A megaoperação para salvar filhotes de tartaruga nascidos em meio ao petróleo na costa do Nordeste

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Há pelo menos 40 dias, manchas de petróleo atingem todos os Estados do Nordeste, provocando a morte de tartarugas marinhas e aves. Agora, a maior preocupação de biólogos e ambientalistas que trabalham com a conservação das espécies no Nordeste é a reprodução dos animais na região, como as tartarugas.

Na tarde de quinta-feira (10), cerca de mil tartarugas filhotes foram soltas em alto mar, em uma megaoperação para salvar suas vidas e tentar impedir que sejam atingidas pelo petróleo que invadiu a costa nordestina.

Foi a primeira vez que o Instituto Tamar, referência nacional na preservação da espécie, fez uma operação dessa forma.

Quando nascem, as tartarugas rompem seus ovos, cavam pela areia e caminham pela praia até o mar. Essa imagem das tartaruguinhas pequenas, medindo entre 3,5 e 4 centímetros de comprimento de casco, caminhando rapidamente pela praia é conhecida.

Tartarugas indo em direção ao mar
Biólogos estão preocupados com possível contaminação de filhotes de tartaruga em praias contaminadas. PROJETO TAMAR / FUNDAÇÃO PRÓ-TAMAR

Mas por causa do petróleo, os biólogos do Projeto Tamar tiveram de tomar uma decisão: ou essas tartarugas fariam sua tradicional caminhada pela praia, correndo o risco de se intoxicar ou até mesmo ficarem presas no óleo, ou seriam soltas em alto mar, perdendo esse momento de suas vidas. Os pesquisadores escolheram a segunda opção.

As tartarugas estavam em ninhos em diferentes praias de Sergipe monitoradas pelo Tamar.

Petróleo cru

O mês de setembro marca o início do período reprodutivo das tartarugas marinhas em toda a costa do país. Mas nessa mesma época, mais precisamente nos últimos 40 dias, mais de 130 pontos em 63 cidades do Nordeste foram atingidos por manchas de petróleo de origem ainda desconhecida.

Mulheres limpando tartaruga
Nove tartarugas sobreviveram após serem resgatadas do mar com manchas de petróleo. Direito de imagem AFP

Doze tartarugas marinhas morreram e outras nove foram retiradas do mar com manchas de petróleo, mas sobreviveram. Mais de 130 toneladas do óleo cru foram recolhidas das praias no episódio que já é considerado o maior desastre ambiental do país em extensão territorial.

A investigação para identificar a origem desse óleo está sendo conduzida pela Marinha, e a investigação criminal é da Polícia Federal. Tudo feito com apoio da Petrobras. Uma série de hipóteses foi levantada por autoridades, especialistas e ativistas, sendo as principais delas: limpeza ilegal de navio, naufrágio, vazamento acidental ou ação criminosa.

Participam da operação para identificar a origem do vazamento de óleo cru 1.500 militares, cinco navios, uma aeronave e diversas embarcações e viaturas de delegacias e capitanias dos portos. A reportagem da BBC News Brasil procurou os órgãos que participam da investigação, mas nenhum deles se manifestou oficialmente ou revelou detalhes sobre as linhas de investigação.

Ninho, tanque e mar

Os biólogos esperaram as tartarugas eclodir de seus ovos e saíssem do ninho até a superfície.

Antes de que caminhassem pela areia, porém, foram colocadas dentro de caixas que tinham um pouco de areia do próprio e então foram levadas para aquários da base do Projeto Tamar em Sergipe. As tartarugas de um mesmo ninho foram colocadas juntas em cada tanque.

Algumas ficaram lá por 10 dias. Outras, as que nasceram nesta quinta, 11, ficaram apenas um.

E então as caixas foram colocadas em uma embarcação, que se deslocou a 30 km da costa. Ali, longe do petróleo que apareceu nas praias, as tartarugas foram soltas no mar.

De acordo com Santos, só se interfere no ninho de tartarugas, que têm entre 100 e 120 ovos cada, quando a área em que ele está é de risco — se a tartaruga colocou seus ovos em um local onde a mudança da maré pode afetar os ovos, por exemplo. Ou então, onde o ninho corre grande risco de ser atacado por predadores.

