Na última quarta-feira (04), a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso aprovou um relatório preliminar no qual os recursos para o Fundo Eleitoral mais que dobram: dos R$ 1,8 bilhão empregados em 2018, os recursos passam para R$ 3,8 bilhões à disposição dos partidos nas eleições municipais do ano que vem.
O projeto inicial do governo de Jair Bolsonaro destinava R$ 2 bilhões para o fundo — mas uma articulação envolvendo a maioria dos partidos no Congresso permitiu a elevação deste montante para os atuais R$ 3,8 bilhões.
O novo valor do Fundo Eleitoral ainda precisa ser aprovado no relatório final, a ser votado na CMO e no plenário do Congresso (uma reunião de todos os deputados e senadores). Esta última está marcada para o dia 17 de dezembro.
Desde a aprovação do relatório, redigido por Domingos Neto (PSD-CE), congressistas contrários ao aumento do fundo e integrantes do governo têm reclamado de cortes em outras áreas — principalmente na saúde e infraestrutura. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reclamou nesta quinta (05) que foi “surpreendido” com a retirada de R$ 500 milhões do orçamento da Saúde.
À BBC News Brasil, Domingos Neto diz que não haverá necessidade de cortar qualquer outra área para ampliar o dinheiro destinado aos candidatos: o dinheiro virá de uma receita nova, de cerca de R$ 7 bilhões, que o governo não tinha relacionado quando elaborou seu projeto de Lei Orçamentária (LOA).
A diferença viria do fato do governo ter subestimado os lucros do governo com empresas estatais (como o Banco do Brasil e a Petrobras, por exemplo).
“A gente recompôs R$ 1,8 bilhão (para o Fundo Eleitoral), sem tirar de canto nenhum. Apenas tirando de uma receita nova, que não estava nem prevista no projeto do governo”, diz ele.
Seu relatório traz um acréscimo de cerca de R$ 20 bilhões para os diversos ministérios, em relação ao que o governo propunha inicialmente.
O deputado cearense também alega que não podia ignorar a demanda feita pela maioria dos partidos — o pedido foi assinado por representantes de PT, PSL, PSDB, DEM, PDT e PSB, além de PP, MDB, PTB, PL, PSD, Solidariedade e Republicanos. Juntos, esses partidos somam 430 dos 513 deputados, e 62 dos 81 senadores.
“Meu relatório não é um decreto (feito individualmente)”, diz Domingos Neto.
BBC News Brasil – Nos últimos dias, o sr. foi criticado por ter cortado recursos de áreas de impacto social, como saúde e infraestrutura, para ampliar o Fundo eleitoral. O jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, noticiou corte de R$ 1,7 bilhão em várias áreas, como saúde e obras de saneamento.
Domingos Neto – Claramente a Folha ou não entendeu a entrevista que eu dei, ou não entendeu o relatório. Porque o relatório deixa claro que nós estamos tirando de uma margem de dividendos.
Este corte preliminar, que é feito todos os anos, ele é feito para o remanejamento. Então, na verdade, não é um corte que vai tirar dinheiro. Ele vai remanejar, redistribuir. Isso vai para o relator setorial (de cada área do Orçamento), (receberá) emendas de bancada, emendas de comissão.
(Comparando) o que veio no projeto do governo, para cada ministério, e o que tem hoje já (de recursos), para cada ministério, além do que ainda vai entrar (…), nós teremos na verdade um aumento de mais de R$ 20 bilhões. Distribuído pelas mais diversas áreas.
Eles dizerem que estamos cortando da saúde… a saúde está recebendo cerca de R$ 7 bilhões a mais (no relatório) do que o governo propôs inicialmente.
BBC News Brasil – Entendo que no fim pode até ficar maior, mas de qualquer forma uma quantia que inicialmente iria para essas áreas vai ter de ser remanejada para fazer o aumento no fundo eleitoral.
Domingos Neto – Não. Nós tínhamos uma folga até o teto de gastos, que não tinha receita. Nós encontramos a receita nos dividendos, de quase R$ 7 bilhões.
