O Tribunal de Contas da União (TCU) vai decidir amanhã sobre a legalidade do bônus de eficiência pago a servidores da Receita Federal. Parecer da área técnica do órgão aponta uma série de irregularidades no benefício e pode colocar o governo na rota de um possível crime de responsabilidade. O bônus, com valor de até R$ 3 mil, sequer está sujeito à contribuição previdenciária.
O relator da matéria é o ministro Bruno Dantas, que ao longo do ano vinha cobrando do governo informações sobre o bônus – que conta com uma parcela variável ainda não paga por falta de regulamentação. O cenário mais provável é de veto ao benefício, com chances inclusive de o tribunal determinar a suspensão imediata do pagamento. Nesse caso, a continuidade dessa despesa poderia ser vista como um crime do presidente Jair Bolsonaro.
Um outro cenário, mais brando, também cogitado no tribunal, seria o de manter o pagamento dos valores fixos, mas impedir a implementação da parcela variável do bônus. Ainda assim, se optarem por esse modelo, os ministros deverão determinar a adoção de medidas para compensar os valores referentes à contribuição previdenciária que não vem sendo recolhida.
O assunto é polêmico há anos. A medida provisória que criou esse mecanismo foi editada em 2016, diante de pressões da categoria, que fez paralisações e operação-padrão, penalizando a arrecadação em meio à crise fiscal. Essa MP foi convertida na Lei nº 13.464, em 2017.
Na própria área econômica, o mecanismo é visto sem qualquer simpatia, à exceção da Receita Federal. Por pragmatismo, contudo, os setores contrários evitam falar abertamente e também, pelo menos no momento, não devem impor dificuldades adicionais para o Fisco defender o seu pleito no TCU.
Um interlocutor disse ao Valor que em relação à parcela variável já há um bloqueio do pagamento por conta do entendimento de que não haveria como atender a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Uma outra fonte do governo ataca duramente o dispositivo, respaldando a visão da área técnica do TCU de que a lei já teria nascido equivocada por não ter apontado fontes de aumento permanente de receita ou corte de despesas para o seu cumprimento, violando a LRF.
Esse interlocutor oficial lembra que o bônus não só representa um privilégio em relação às demais carreiras de Estado e cria um gasto obrigatório e permanente, mas também contém situações inexplicáveis, como a falta de critérios mais objetivos para sua concessão e que não gerem conflito de interesse, além da isenção de recolhimento de contribuição para a Previdência Social.
Esse, aliás, é um dos pontos de críticas fortes do relatório da área técnica do TCU. “Criou-se um benefício tributário aos servidores dessas carreiras, sem o devido atendimento de requisito previsto na Constituição Federal de 1988: edição de lei específica que tratasse exclusivamente de benefício tributário (artigo 150, parágrafo 6º)”, apontam os técnicos. No texto consta que de janeiro de 2017 a abril de 2019, o bônus a aposentados e pensionistas foi pago com recursos oriundos do custeio da seguridade social.
Foram utilizados R$ 141,4 milhões de recursos da Cofins, R$ 104 milhões da CSLL e R$ 37,4 milhões da Contribuição do Servidor para o Plano de Seguridade Social do Servidor Público. “Embora não participem do custeio da Previdência Social, os BEP [bônus de eficiência e produtividade] são pagos com recursos oriundos de fontes orçamentárias da seguridade”, frisa o parecer.
Advogados da área tributária citam como “curioso” o fato de não haver recolhimento de contribuição previdenciária. “Porque, paradoxalmente, há uma caçada do Fisco em relação a PLR [Plano de Participação nos Lucros e Resultados], que é distribuído pelas empresas privadas aos seus funcionários”, afirma um especialista.
De 2015 para cá foram publicados mais de 320 acórdãos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) só sobre esse assunto. A Receita Federal costuma autuar as empresas por falta do pagamento da contribuição previdenciária mesmo havendo uma lei, a nº 11.101, do ano 2000, que as isenta do recolhimento.
A justificativa para os autos de infração é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos na legislação, entre eles o que prevê regras claras e objetivas ao plano. “Mas isso é muito subjetivo. O que é claro para o contribuinte quase nunca é para a Receita Federal”, comenta um outro advogado.
O texto dos técnicos do TCU é bastante duro também em relação ao problema original de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Não foram evidenciadas as premissas e metodologia de cálculo utilizadas para se estimar a despesa”, consta em um dos trechos. “Não é possível ao menos estimar quanto perceberia cada servidor das aludidas carreiras a título de BEP, pois além de conter uma estimativa de despesa equivocada, não há qualquer informação sobre o valor individual do bônus”, prossegue.
No parecer há questionamento ainda à parcela móvel do bônus, a despeito de ainda não estar vigente. “A criação dessa remuneração variável não atendeu integralmente aos ditames da LRF, notadamente no que se refere à criação da variabilidade do bônus. A inexistência da composição das bases de cálculo não permite ao menos conhecer a ordem de grandeza dos valores globais dos bônus e, consequentemente, da despesa para custeá-lo.”
O advogado Juliano Costa Couto, que representa o Sindifisco (dos auditores fiscais) no processo do TCU, defende a manutenção do bônus. Ele enfatiza que a lei de 2017 está em vigor, não foi impugnada pelo Judiciário, e que o TCU não teria competência para fazê-lo.
“O TCU pode reger e controlar os atos administrativos, mas há precedentes do Supremo Tribunal Federal de que ele não tem competência para determinar a não aplicação de uma lei por considerá-la inconstitucional”, sustenta. Ele recorda que já há uma liminar do STF contra decisão anterior do TCU, que vetou o pagamento do bônus aos servidores aposentados (MS nº 35.494).
Crédito:Joice Bacelo e Fabio Graner/ Valor Econômico no BSPF – disponível na internet 07/08/2019