A manipulação de dados é real, não virtual

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Setenta milhões de turcos vão invadir a Grã-Bretanha? O deputado federal morreu na queda do avião? Os eleitores “abandonados” decidem uma eleição? Real ou virtual?

Recentemente o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) foi “assassinado” por hackers. A notícia de sua morte foi divulgada com detalhes impressionantes. Foto do avião espatifado, registro da aeronave, horário e local da queda, rota e nome dos pilotos e etc.

A situação esdrúxula obrigou Jerry a correr: “Estou vivo”, escreveu ele em suas redes.

O ministro da Justiça e Segurança diz que teve seu celular invadido e hackeado. Dilma, no exercício da presidência da República, teve seus emails expostos na feira do Guará.

A manipulação de megadados nas redes tem feito estragos pelo planeta. Ela é virtual, mas muito real. A campanha do Brexit é um bom exemplo do que está acontecendo.

Várias notícias falsas foram divulgadas durante o plebiscito. Apesar disto, a vitória não foi conquistada apenas pela extrema-direita com a ajuda das mentiras espalhadas pela Cambridge Analytica. Ela teve como cerne um slogan racional e genial: “Let´s take back control” ou “Vamos retomar o controle”.

O estrategista Dominic Cummings desprezou os eleitores tradicionais da direita e da esquerda. Usando algoritmos sofisticados e inteligência artificial, localizou e customizou sua comunicação para o eleitor “esquecido”, aquele que não votava em ninguém. O cidadão que viu sua vida piorar e que coloca a culpa no sistema.

Dominic conseguiu capturar e traduzir um sentimento-epidemia no mundo: a sensação de que o passado era mais seguro e melhor. Na iminência do fim do trabalho e da ditadura de corporações virtuais globais dirigidas por bilionários, é natural que pensem assim.

Nas eleições presidenciais de 2018, cerca de 42 milhões de brasileiros votaram nulo, branco ou simplesmente não compareceram. Bolsonaro ganhou com quase 58 milhões de votos. Haddad obteve 47 milhões. Uma diferença de menos de 11 milhões de votos.

Não é fácil dialogar e traduzir os sentimentos deste eleitor “oculto”. Encontrá-lo pode ser possível. Enquanto você lê este texto, o Facebook, o Twittter, ou a propaganda aí ao lado estão classificando você. Que páginas você abre? Que notícias curte ou compartilha?

O localizador do seu celular diz por onde você anda. O software de reconhecimento facial interpreta suas emoções. Dados pessoais viraram a maior commodity do século XXI. Segundo o historiador Harari, em pouco tempo a máquina vai lhe conhecer melhor do que você mesmo.

O liberalismo e o socialismo são filhos da revolução industrial. O que está emergindo transforma os meios de produção e o ambiente social de forma muito mais radical.

Após a queda do muro de Berlim, alguns profetizaram o fim da história e a consagração da democracia liberal. Ela agora está em xeque, parece incapaz de responder às contradições crescentes de um futuro cada vez mais próximo e incerto. Veremos algo novo?

O Brasil de Bolsonaro foi um “grito”. Pode ter sido o início, mas está longe de ser o fim.

Os 42 milhões de eleitores “não votantes” vão continuar dormindo diante da deterioração de suas vidas? Fazem parte de um equilibrado silêncio histórico estático? Algum “Dominic” conseguirá acordá-los? Se sim, que direção seguirão?

E se eles decidirem retomar o controle? Para onde iremos?

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