As informações fazem parte da decisão que autorizou a operação, obtida pela TV Globo. Na manhã desta quinta-feira (19), a PF deflagrou operação no Congresso Nacional para investigar o senador e seu filho .
Por meio de nota, o advogado do senador Fernando Bezerra Coelho, André Callegari, afirmou que as medidas se referem a “fatos pretéritos”. Segundo ele, o que motivou a ação da PF foi “a atuação política e combativa do senador” contra interesses de “órgãos de persecução penal” (leia ao final desta reportagem a íntegra de notas divulgadas pela defesa do senador e do filho dele).
A operação, chamada Desintegração, se baseia em delações premiadas da Operação Turbulência, deflagrada em junho de 2016. Um dos delatores é o empresário João Lyra, apontado em investigações como operador financeiro de supostos esquemas criminosos em Pernambuco.
As denúncias apontam irregularidades em obras no Nordeste, como a transposição do Rio São Francisco, no período em que Bezerra foi ministro da Integração Nacional, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
De acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que é relator do caso e autorizou as buscas, a PF juntou “elementos de prova que indicaram o recebimento, ao menos entre 2012 e 2014, de vantagens indevidas pelos investigados, pagas por empreiteiras, em razão das funções públicas por eles exercidas”. Os indícios são de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral.
Os fatos são apurados em inquérito para aprofundar as delações premiadas de: João Lyra, Eduardo Leite e Arthur Rosal. Eles assinaram colaboração em razão da Operação Turbulência, que investigou o acidente aéreo que culminou na morte de Eduardo Campos.
João Lyra era dono do avião, Eduardo Leite era dono de uma factoring e outras empresas de fachada que recebiam valores de empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato e Arthur Rosal participava do esquema com contas bancárias de postos de gasolina.
“Os colaboradores narraram, em síntese, que participaram do pagamento sistemático de vantagens indevidas ao senador Fernando Bezerra de Souza Coelho e a seu filho, o deputado Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho, por determinação das empresas OAS, Barbosa Mello SA, SA Paulista e Constremac”. Os valores pagos aos parlamentares somaram pelo menos R$ 5,538 milhões, diz a PF.
Na decisão de 30 páginas, o ministro Barroso cita “aparente esquema de pagamento dissimulado e sistemático de propinas” e afirma que as buscas nos endereços se justificam para “obtenção de objetos e documentos necessários à prova das infrações penais”.
O ministro determinou, no entanto, que, por cautela, funcionários do Senado acompanhassem as buscas.
Barroso também rejeitou sequestro e bloqueio de bens de Fernando Bezerra Coelho e do filho por considerar que seriam medidas “apressadas”.
Conforme o ministro, os delatores apresentaram detalhes de como eram levantados recursos para os investigados e como o ex-ministro e senador lavava o dinheiro através de empresários, operadores e outros políticos.
Barroso autorizou busca no endereço do senador Fernando Bezerra Coelho mesmo contra parecer da Procuradoria-Geral da República, que considerou que não havia elementos de que o parlamentar ocultasse material que pudesse ser coletado. Para ele, o argumento “não é convincente”.
“Na criminalidade organizada econômica, porém, o natural é que todos os envolvidos tentem ocultar provas e não evitar deixar registros de seus atos. A medida cautelar serve justamente para tentar encontrar documentos mantidos sigilosamente, longe dos olhos do público e das autoridades de investigação, afirmou o Barroso.
Propinas de R$ 1,5 milhão
Segundo a decisão, em 2012, o senador Fernando Bezerra teria solicitado, por meio do auxiliar Iran Modesto, empréstimo de R$ 1,5 milhão a João Lyra. Uma parte foi obtida por transferências bancárias e R$ 500 mil em dinheiro vivo pago pelo delator Arthur Rosal na casa de Iran Modesto.
Só que as investigações apontam indícios de que os valores eram propina a eles e a aliados, além de dinheiro para quitação de gastos de campanha.
Depois, Iran Modesto teria indicado o pagamento do empréstimo seria feito pela OAS, que integrava o consórcio das obras de transposição do Rio São Francisco, “custeadas com recursos do Ministério da Integração Nacional, comandado por Fernando Bezerra de Souza Coelho”. Outra construtora, Barbosa Mello, operacionalizaria o pagamento.
“Para a execução do acordado, foram forjados contratos de locação de caminhões basculantes sem operador e boletins de medição pela Câmara & Vasconcelos Locação e Terraplanagem Ltda. para a Construtora Barbosa Mello S.A. Foram emitidas as notas fiscais nº 0981 e 0994, nos meses de julho e agosto de 2013, cada uma no valor de R$ 656.400,00, efetivamente pagas”, diz a decisão.
Conforme as investigações, “os elementos já obtidos pela Polícia Federal constituem indícios razoáveis de que empreiteiras com interesses em obras sob influência dos investigados tenham quitado, ao menos parcialmente (R$ 1.312.200,00), o empréstimo fornecido pelos colaboradores (de R$ 1,5 milhão). Os repasses de valores teriam sido realizados de forma dissimulada, por meio de contas de terceiros e simulação de contratos de prestação de serviços”.
A investigação indica ainda que a OAS tinha um “setor de projetos estruturados” para geração de caixa dois e emissão de notas fiscais fictícias e superfaturadas – mais de R$ 40 milhões teriam sido gerados assim, segundo delatores. Os pagamentos tinham que ser autorizados por Léo Pinheiro ou Cesar Mata Pires, acionistas da OAS.
