A tensão entre as duas maiores economias do mundo teve novo episódio na segunda-feira (5), quando a China deixou o câmbio superar o nível de 7 yuans por dólar pela primeira vez em 11 anos e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou o movimento de “manipulação cambial”.
O Banco Central chinês informou que a queda do yuan foi impulsionada por “unilateralismo e medidas de protecionismo comercial e a imposição de tarifas sobre a China”, uma referência clara à guerra comercial declarada pelos EUA.
A desvalorização da moeda chinesa – que torna as exportações do país mais baratas – veio depois de Trump ter anunciado uma tarifa adicional de 10% sobre US$ 300 bilhões em importações chinesas a partir de 1º de setembro.
Os próximos capítulos da guerra comercial são difíceis de prever – e podem ficar ainda mais imprevisíveis como a aproximação da eleição nos Estados Unidos, no próximo ano.
É possível prever, no entanto, que o clima de incerteza deve prejudicar o crescimento econômico mundial no futuro e afetar países como o Brasil, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Ao mesmo tempo, a guerra entre os dois gigantes tem criado algumas oportunidades para o agronegócio brasileiro.
Interferência política
Chama atenção nessa guerra entre Estados Unidos e China a interferência política, segundo Wilber Colmerauer, sócio-fundador da consultoria financeira EM Funding, em Londres.
“O Trump gosta de jogar para a torcida. Ele faz coisas intempestivas, mas depois volta atrás também. Não tem a menor vergonha de voltar atrás. Ele está negociando isso tudo como quem negocia a compra de uma casa. Ofereço tanto, depois abaixo, depois ofereço menos e fica nessa lenga-lenga”, diz.
O efeito no médio prazo, segundo o analista, será uma desaceleração da economia mundial. “A consequência mais importante é ter diminuição de crescimento nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa. E aí vai afetar o mundo inteiro.”
“Acho que tudo isso se resume a muita pressão política na área econômica, com fins eleitorais, o que não é uma boa combinação”, afirma Colmerauer.
A aproximação das eleições presidenciais americanas pode agravar o cenário. “Eu tenho absoluta certeza de que Trump vai fazer barulho, mas os mercados não gostam de incerteza.”
Efeitos para o Brasil
Colmerauer diz que, nesse cenário, o Brasil é comparável a “um pequeno barco” no oceano.
“Se o oceano está mais revolto, o barco pode ter problemas para navegar. Se tiver tudo calmo e tranquilo, fica mais fácil”, diz.
O Brasil pode ficar em uma situação difícil, segundo ele, se realmente houver uma desaceleração mundial, já que isso vai atrapalhar a recuperação da economia brasileira e pode ter um efeito de desvalorizar o real.
“Com uma situação fiscal delicada, qualquer coisa vai afugentar investidores e vai mexer no câmbio, que é a primeira variável que reage a situações de maior risco.”
Ele destaca, no entanto, que pode haver um lado bom. “Se tiver essa turbulência mesmo, isso pode paradoxalmente até fazer com que as coisas no Brasil andem mais rápido. Eu espero que isso sensibilize o Congresso, o pessoal vai ver que precisa andar com agenda doméstica mais rápido.”
Para Fernando Bergallo, diretor de Câmbio da FB Capital, a briga entre Estados Unidos e China tomou toda a atenção do mercado no Brasil.
“O mercado está de costas para o cenário doméstico, o que evidencia o peso do cenário externo. Muitas vezes se sobrepõe a questões domésticas”, disse.
Os países emergentes, como o Brasil, podem sofrer “dano colateral”, na avaliação dele.”O investidor tira dinheiro de onde é mais conveniente tirar, e é mais conveniente tirar dinheiro dos emergentes.”
Soja brasileira na China
A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tem impactado de forma direta o agronegócio brasileiro, já que as restrições impostas mutuamente pelos dois países abriram espaço para a venda de grãos do Brasil para os chineses.
A expectativa é que os produtores brasileiros continuem expandindo a produção de soja e milho, segundo Tarso Veloso, diretor da consultoria ARC Mercosul, especializada no mercado agrícola.
“Os Estados Unidos estão com estoque recorde de soja, que não foi vendido para os chineses. Com o maior comprador de soja do planeta evitando seu produto, o baque é muito grande”, afirmou o analista, que vive em Chicago.
Devido principalmente à demanda chinesa, o Brasil exportou em 2018 um volume recorde de quase 84 milhões de toneladas de soja em grão. Para este ano, segundo Veloso, a projeção é que o volume exportado de soja fique pouco abaixo de 70 milhões de toneladas.
Embora a China continue comprando grãos do Brasil, um outro fator – que não está ligado à guerra comercial – está reduzindo a demanda dos chineses por soja.
A febre suína africana, um vírus altamente contagioso, está dizimando criações de porco na China, país que é responsável por mais da metade da quantidade global de porcos e também o maior consumidor de carne suína do mundo. A China está lutando para conter a doença, que se espalhou para todas as partes do país desde agosto do ano passado.
Para o Brasil, Veloso explica que o abatimento de porcos chineses tem mais de um efeito: a demanda por suínos brasileiros aumenta, mas cai a compra de soja – já que boa parte do produto tem como destino virar farelo para alimentar os porcos.
“O país vai expandir a produção de suínos para exportar para a China e isso deve elevar o consumo interno de soja, o que vai acabar compensando a queda nas compras dos chineses”, disse Veloso.
Em relação ao câmbio, o analista diz que os produtores brasileiros – que preferem um real desvalorizado para que o produto fique mais barato lá fora – estão se protegendo, com operações no mercado futuro, para um cenário de valorização do real. Eles acreditam que a moeda brasileira vai se fortalecer, caso a agenda de reformas, começando pela Previdência, avance no Congresso.