As motivações de quem foi às ruas para defender Sergio Moro e a Lava Jato

0
244

A BBC News Brasil entrevistou pessoas de diferentes classes sociais para saber o que as motivou a participar da manifestação.

Um grupo de mulheres saiu do Jabaquara, na zona sul, para defender as pautas de Jair Bolsonaro. A dona de casa Paula Magalhães diz que sua principal bandeira é o apoio à Reforma da Previdência.

“Estou aqui pelos meus netos e bisnetos, que também merecem se aposentar. Se a gente não fizer nada agora, nenhum outro governo vai resolver isso e as futuras gerações vão pagar caro”, afirmou.

O Movimento Vem Pra Rua, que também estava na Paulista e foi um dos responsáveis por convocar o ato, estima que houve protestos em mais de 185 cidades do país. No alto de seu trio elétrico, alguns de seus membros disseram que mais de 1 milhão de pessoas se reuniram no ato na avenida Paulista. A PM não fez uma estimativa de público.

Os atos deste domingo foram os primeiros depois do vazamento de conversas atribuídas ao então juiz Sergio Moro com o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. As trocas de mensagem por meio do aplicativo Telegram foram reveladas em uma série de reportagens publicadas pelo portal The Intercept Brasil e cunhada de “Vaza Jato”, e depois publicadas por outros veículos.

Mas nenhum dos entrevistados pela BBC News Brasil na avenida Paulista disse se importar com as publicações das últimas semanas. O cobrador de ônibus Edmar Rocha da Silva, que foi à Paulista com a mulher o filho de 5 anos, defende que as conversas foram obtidas de maneira criminosa e revelam apenas falas cotidianas entre dois funcionários públicos.

“(As conversas) só demonstram um juiz se esforçando para fazer Justiça. A Lava Jato prendeu diversos criminosos e agora estão querendo acabar com ela. Meu filho é autista, não entende nada que está acontecendo aqui, mas faço questão de trazê-lo para que ele esteja sempre do lado certo”, afirmou.

A manifestação começou por volta das 14h e se estendeu até as 17h, quando foi anunciado seu fim, conforme acordo prévio com a Polícia Militar.

O analista de sistemas Rodrigo Almeida dos Santos disse ter saído da cidade de Campinas e enfrentado uma viagem de uma hora e meia de carro para ir ao ato na capital.

“Não adianta ficar em casa. Tem que fazer volume para demonstrar nossa revolta com essa tentativa de golpe contra a operação que prendeu peixe grande, os maiores bandidos do país. Vir para São Paulo é simbólico porque é onde há mais relevância, é onde tem visibilidade e podemos demonstrar nossa força”, afirmou.

O funcionário público Anderson Luis, que diz ser a favor da cidadania e das pautas defendidas por Jair Bolsonaro, levou sua cadela Mel para o protesto.

“Ela é nossa mascote, vem sempre. Ela 5 kg, mas trazê-la representa bastante para a gente. Quero deixar claro que o jornalista Glenn (Greenwald, editor do Intercept) precisa provar que as mensagens que ele pegou do Moro são verdadeiras e que ele não está editando do jeito que bem entende”, afirmou.

Moro na mira

Após o vazamento das conversas atribuídas a Sergio Moro, o atual ministro e ex-juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, encarregado de julgar os casos apurados pela Lava Jato, foi ao Senado responder a perguntas sobre as mensagens, que teriam sido trocadas por meio do aplicativo Telegram entre ele e procuradores da Lava Jato.

Na ocasião, Moro repetiu várias vezes que não cometeu irregularidades e fez uma defesa veemente da Lava Jato. Também fez duras críticas ao Intercept pela divulgação das supostas conversas. Neste domingo, ele publicou tuítes exaltando os protestos. “Eu vejo, eu ouço. Lava Jato, projeto anticrime, previdência, reforma, mudança, futuro”, disse, postando uma foto da manifestação na avenida Paulista.

Para Carlos Pereira, os vazamentos obrigaram o ex-juiz Moro a assumir um papel claramente político, algo que vinha fazendo “de forma tímida” desde que deixou a magistratura para assumir o ministério a convite de Bolsonaro.

