Mas, de forma prática, o quanto e como a corrupção afeta os mais distintos setores? A começar pela compreensão sobre o que é corrupção: ela se caracteriza como o abuso de poder confiado a alguém para obtenção de ganho privado. A mais visível é a corrupção que envolve o poder público, que é a cooptação do bem público para fins particulares.
Ou seja, em benefício de um ou uns, a sociedade é prejudicada pelos desvios gerados pela corrupção. As consequências desse abuso de poder (e não se trata apenas de poder público, mas o poder em qualquer instância e proporção) priva as pessoas de seus direitos sociais e econômicos, além de criar obstáculos ao progresso e desenvolvimento.
O combate à corrupção não é um fim em si, mas é uma luta para coibir mecanismos que aprofundam as desigualdades e reforçam os privilégios. Tem como propósito fortalecer um sistema necessário para termos uma sociedade mais justa e sustentável. E, a gravidade da corrupção se justifica pelo fato de seus impactos interferirem, na maioria das vezes, de forma simultânea em pelo menos duas de quatro dimensões fundamentais: social, ambiental, política e econômica. Outrora, em casos mais extremos, em todas elas.
No aspecto social a corrupção provoca, por exemplo, a má qualidade do serviço público ou em casos mais graves, o risco à vida. Na perspectiva política, enfraquece o sistema democrático e o estado de direito. Na temática ambiental, a degradação, a grilagem de terra e o enfraquecimento da legislação são consequências da corrupção. O cenário econômico é altamente prejudicado pelo distúrbio na ordem econômica, por exemplo no desvio de recursos. Esses são apenas alguns impactos da corrupção.
Não é uma luta do bem contra o mal, porque a perspectiva de dualidades de poderes opostos e incompatíveis é território fértil para relações escusas. O combate à corrupção deve superar essa dualidade, compreendendo a transversalidade da agenda. Trata-se de entendimento mais aprofundado da adoção de novas práticas, compreensões, conceitos e posturas. Por exemplo, a corrupção tem grande relação com lavagem de dinheiro e financiamento do tráfico e terrorismo, o que afeta gravemente a questão da segurança pública. Outro tema muito debatido no contexto recente e que tem impacto direto na perspectiva dos direitos humanos.
A corrupção se estabelece de diferentes formas e ambientes e por isso é um problema complexo a ser solucionado. É preciso compreender a sua existência a partir de um sistema orgânico e mutável que cria e se apropria de espaços ou mecanismos para que relações com interesses escusos se estabeleçam. É nesse sentido que não há uma solução ou caminho único. A punição é a forma que se evidencia e materializa para a sociedade o combate à corrupção, no entanto não é o único elemento necessário, tampouco o mais importante. Diante de sua complexidade o combate a esse problema deve incluir o fortalecimento das instituições democráticas (e nesse caso, é preciso inclusive revisitar as estruturas que foram distorcidas para corroborar com o sistema de corrupção) e mecanismos de prevenção e controle social.
Frente a esse debate, o Instituto Ethos, que desde a sua fundação dedica-se a projetos e iniciativas em combate à corrupção e promoção de integridade, tem atuado no sentido de compreender a complexidade das causas e efeitos da corrupção de forma a correlacionar com as demais agendas e, sobre essa perspectiva, planejando suas ações para os próximos anos. Nesse sentido, compartilhamos a seguir algumas conexões entre a agenda do combate à corrupção e as demais agendas em que atuamos.
Corrupção e os Direitos Humanos
A cada novo escândalo de corrupção percebemos o quanto os compromissos e obrigações de direitos humanos são prejudicados. Um dos chefes de direitos humanos da ONU certa vez disse a corrupção é “corrosiva com a agenda de direitos humanos”. A corrupção é uma ação de manipulação de políticas públicas e motivação de privilégios na alocação de recursos, impactando a função social do poder público, por exemplo na prestação de serviços (como saúde, educação, saneamento), provocando a exclusão de comunidades vulneráveis no acesso aos direitos fundamentais e colaborando com o estado de miséria e fome em que se encontram famílias em todo o mundo e inclusive as afetadas pela seca no nordeste brasileiro. Sob essa questão, poderíamos ainda citar as perseguições e a privação de liberdades civis daqueles que identificam e expõem os casos de corrupção.
Corrupção e o Meio Ambiente
A corrupção gera um sério impacto sobre o meio ambiente. Uma série de setores ambientais são vulneráveis à corrupção, como por exemplo: a proteção de espécies ameaçadas de extinção, o abastecimento de água, a exploração de petróleo, o extrativismo, a mineração, etc. Os processos de concessão de licenças ambientais são altamente suscetíveis a atos de corrupção. A transparência da agenda ambiental ainda é um desafio na sociedade brasileira que tenta exercer maior controle, por exemplo, no processo de desmatamento e expansão da fronteira agrícola.
Cultura de Integridade
Combater a corrupção necessariamente significa uma mudança cultural. Desde 2017 o Ethos fomenta essa ideia e procurou trabalhar nesse posicionamento junto as empresas que aderiram ao Movimento Empresarial pela Integridade e Transparência, de modo a promover uma mudança na forma como os negócios são realizados no país.
Para o ambiente corporativo é salutar entender esse novo momento onde a cultura de integridade deve permear as relações. “As empresas têm um grande potencial de impacto na agenda de integridade e, por consequência, nos impactos sobre as demais agendas. Transitar para uma cultura de integridade é mudar a motivação e a as relações do setor privado, pautado em bases íntegras, justas e transparentes”, acredita o diretor-presidente do Ethos, Caio Magri.
Outros movimentos também têm caminhado nesse sentido, como a campanha Unidos contra a Corrupção, encabeçada pela Transparência Internacional, com apoio do Ethos, que compilou o pacote intitulado: Novas medidas contra a corrupção. Um documento com 70 medidas em observância ao combate à corrupção de uma forma sistêmica e complexa.
“Para o Ethos é importante relembrar nesse dia tão importante do combate à corrupção o aspecto real dessa luta para que possamos constantemente repensar/recriar nossas ações na agenda de integridade. A fim de caminharmos para o objetivo de uma sociedade mais justa e sustentável”, conclui Magri.
Brasília terá uma importante agenda no Dia Internacional contra a Corrupção
Hoje é o Dia Internacional contra a Corrupção, em Brasília terá uma importante agenda promovida pelos órgãos de controle e fiscalização no âmbito federal. No Ministério da Justiça, um seminário sobre o tema reúne o ministro Sérgio Moro, o ministro da Controladoria Geral da União, Wagner Rosário, e o ministro do STF Luiz Fux. A Controladoria-Geral da União, por sua vez, vai apresentar as ações desenvolvidas no primeiro ano do governo Bolsonaro. Os debates não estão restritos ao poder Executivo.
O Conselho Nacional do Ministério Público realiza amanhã e terça-feira um congresso no qual serão debatidos temas como o combate à lavagem de dinheiro, a governança ética, a desburocratização no enfrentamento da corrupção. No Legislativo, a expectativa se concentra sobre o Senado, onde a Comissão de Constituição e Justiça se prepara para votar na terça-feira o projeto de lei que determina a prisão em segunda instância. Espera-se que esses movimentos contra a corrupção resultem efetivamente em uma mudança na cultura política nacional