Indicação de Eduardo Bolsonaro ‘não é negócio de família’ e ‘rompe ciclo vicioso’ no Itamaraty, diz chanceler

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O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acredita que a indicação do filho do presidente da República à embaixada mais importante do Brasil no exterior ajuda o Itamaraty a “romper um ciclo vicioso onde nós trabalhamos só para nós mesmos e esquecemos a sociedade do lado de fora”.

Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil (assista a um trecho no vídeo acima), o chanceler afirma que a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro ao cargo de embaixador em Washington (EUA) não configura nepotismo – tema levantado por autoridades como o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.

“Não há nepotismo nenhum se realmente for essa a decisão do presidente porque será, se for o caso, a nomeação de uma pessoa que tem um comprometimento com as linhas de política externa do presidente da República e minhas, no caso. Então essa é a razão que levaria a essa nomeação. Não é por ser filho do presidente da República, é por ter capacidade de atuação política e ideias que são as que a gente considera que são corretas”, diz.

Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que quer indicar seu filho para o cargo de embaixador na capital americana. “Da minha parte, eu me decidi agora, mas não é fácil uma decisão como esta estando no lugar dele e renunciando ao mandato”, afirmou o presidente a jornalistas, em Brasília.

“Apesar de ser meu filho, ele tem de decidir”, acrescentou. O cargo está vago há três meses, desde que o antigo embaixador Sergio Amaral, indicação de Michel Temer, foi removido a pedido do presidente da República.

Bolsonaro também comentou o assunto em transmissão ao vivo pelo Facebook. “O meu filho Eduardo, ele fala inglês, fala espanhol, há muito tempo roda o mundo todo. E goza da amizade dos filhos do presidente Donald Trump. Existe a possibilidade, mas depende do garoto. E depende do Senado aprovar também”, disse Bolsonaro.

Ernesto Araújo se reuniu com o deputado Eduardo na manhã desta sexta (12 de julho). “Conversamos sobre uma pauta nossa de coordenação de temas de política latino americana, muito especialmente a questão do Foro de São Paulo, que vai se reunir no final do mês e é um tema que nos preocupa e a outras pessoas também”, disse o chanceler à reportagem.

Questionado sobre a possível nomeação, Araújo reiterou diversas vezes total apoio à sugestão.

“Eu confirmei ao deputado Eduardo que vejo com muito bons olhos essa ideia. Depende da confirmação por parte do presidente – ele que faz evidentemente a designação – então seria um excelente sinal para a relação Brasil-EUA que é importantíssima para nós.”

Nepotismo

A indicação gerou demonstrações de apoio vindas da base do presidente e também críticas – principalmente centradas na relação familiar dos Bolsonaro.

Questionado pelo Broadcast Estadão sobre a possibilidade de nepotismo, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, se mostrou convencido.

“Não tenha a menor dúvida. Sob a minha ótica, não pode, é péssimo. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato falho, um tiro no pé”, disse o magistrado.”

Ainda segundo o jornal, o ministro disse que o presidente Jair Bolsonaro “chegou para nos governar e governar bem, não para proporcionar o Estado aos familiares.”

Eduardo Bolsonaro acaba de completar 35 anos, idade mínima para o cargo de embaixador. Formado em Direito, ele fez um intercâmbio nos Estados Unidos, onde trabalhou em uma lanchonete, e trabalhou como escrivão da Polícia Federal após voltar ao Brasil. Nas últimas eleições, ele foi o deputado federal mais votado do país – na Câmara, ele ocupa o posto de presidente da Comissão de Relações Exteriores.

“Não é um negócio de família evidentemente”, diz Ernesto Araújo à BBC News Brasil. “Será, tenho certeza, um excelente movimento de política externa.”

Nos bastidores, comenta-se que a preferência de Ernesto para o cargo seria o diplomata Nestor Forster, que já trabalha em Washington e no fim do ano passado apresentou o atual chanceler ao filósofo Olavo de Carvalho, tido como uma espécie de guru ideológico do governo Bolsonaro.

Recém-promovido a ministro de primeira classe do Itamaraty, Forster ocupa um cargo conhecido como o “número 2” da embaixada na capital americana e foi um dos articuladores da agenda oficial da visita de Jair e Eduardo Bolsonaro a Washington, em maio, quando os três se reuniram a portas fechadas na Casa Branca.

A BBC News Brasil perguntou se Eduardo seria a primeira opção do chanceler, caso ele tivesse poder de escolha.

“A embaixada em Washington é evidentemente um dos postos mais importantes da nossa diplomacia e é um tema sobre o qual venho conversando com o nosso presidente da república desde que assumimos em janeiro. Há ótimos nome, né? Como digo, o deputado Bolsonaro seria um ótimo nome em Washington. Basicamente depende da decisão do presidente da República, ele que nomeia os embaixadores. Já conversei muito com o presidente sobre isso e continuamos conversando”, respondeu.

“Ciclo vicioso”

O anúncio causou forte reação entre diplomatas, que foram pegos de surpresa com a sugestão do presidente.

A nomeação de políticos para cargos de embaixador não é inédita no Brasil, mas não ocorria desde o fim do primeiro mandato do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando o então petista Tilden Santiago assumiu o posto em Havana.

Antes, o ex-presidente Itamar Franco foi embaixador em Lisboa, Roma e na OEA (Organização dos Estados Americanos) durante a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Em Washington, porém, o cargo sempre foi reservado a diplomatas, por conta de seu prestígio e da complexidade de sua administração.

A BBC News Brasil pergunta se a ruptura nesse padrão não cria um constrangimento entre o chanceler e seus colegas no Itamaraty.

“Grande parte do esforço que estamos fazendo é ter um Itamaraty que corresponda ao que quer o povo brasileiro. Ter uma indicação política no caso para uma embaixada como Washington até ajudaria nisso porque mostra que a diplomacia não é necessariamente algo por e para diplomatas”, afirmou Araújo à reportagem.

“Claro que nós temos uma excelente equipe de carreira, que continua e continuará sendo nesse caso 99% da nossa equipe, que é extremamente capacitada. Ao mesmo tempo, é uma instituição que, como eu sempre digo, precisa estar aberta para a sociedade brasileira. Precisamos fazer coisas que sejam importantes para a sociedade brasileira e não apenas para outros diplomatas.”

O chanceler conclui: “Acho que ter nessa hipótese um embaixador não de carreira em uma embaixada como Washington ajudaria esse processo muito necessário de romper um ensimemsmamento do Itamaraty e romper um ciclo vicioso onde nós trabalhamos só para nós mesmos e esquecemos a sociedade do lado de fora.”

“Eu aceitaria”

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) disse no começo da noite desta quinta-feira (11) que aceitará a indicação de seu pai, o presidente da República Jair Bolsonaro, para ser o embaixador brasileiro em Washington, nos Estados Unidos.

“Se for da vontade do presidente, ele realmente, de maneira oficial, me entregar essa missão, eu aceitaria”, disse Eduardo em uma entrevista a jornalistas no escritório da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara. Eduardo é o atual presidente da Comissão.

“Se o presidente Jair Bolsonaro me confiar esta missão, eu estaria disposto a renunciar ao mandato”, disse ele.

Eduardo Bolsonaro foi irônico ao dizer que a indicação no dia seguinte ao seu aniversário é uma “coincidência”.

“É uma coincidência. Assim como também foi uma coincidência o fato do vereador Carlos Bolsonaro ter 17 anos quando foi eleito vereador no Rio de Janeiro. Completou 18 anos em dezembro, tomou posse em janeiro. Parece que papai do céu fez a gente no ano certinho para completar as idades mínimas no futuro”, disse.

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