Não foi por acaso que, dias depois dos vazamentos, Moro apareceu em um jogo do Flamengo ao lado de Bolsonaro, diz o professor da Ebape/FGV.

“Acho que essas revelações o obrigaram a sair da condição de juiz e assumir sua posição política. Ele agora é um político”, opina Pereira, citando a criação da conta no Twitter, dois meses antes, como parte desse movimento.

“Ele viu a necessidade de estabelecer conexões diretas com a sociedade, não apenas de forma institucional, mas também na comunicação direta, como faz Bolsonaro. Isso mostra uma mudança clara de postura e de atitudes em relação ao mundo político”, considera Pereira.

“Essas manifestações representam a conexão que ele ainda tem com esses movimentos, que desde o primeiro momento deram apoio incondicional à Lava Jato e a iniciativas de combate a corrupção. Como ministro, ele vai precisar desse apoio político para conseguir enfrentar os desdobramentos das investigações. E os setores que o apoiam estão demonstrando essa vontade explícita.”

A depender da repercussão de novos vazamentos, o impacto pode trazer complicações para a trajetória de Moro no longo prazo – e para os planos já confirmados por Bolsonaro de indicá-lo a uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Mas isso depende de suas ambições para o futuro, considera a cientista política Lara Mesquita.

“Uma coisa é ele querer ser ministro do Supremo. Outra é querer se candidatar, digamos, a governador. Se tiver interesse em seguir uma carreira política, talvez até tenha uma repercussão boa. E as manifestações vão ser importantes para demonstrar sua popularidade”, diz a pesquisadora.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT foram alvo de boa parte dos discursos de quem subia nos trios elétricos na avenida Paulista neste domingo. Sempre que o nome do ex-presidente era citado, palavras de ordem eram ditas contra ele.

Na terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) levou a julgamento dois pedidos de habeas corpus para Lula, que acabaram sendo negados. Um deles, que pedia suspeição contra Sergio Moro com base no argumento da defesa de que não fora imparcial e agira politicamente no julgamento do ex-presidente, teve a análise do mérito adiada para depois do recesso da corte, em agosto.

Às vésperas das manifestações, pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou piora nos índices de aprovação de Jair Bolsonaro. Os números indicam que a população se divide em três partes iguais na aprovação ou rejeição do presidente: 32% o consideram ótimo ou bom, 32% regular, 32% ruim ou péssimo.


Polêmica sobre Moro não pode virar ‘cavalo de batalha’ contra Lava Jato, diz Fausto De Sanctis

Fausto De Sanctis em seu gabinete em São Paulo
O desembargador Fausto De Sanctis é especialista em crimes financeiros. Reprodução BBC

Muito antes de a Operação Lava Jato e o juiz Sergio Moro se tornarem símbolo do combate à corrupção para boa parte da população, outras operações da Polícia Federal e outro juiz de primeira instância cumpriam esse papel.

Operações da Polícia Federal em São Paulo, como a Castelo de Areia e a Satiagraha, foram predecessoras da Lava Jato tanto na forma de investigar quanto na introdução de novas técnicas. Ambas foram julgadas pelo então juiz federal Fausto De Sanctis.

Mas enquanto a Lava Jato domina o cenário político há 5 anos e prendeu ex-presidentes, a Castelo de Areia foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) dois anos depois de começar, em 2011.

A Satiagraha foi anulada no mesmo ano pela mesma Corte. E De Sanctis foi criticado, colocado de escanteio e só voltou à área criminal no ano passado – a popularidade da Lava Jato também ajudou na reabilitação de sua reputação.

Antes disso, no entanto, ele esteve em uma situação parecida, aos olhos da opinião pública, à que Sergio Moro enfrenta hoje – o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça passa por uma crise de imagem desencadeada pela série de reportagens do site The Intercept.

O site tornou públicos diálogos de um aplicativo de conversas em que Moro, ainda juiz, daria conselhos, indicaria testemunhas e adiantaria decisões sobre a Lava Jato para integrantes do Ministério Público. Moro não reconhece a veracidade dos diálogos.

