamentar de Inquérito

O braço político dos desdobramentos da divulgação de conversas entre Moro e Dallagnol perdeu força por ora depois que o hoje ministro anunciou que iria espontaneamente ao Senado prestar esclarecimentos sobre as mensagens vazadas.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso, deu início à coleta de assinaturas de colegas para a apuração, mas decidiu engavetá-la enquanto aguarda a divulgação de mais conversas entre o então juiz federal e procuradores da Lava Jato.

“Continuamos na busca por esclarecimentos. Não quero e nem farei pré-julgamento, mas é importante, já que ele diz que não há nada de errado, que as partes forneçam acesso às conversas para sabermos a verdade”, escreveu Angelo Coronel. Ele cobrou em audiência no Senado que Moro autorize que o Telegram conceda acesso às suas mensagens arquivadas nos servidores da empresa russa responsável pelo aplicativo.

Na ocasião, o ministro afirmou que parou de usar o Telegram em 2017, “naquela época em que se noticiaram invasões nas eleições americanas”, e que não é possível ter acesso às mensagens porque elas não ficam armazenadas na nuvem. A informação foi contestada por Coronel.

Segundo o Telegram, as conversas ficam armazenadas em seus servidores, à exceção dos “chats secretos”. Estes usam a chamada criptografia de ponta a ponta, em que apenas o emissor e o destinatário podem ler as mensagens.

O que dizem Moro e procuradores

Desde o início da divulgação das conversas privadas, tanto o hoje ministro Sergio Moro quanto a força-tarefa da Operação Lava Jato negam qualquer ilegalidade na condução das investigações e dos processos e colocam em xeque a veracidade das informações publicadas pelo site The Intercept.

Em nota, Moro “não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos”. De todo modo, ele afirma que “sempre se pautou pela aplicação correta da lei a casos de corrupção e lavagem de dinheiro”.

Ele também cobrou “que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada”.

No Senado, Moro disse não ter apego ao cargo de ministro e que deixaria o posto caso alguma irregularidade seja encontrada em seus diálogos com Dallagnol.

Os comunicados assinados pelo Ministério Público Federal no Paraná giram em torno de pontos semelhantes. “Sem a comprovação de sua origem, autenticidade e contexto, a exposição parcelada e contínua de supostos trechos de conversas atendem a uma agenda político-partidária, em prejuízo do alegado interesse informativo e com a intenção de manipular a opinião pública.”

“A atuação da força-tarefa é revestida de legalidade, técnica e impessoalidade”, afirma o órgão. “Os procuradores da força-tarefa manifestaram aqui preocupação com possíveis mensagens fraudulentas ou retiradas do devido contexto.”

Ainda segundo o MPF, “a exposição pública de informações obtidas por atividades cibernéticas criminosas ainda estimula ataques similares, a extorsão de vítimas, e o ambiente de internet, como a ‘dark web’, em que são praticados outros graves crimes”.

Crédito: BBC Brasil disponível na internet 20/06/2019

Se houver irregularidade da minha parte, eu saio, diz Moro sobre supostas mensagens

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse nesta quarta-feira em audiência no Senado que, se ficar comprovado uma atuação irregular dele no episódio das supostas trocas de mensagens entre ele e procuradores da operação da Lava Jato, ele deixa o cargo.

Em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Moro também pediu que o site The Intercept Brasil, que fez reportagens baseadas nas alegadas trocas de mensagens, divulgue todo o material que detém.

“Estou absolutamente tranquilo em relação a isso. Mas, se é este o problema, então o site apresente tudo e aí a sociedade vai compreender, vai compreender de pronto se houve alguma incorreção da minha parte. Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si”, disse Moro ao responder questionamento feito pelo senador Jaques Wagner (PT-BA).

“Apresente tudo, vamos submeter isso ao escrutínio público e, se houver irregularidade da minha parte, eu saio. Mas não houve, por quê? Porque eu sempre agi de maneira imparcial”, completou o ministro, ao criticar o que chamou de “sensacionalismo” do site e a decisão de publicar as supostas mensagens a conta-gotas.

Durante a audiência de mais de seis horas, Moro enfrentou poucos embates na sessão a que compareceu espontaneamente para explicar supostas trocas de mensagens por aplicativo de celular quando era juiz com procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, noticiadas pelo The Intercept Brasil.