Mapa feito pelo Ibama
Mapa mostra regiões atingidas por petróleo de origem desconhecida no Nordeste. Direito de imagem REPRODUÇÃO IBAMA

Normalmente, os biólogos não marcam todos os ninhos depois que a fêmea coloca os ovos — só uma amostra do total, com o objetivo de acompanhar parâmetros biológicos e acompanhar as taxas reprodutivas da espécie. Não é para atendimentos de emergência, como os que precisaram ser feitos nos últimos dias.

Ou seja, as mil tartarugas que foram soltas em alto mar agora não representam o total de tartarugas que devem ter nascido na região nos últimos dias.

Depois do derrame de petróleo, o trabalho dos biólogos foi intensificado. Prevendo a necessidade de acompanhar todos os ninhos para proteger os filhotes depois de seu nascimento, os funcionários do projeto Tamar começaram a tentar marcar todos eles.

Biólogo colhe amostra de petróleo em praia no Rio Grande do Norte
Biólogo colhe amostra de petróleo em praia no Rio Grande do Norte. Direito de imagem PROJETO CETÁCEOS DA COSTA BRANCA-UERN

Os ninhos são identificados pelo rastro que a tartaruga fêmea deixa na areia, e equipes de monitoramento passam pelas praias a pé, de bicicleta ou moto colocando estacas nos locais e registrando data e locais dos ninhos.

Santos diz que se estima que 400 ninhos estejam para eclodir agora, mas não tem como confirmar esse número. Os ninhos eclodem com 45 dias a 50 dias. “Mas como tivemos inverno mais úmido, esse número chegou até 60, 70 dias”, diz Santos.

“A caminhada que a tartaruga faz da areia para o mar compõe uma das fases de seu ciclo de vida a partir do nascimento”, diz Erik Santos, 42, analista ambiental do ICMBio baseado no centro Tamar em Sergipe que participou da operação. “Junto com o local de eclosão dos ovos e o deslocamento em mar aberto, a caminhada é importante para a identificação de sua área de nascimento”, afirma.

E isso é importante, explica ele, porque quando a tartaruga atinge a vida adulta, ela volta para reproduzir nessas praias.

Tartaruga atingida por óleo no Nordeste
Biólogos estão preocupados com possível contaminação de tartarugas filhotes em praias atingidas por óleo. Direito de imagem REUTERS

“O prejuízo é esse, pode dar alguma alteração na sua capacidade de identificar a área de nascimento”, afirma. As tartarugas têm o que se chama de “localização magnética”, “como uma bússola na cabeça para se localizar”, explica Santos.

Mas, segundo ele, a fase da caminhada na praia não é o único mecanismo para as tartarugas localizarem seu lugar de nascimento — outros fatores podem contribuir. “Era melhor apostar nesses outros mecanismos da localização magnética e por isso foi feita essa soltura em mar aberto.”

Para Leonardo Messias, coordenador do Cepene, um dos centros de pesquisa do ICMBio dedicados à conservação marinha, a caminhada pela praia “faz parte da vida delas”. “Percorrer a praia, ter contato com a areia, enfrentar aquela dificuldade inicial… Essa parte da vida dos filhotes já foi interrompida”, diz.

Ele diz que “a sobrevivência dos filhotes já é difícil”, então é preciso monitorar e tomar uma ação como essas para evitar que se contaminem com o petróleo. “Um filhote contaminado já está condenado.”

Já em condições normais, apenas cerca de um ou dois filhotes entre mil atingem a idade adulta. Segundo informações do site Projeto Tamar, “muitas são devoradas por siris, aves marinhas, polvos e principalmente peixes” e “outras morrem de fome e doenças naturais.”

Flávio Lima, coordenador-geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), disse que os biólogos vão avaliar caso a caso para avaliar quando vale a pena transferir as tartarugas para tanques.

“Vamos fazer esse acompanhamento e avaliar se a praia em que foi feita a desova tem óleo e se isso vai ser um risco para a reprodução das tartarugas. É muito arriscado deixá-las num ambiente contaminado”, afirmou.

Ele disse que a estratégia pode envolver não apenas o deslocamento de uma praia para outra, mas também por longas distâncias, inclusive para Estados diferentes.

“A estratégia é de que animais encalhados em Pernambuco ou Maranhão, as equipes fazem fazem o primeiro atendimento e encaminham para o Rio Grande do Norte. Já as de Alagoas e Bahia vão para o centro da Fundação Mamíferos Aquáticos em Sergipe”, afirmou.

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