De Sanctis, no entanto, rejeita a comparação – diz que não viu similaridades, pois sua situação foi muito mais difícil. “A Lava Jato caminhou de vento em popa com apoio popular. Eu tinha dificuldade de dar sentença, de intimar as partes. Eu passei por situações… de um determinado advogado de renome me dizer: ‘não importa o que o senhor decida, vai ser desfeito’.”

Na época da Satiagraha e da Castelo de Areia, De Sanctis era titular da 6ª vara federal criminal de São Paulo e – como Moro – foi acusado de parcialidade durante o processo. Teve decisões desfeitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e chegou a ser acusado de desobediência pelo ministro Gilmar Mendes, quando o juiz mandou prender o banqueiro Daniel Dantas um dia depois de Gilmar tê-lo soltado.

Depois de protestos de diversos nomes da área jurídica, Gilmar desistiu de pedir investigações sobre a sua conduta.

Aperfeiçoamento legislativo

De Sanctis foi questionado e censurado pelo Conselho Nacional de Justiça – que depois arquivou o caso. Os pedidos de afastamento de De Sanctis dos processos também não avançaram e as acusações de parcialidade foram consideradas improcedentes pela Justiça.

Hoje desembargador do TRF-3 em São Paulo, De Sanctis, de 54 anos, diz que não quer comentar especificamente a situação do colega Moro, mas afirma que as polêmicas em torno do comportamento de um juiz não devem virar “um cavalo de batalha” contra a Lava Jato ou outra operação.

“Não podemos fazer disso (desse tipo de polêmica) um circo armado, (dizer) ‘ah, acabou a Lava Jato, acabou a operação X, Y… Calma. A gente tem que ter cautela, as provas estão aí”, afirma.

“Existem provas contundentes (levantadas pela operação anticorrupção), reconhecidas não por um magistrado, mas por um conjunto da magistratura de respeito. Houve um reconhecimento da viabilidade das provas na Lava Jato como um todo, não estou falando do Lula, estou falando em geral”, diz ele à BBC News Brasil em entrevista em seu gabinete.

De Sanctis diz que a Lava Jato é “fruto de um aperfeiçoamento legislativo e da consciência social” e que as operações anteriores não tiveram “o mesmo apoio massivo da população” porque, naquela época, a sociedade compreendia menos o seu papel.

“Nos primórdios das varas especializadas em lavagem de dinheiro, que começaram em 2003 no Brasil e em 2004 em São Paulo, a elite econômica transitava livremente no país e uma parte dela cometia os delitos econômicos, não havia ninguém que parasse a farra de que existia. As varas foram um início, e elas foram ainda mal compreendidas. Porque quando elas começaram a atuar com um pouquinho mais com efetividade, houve uma reação brutal”, diz.

Segundo o magistrado, a insatisfação da população com a crise econômica e os escândalos nos anos 2010 foram convergências que fizeram que a Lava Jato tivesse um maior apoio popular.

Conversas com o juiz

Reforçando que não quer comentar o caso específico do vazamento de conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgados pelo Intercept, afirmou que “certo nível de conversa entre o juiz e as partes do processo” é considerada normal.

“Eu não queria falar especificamente sobre o fato por conta da origem criminosa”, diz. Os vazamentos foram entregues ao Intercept por uma fonte anônima. O governo diz que foi um hacker.

“Mas vamos supor que existe uma conversa entre um magistrado e as partes. Hoje existe essa conversa entre magistrado e parte, eu canso de receber Ministério Público aqui, eu recebo advogados.”

Ele diz, no entanto, que toma uma série de cuidados para que evitar que suspeitem da sua imparcialidade, como sempre receber as partes na presença de um funcionário.

De Sanctis afirma também que juízes e desembargadores “têm que ter uma cautela maior na utilização do sistema eletrônico pelo alcance (da internet), pela deturpação que é possível fazer e pela posição de magistrado que é uma posição que tem que ser vista como imparcial e neutra”, diz ele.

Ele destaca que o próprio estatuto da OAB obriga que o juiz receba os advogados; o importante é que haja tratamento equilibrado a todas as partes, afirma.

“Se o juiz atende uma parte, vai atender a outra. Mas tem que haver respeito de parte a parte. Porque se eu avançar o sinal determinando algo a alguém, eu estarei desrespeitando o outro lado.”