Esses R$ 7 bilhões não estavam provisionados com nenhuma despesa. É receita nova, e portanto despesa nova. Portanto, desses R$ 7 bilhões, a gente fez, a pedido dos partidos que representam a maioria expressiva do Congresso, a recomposição do corte que o governo fez.
Então, desses R$ 7 bilhões, a gente recompôs R$ 1,8 bilhão (para o Fundo Eleitoral), sem tirar de canto nenhum. Apenas tirando de uma receita nova, que não estava nem prevista no projeto do governo.
BBC News Brasil – Esses dividendos que o sr. menciona virão de onde?
Domingos Neto – São dividendos de empresas estatais, empresas do governo. O governo tinha subestimado esse valor em seu projeto (de Lei Orçamentária).
A gente fez um parâmetro do que o governo tinha arrecadado nos últimos anos, inclusive em 2019, com os dividendos. E vimos que estava subestimado. Então reestimamos para algo mais real. Que eu ainda acho que está abaixo do que virá realmente, mas fizemos numa perspectiva conservadora. E incorporamos uma receita que não estava prevista.
Isso posto, essa receita não tinha nenhuma despesa atrelada a ela. Então, não precisa cortar em canto nenhum.
BBC News Brasil – Sendo receita nova ou não, muitas pessoas se incomodam com o fato de que ela poderia ser usada em áreas carentes, como saúde e educação, e não com as campanhas eleitorais, ainda mais em um momento de crise. Em um país cheio de carências, estamos alocando recursos para dobrar o fundo em relação ao ano de 2018. De R$ 1,7 bilhão, naquele ano, para R$ 3,8 bilhões em 2020.
Domingos Neto – Primeiro: meu relatório não é um decreto. Portanto, diante do pleito formal de todos os maiores partidos do país, cabe a mim expressar a vontade da ampla maioria.
Segundo: estamos investindo mais de R$ 20 bilhões nas mais diversas áreas, suplementando a proposta do governo. Ainda vamos na comissão trabalhar para conseguir mais recursos para as áreas que mais precisam e para aumentar o investimento, investindo em saúde, educação, segurança, infraestrutura e etc.
BBC News Brasil – E por que desde o PT até o PSL apoiaram essa recomposição? Como foi esse acordo?
Domingos Neto – O relatório não é um decreto. A missão do relator é expressar, no relatório, a vontade da maioria. Os presidentes de partidos, os líderes de todos esses partidos, entenderam que era importante essa suplementação.
A eleição municipal é a eleição mais custosa, com o maior número de candidatos, candidatos a prefeito, a vereador… os partidos pediram que eu pudesse suplementar o Fundo Eleitoral. Dos R$ 2,5 bilhões que o governo tinha mandado. Eles pediram inclusive que fosse para R$ 4 (bilhões). Você tem o ofício aí, né?
Isso foi um entendimento dos partidos. A minha missão é expressar o entendimento da maioria no relatório.
E o meu trabalho foi fazer o atendimento sem prejudicar nenhuma área sensível do nosso país, que precisa muito de atendimento. Pelo contrário, nós conseguimos atender o pleito dos partidos e ainda aumentar o investimento nas mais diversas áreas.
BBC News Brasil – Então o sr. acha que esse é um recurso que não vai fazer falta para as mais diversas áreas, como o programa Farmácia Popular, as obras de habitação, saneamento.
Domingos Neto – O que a Folha de S. Paulo falou que se corta dessas áreas para o fundo é mentiroso.
Não é verdade.
Eu quero acreditar que isso (a reportagem) é porque não entenderam, ou não leram o relatório, que é didático a esse respeito. Todas as áreas, com exceção da Presidência da República e do Ministério de Minas e Energia, estão recebendo acréscimos volumosos.
BBC News Brasil – O sr. acredita que esse relatório, com acréscimo do Fundo Eleitoral, será aprovado no plenário?
Domingos Neto – Bom, com todos os partidos que assinaram… Você viu a votação (na Comissão). Foi 23 a 5. Então… acho que se você contar os partidos signatários, acho que temos uma maioria expressiva.
É um cinismo incomensurável afirmar que não vai remanejar recursos de outras áreas.
Só tem uma palavra “VERGONHA”!