O auditor fiscal Marco Aurélio da Silva Canal é supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato e foi preso pela Polícia Federal nesta quarta-feira. Alvo principal da Operação Armadeira, deflagrada hoje , ele é apontado pelos procuradores como chefe do esquema. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já citou nominalmente Canal durante uma entrevista, dizendo que ele foi a pessoa que “coordenou a operação” em que seus dados e de sua mulher, Guiomar Feitosa, foram acessados.
Entretanto, o caso do ministro não tem qualquer relação com a operação desta quarta-feira. Gilmar recorreu à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro passado para questionar uma análise que estaria sendo conduzida pela Receita Federal sobre suas movimentações financeiras e de sua mulher, Guiomar Feitosa.
A ação foi uma das bases do polêmico inquérito aberto pelo ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, para apurar ofensas consideradas criminosas aos integrantes do STF. A investigação foi alvo de críticas por não ter sido solicitada nem acompanhada pelo Ministério Público, como é a praxe.
Já na Operação Armadeira, agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) cumprem 14 mandados de prisão nesta quarta-feira contra auditores e analistas da Receita Federal. No total, são nove prisões preventivas (tempo indeterminado) e cinco temporárias (cinco dias). Marco Aurélio Canal cobrou, segundo as investigações, R$ 4 milhões para evitar a lavratura de auto de infração em desfavor da Federação das Empresas de Transporte do Rio de Janeiro (Fetranspor).
“Eu sei que houve abuso por parte da Receita, e a Receita sabe que houve abuso nesse caso. Mas tenho curiosidade de saber quem mandou a Receita fazer (a investigação) . O que se sabe é que quem coordenou essa operação é um sujeito de nome Marco Aurélio da Silva Canal, que é chefe de programação da Lava Jato do Rio de Janeiro. Portanto, isso explica um pouco esse tipo de operação e o baixo nível. Às vezes, querem atingir fazendo esse tipo de coisa. Estão incomodados com o quê? Com algum habeas corpus que eu tenha concedido na Lava Jato?”, afirmou o ministro em entrevista no mês de junho à GloboNews em que cita Canal.
A força-tarefa da Lava Jato do Rio e a equipe do auditor não mantinham relacionamento direto. Isso porque a parceria nas fases de investigação são com o setor de Inteligência. A equipe do supervisor preso só atuava depois das operações ostensivas, para cobrar o imposto devido pelos investigados, sem contato com os procuradores.
Os procuradores afirmaram, no pedido de prisão, que a atuação de Canal não tem qualquer relação com os trabalhos da força-tarefa da Lava Jato no Rio. Dizem ainda que, na cronologia dos fatos apresentada no pedido do MPF, o auditor era alvo das investigações e de quebras judiciais promovidas pelo órgão meses antes de vir a público qualquer rumor a respeito de sua atuação ilícita contra investigados da Lava Jato e autoridades citadas em supostos dossiês.
O auditor fiscal já era investigado pelos procuradores quando Gilmar deu as declarações citando vínculo entre Canal e a força-tarefa da Lava Jato no Rio.
O supervisor foi um dos servidores da Receita que movimentou o dossiê sobre Gilmar, como descreveu o ministro Alexandre de Moraes no documento em que determina o depoimento de seis auditores fiscais, entre eles o próprio Canal.
Pelo menos um dos dossiês elaborados pela equipe de auditores que investigou o Gilmar e outros 133 agentes públicos foi enviado para Canal, como informa documentos enviados à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela própria Receita Federal. A PGR questionou o órgão sobre a fiscalização feita sobre o ministro bem como a divulgação ilegal de seus dados na imprensa.
ENTENDA O ESQUEMA
Canal era quem conduzia a programação de fiscalização contra os envolvidos na Lava Jato. Isso significava selecionar contribuintes e colocar em dossiê para as unidades fiscais, o que tem de ser verificado. A equipe do supervisor preso recebia os resultados das quebras de sigilo da Lava Jato, cruzava com as informações internas. Ao fim desse processo, selecionava os contribuintes a serem fiscalizados.
Há, no entanto, critérios de triagem, sendo o mais importante deles o valor potencial que pode ser recuperado com a instauração de uma ação fiscal. Isso ocorre porque as equipes não conseguem investigar todos aqueles que são selecionados depois do cruzamento de dados. Desta forma, havia sobras de dossiês, uma brecha usada pelos presos para fazer a extorsão.
Com o objetivo de garantir a isenção dos fiscais, a Receita segmenta as equipes de ação, e, por isso, há um grupo que investiga, outro programa e um terceiro que fiscaliza. Internamente, Canal era considerado o melhor programador da Receita no Brasil.
Canal entrou para o serviço público em janeiro de 1995, aos 25 anos. De lá para cá, exerceu as funções como a de chefe da Equipe de Fiscalização da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 7ª Região Fiscal (RJ) e chefe do Serviço Regional de Programação, Avaliação e Controle da Atividade Fiscal nessa mesma região.
Ainda em 2016, bem antes de ser preso, foi um dos destaques de um evento promovido pelo Comando Local de Mobilização do Rio no Dia Internacional de Combate à Corrupção. Falou aos presentes sobre a operação Lava Jato, a CPI dos Fundos de Pensão e projetos Especiais da Divisão de Fiscalização (Difis).
O advogado Fernando Martins, responsável pela defesa de Marco Aurelio Canal, afirmou que “se trata de mais uma prisão ilegal praticada no âmbito da denominada operação Lava-Jato” e que atribui ao cliente “responsabilidades e condutas estranhas a sua atribuição funcional e pautada exclusivamente em supostas informações obtidas através de ‘ouvi dizer’ de delatores”
Crédito: Chico Otavio e Juliana Castro/Época – disponível na internet 03/10/2019