Segundo o delator João Lyra, ele participou de uma parte da geração do dinheiro, que era disponibilizado na conta de pessoas jurídicas controladas por ele. Ele sacava e entregava em espécie para funcionários da OAS.
João Lyra também relatou ter recebido pedido da OAS para dar R$ 670 mil ao senador Fernando Bezerra O valor teria sido entregue por um funcionário da empreiteira na Avenida Boa Viagem, em Recife.
A decisão relata ainda que o delator João Lyra mencionou outro pedido de empréstimo em 2014 de R$ 1,7 milhão para financiamento de campanhas de Fernando Bezerra Coelho, no mesmo modus operandi do empréstimo anterior, de 2012.
Lyra, então, procurou a OAS: “João Carlos Lyra afirmou que, antes de consentir com o empréstimo, teria procurado a Construtora OAS S.A. com o intuito de confirmar se a empresa, mais uma vez, arcaria com o adimplemento do mútuo. Segundo afirma, teria obtido essa confirmação de Adriano Santana de Quadros Andrade e Roberto Cunha, funcionários da empreiteira, que teriam relatado a existência de uma dívida remanescente de R$ 1.670.000,00 para com Fernando Bezerra Coelho”. Diante disso, o dinheiro foi repassado em espécie para Iran Modesto.
A OAS, porém, não teria pago os valores e o empresário cobrou o senador, que pediu mais tempo em razão de ter tido o nome envolvido na Lava Jato, relata a decisão. As negociações para pagamentos do valor continuariam até 2017.
“Há indícios, portanto, de que ainda em 2017 o sistema de repasses de valores indevidos continuava, mesmo após a menção ao nome do Senador na ‘Operação Lava Jato'”, afirma o ministro.
Além disso, a Constremac teria repassado R$ 2 milhões para João Lyra para que o valor chegasse ao senador.
“As entregas de dinheiro, segundo o colaborador, eram feitas na sede da Constremac Construções S.A, em São Paulo. Em seguida, João Carlos Lyra entregava os valores no escritório Trombeta e Morales, que, por sua vez, realizava transferências para os destinatários indicados por Iran Padilha Modesto”, relata a investigação.
Para o ministro, todos os fatos mostram “indícios razoáveis” da existência do esquema. “Os elementos já obtidos pela Polícia Federal constituem indícios razoáveis de que empreiteiras com interesses em obras sob influência dos investigados realmente transferido valores a ‘operadores’ de Fernando Bezerra Coelho. Os repasses de valores teriam sido realizados de forma dissimulada, por meio de contas de terceiros e simulação de contratos de prestação de serviços.”
As buscas desta quinta são relacionadas às empresas que teriam participado do esquema de repasses.
Os investigados foram ainda intimados a comparecer, caso quisessem, para prestar depoimentos. Pela decisão de Barroso, tinham o direito de não ir, ir e ficar em silêncio ou ir com um advogado.
Sobre o bloqueio de bens solicitado, no valor de R$ 5,5 milhões em relação ao senador e de R$ 1,7 milhão em relação ao filho, o ministro considerou que era preciso aprofundar as investigações.
“Entendo prudente aguardar o aprofundamento das investigações antes de decretar medidas cautelares patrimoniais sobre os valores. É garantia fundamental do investigado o direito à razoável duração do processo, de modo que me parece desproporcional uma constrição tão elevada neste momento ainda distante do desfecho da apuração”, disse.
O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) disse na manhã desta quinta-feira (19) que colocou seu posto de líder do governo no Senado à disposição do presidente Jair Bolsonaro (veja no vídeo acima).
Fernando Bezerra disse que conversou por telefone com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O Palácio do Planalto ainda não confirmou se vai trocar o líder.
Bolsonaro chamou sua equipe, no Palácio da Alvorada, para avaliar os efeitos da operação da PF contra o líder do governo no Senado (veja no vídeo abaixo). Segundo assessores, o presidente quer saber detalhes das investigações e como elas atingem o senador e seu filho, o deputado Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE).
Leia abaixo três notas divulgadas pela defesa do senador Fernando Bezerra e do filho dele.
Causa estranheza à defesa do senador Fernando Bezerra Coelho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos que não guardam qualquer razão de contemporaneidade com o objeto da investigação. A única justificativa do pedido seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal.
A defesa do senador Fernando Bezerra Coelho esclarece que a Procuradoria Geral da República opinou contra a busca em face do senador, afirmando taxativamente “que a medida terá pouca utilidade prática”. Ainda assim o ministro Luís Roberto Barroso a deferiu. Se a própria PGR – titular da persecutio criminis – não tinha interesse na medida extrema, causa ainda mais estranheza a decretação da cautelar pelo ministro em discordância com a manifestação do MPF. A defesa seguirá firme no propósito de demonstrar que as cautelares são extemporâneas e desnecessárias.
Causa estranheza à defesa do deputado Fernando Filho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos sem contemporaneidade e que não guardariam hoje qualquer justificativa com o objeto da investigação. A defesa ainda não teve acesso ao pedido e à decisão do ministro que autorizou as medidas, mas pode afirmar que as medidas são desnecessárias e extemporâneas.
Advogado André Callegari
Crédito: Mariana Oliveira e Camila Bomfim, TV Globo — Brasília – disponível na internet 20/09/2019
Senado questionará ação da PF em gabinete de líder do governo.