Questionado sobre se, nas conversas com as partes, é normal dar conselhos, como orientar o MP a mudar a ordem das fases de uma operação (como os audios vazados indicam que Moro teria feito), o magistrado reforça que não quer comentar o caso específico de Moro.

“Eu como magistrado sempre tive a postura de lidar com as partes. Sempre respeitei os advogados, e a grande maioria sempre me respeitou, Ministerio Público a mesma coisa”, diz ele.

“Conversas podem até existir sobre viabilidade ou não, desde que sejam algo que adiante decisão, algo no sentido de ‘não perca seu tempo'”.

Primeiras operações

Um dos primeiro juízes a usar mecanismos relativamente novos que depois se tornaram muito comuns na Lava Jato, como a delação premiada e a alienação antecipada de bens dos réus, De Sanctis hoje dá palestras sobre crimes financeiros no exterior e acabou de publicar um livro sobre lavagem de dinheiro nos EUA, Technology-Enhanced Methods of Money Laundering (sem edição no Brasil).

Mas no Brasil, diz ele, há uma “tentativa clara de barrar” as novas técnicas e estratégias usadas nas operações de combate à corrupção.

“A elite econômica que sempre exerceu o poder, ela quer continuar exercendo o poder como era antes, com a corrupção, com os conchavos…”, diz.

Ele cita como exemplo as discussões sobre a regulação da delação premiada, que estão acontecendo em um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, e o projeto de punir abuso de autoridade de juízes. “A lei de abuso de autoridade não veio para punir o abuso, veio para punir o juiz”, diz ele.

Segundo o desembargador, teses jurídicas e estratégias para combater o crime que sempre foram usadas para criminosos comuns passaram a ser questionadas quanto começaram a atingir crimonosos econômicos – como o uso de denúncias anônimas para embasar processos, por exemplo.

“O que mais me assusta no Brasil é que as teses que eram comuns e sempre foram aplicadas a criminosos comuns, esses que têm a repercussão normal e o repúdio social de cima a baixo; quando se passaram a aplicar essas mesmas teses para o criminoso econômico, tudo começou a ser repensado, desqualificado, questionado”, afirma.

Perseguição ao magistrado?

De Sanctis diz que, em sua visão, as dificuldades que enfrentou na época das operações Castelo de Areia e Satiagraha foram resultado de uma tentativa de deslegitimar suas decisões – e que essa é uma das técnicas complexas usadas por criminosos para tentar fugir de uma condenação.

“Há doutrinas estrangeiras que falam que uma das técnicas do julgado para se defender é a destruição do julgador”, diz ele, que afirma que isso foi usado contra ele “o tempo todo”.

Oque o leva à história do advogado que chegou a dizer pessoalmente a ele que nada do que decidisse importava, porque seria desfeito pelas instâncias superiores.

“Abriu-se naquela ocasião, a porta do desrespeito. E essa porta do desrespeito foi aberta pela cúpula do Judiciário, que passou a desrespeitar os colegas, que passou a deixar que julgar fatos para julgar os magistrados e de uma maneira grosseira, leviana, e tendenciosa.”

“Não estou falando de todos, mas houve uma linha de absoluto desrespeito ao trabalho sério que sempre tentei fazer, certo ou errado, já que minha intenção era a melhor”, diz ele.

Questionado se estaria falando do ministro Gilmar Mendes, ele diz que não.

“Eu estou falando de vários, não do Gilmar Mendes não, tem vários assim, eu vejo até aqui no tribunal… A preocupação é a qualificação do magistrado, e não a abordagem (dele) sobre o fato.”

“Se discorda (da decisão), julgue (contrariamente), mas não tem por que massacrar o juiz que tentou fazer seu melhor, porque essa é a regra geral, os juizes de primeiro grau são juizes independentes do Brasil”, diz ele.

De Sanctis afirma que foi muitas vezes “considerado leviano”, quando na verdade eu estava agindo como “juiz independente e em respeito à Constituição.”

“E e muito mais do que isso, respeitando as expectativas legítimas da população de um magistrado que trate um criminoso econômico igualmente a um criminoso comum, sem privilégios.”

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor, insira seu comentário!
Por favor, digite seu nome!