De modo geral, o ministro defendeu as decisões que tomou à frente da Lava Jato e argumentou que a invasão de celulares de autoridades como ele e procuradores não apontaram nenhuma ilegalidade nas supostas conversas publicadas, as quais sempre frisou durante o encontro que não atestava a veracidade. Para ele, essa ação foi promovida por um grupo criminoso estruturado e não por um adolescente com espinhas.

Para Moro, a invasão de telefones celulares dessas autoridades visa invalidar condenações por corrupção e lavagem de dinheiro e atrapalhar investigações em curso, além de representarem um ataque às instituições.

“O que existe é um movimento claro para —vamos dizer assim— anular condenações pretéritas de pessoas que cometeram crime de corrupção e lavagem de dinheiro, impedir novas investigações e atacar as instituições brasileiras”, afirmou ele, sobre o que considera ser os objetivos da ação.

“E o que se tem aqui, disfarçado de ataques criminosos de hackers e supostas divulgações sensacionalistas para fins de interesse público, é um ataque a essas conquistas da sociedade brasileira nos últimos cinco anos.”

O ministro da Justiça disse ter agido sempre conforme a lei na condução da Lava Jato. Minimizou ainda o teor dos supostos diálogos —que disse que eventualmente podem ter ocorrido— ao dizer que não trariam nada demais do que uma conversa informal. Ele destacou ainda que a tradição jurídica brasileira é de maior proximidade entre as partes de uma ação, como procuradores, juízes, policiais e advogados.

 

“Evidentemente não tenho nada aqui a esconder, a ideia é vir aqui esclarecer o sensacionalismo que tem se criado em torno dessas notícias”, disse ele, ao criticar o fato de o site não tê-lo procurado para se pronunciar antes da publicação.

Moro disse que as mensagens podem ter sido total ou parcialmente adulteradas. Ele afirmou que as supostas conversas, segundo juristas, não revelam quaisquer ilícitos ou irregularidades.

Na sessão, a maioria dos senadores teve uma postura complacente com o ministro —um dos principais nomes do governo Jair Bolsonaro. O presidente deu indicações nos últimos dias de apoio a Moro e já disse que a possibilidade é “zero” de demiti-lo.

SEM SELETIVIDADE

Na audiência, o ministro disse ainda que o caso referente a uma investigação sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que aparece em uma das alegadas mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, nunca passou por suas mãos, e rebateu críticas de que a operação Lava Jato tenha tido motivações políticas.

Ele afirmou que o caso envolvendo FHC teve início em uma delação premiada feita por executivos da Odebrecht homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que foi encaminhada para São Paulo, e não para a Vara Federal em Curitiba, onde ele atuava.

Segundo o ministro, a Lava Jato atingiu “de forma severa” vários partidos, não apenas aqueles alinhados ao então governo do PT. “Não teve nenhum projeto político envolvido senão o projeto de cumprir a lei”, disse.

Num dos momentos de maior embate, o senador Humberto Costa (PT-PE) pediu a demissão de Moro e que ele se desculpasse por, em sua opinião, ter cassado o direito de os brasileiros elegerem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições passadas.

Moro foi o responsável pela primeira condenação de Lula no processo do tríplex do Guarujá (SP), confirmada posteriormente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abriu caminho para enquadrá-lo na Lei da Ficha Limpa e torná-lo inelegível.

O ministro declinou de responder a Humberto Costa ao considerar as declarações dele “bastante ofensivas”. Em momento anterior, Moro disse que as condenações que impôs a Lula e ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) foram confirmadas pelo TRF-4, pelo Superior Tribunal de Justiça e também em parte apreciado em sede de recursos pelo STF.

“Sempre agi corretamente no exercício e aplicação imparcial da lei, mas eu não posso deixar a questão eleitoral influir no processo”, disse. “Infelizmente essas pessoas cometeram crimes e têm que responder pelos seus atos”, destacou.

Moro também destacou que, em 2017, quando condenou Lula no caso do tríplex, não tinha o “menor contato” com o atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Afirmou que só conversou com Bolsonaro após a vitória dele no segundo turno, após ter sido sondado pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, e disse ter topado o desafio para avançar no combate à corrupção e a criminalidade no país.

O ministro da Justiça disse que não guarda mais as mensagens do aplicativo Telegram porque não o usa desde 2017, época em que foram noticiados vazamento de informações do aplicativo na eleição norte-americana.

Crédito: Ricardo Brito/Reuters Brasil – disponível na internet 20/06/209

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