A Reforma Administrativa e o Servidor Público Federal

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Veja as principais mudanças que o governo quer implementar para servidores

Para economistas, reforma administrativa é inevitável para o Brasil

PEC Emergencial reduz salários e é inconstitucional, diz Fonacate.

Funcionalismo cresceu 123% em três décadas, mostra levantamento

Veja as principais mudanças que o governo quer implementar para servidores

A reforma administrativa deve ser prioridade do governo em 2020 e deve gerar atrito com servidores, que prometem resistir

Depois da aprovação da nova Previdência, um dos principais desafios do governo para controlar as despesas públicas será fazer a reforma administrativa. A expectativa era de que o texto fosse enviado ao Congresso ainda neste ano, mas o Executivo não o entregou, ficando a missão, portanto, para 2020. Entre os motivos para a demora está a pressão dos servidores para barrar mudanças que alterem significativamente suas atribuições e benefícios. O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a matéria ainda não tinha sido enviada porque a equipe econômica estava aparando as “arestas”.   

Relatório do Banco Mundial apontou que, em 2019, 44% dos servidores receberam mais de R$ 10 mil por mês; 22%, mais de R$ 15 mil; e 11%, mais de R$ 20 mil. Em 20 anos, o número de funcionários cresceu cerca de 84%, passando de 6,26 milhões para 11,5 milhões, enquanto, no período, o aumento da população foi de cerca de 30%.

O governo federal emprega cerca de 12% do total dos servidores do país, mas é responsável por mais que o dobro (25%) do gasto total com o funcionalismo público. O Banco Mundial estimou que, se fossem reduzidos todos os salários iniciais a, no máximo, R$ 5 mil mensais e esticado o tempo para chegar ao fim da carreira, seria possível economizar R$ 104 bilhões até 2030. Reduzir os atuais salários iniciais em 10% teria impacto financeiro imediato de R$ 26,35 bilhões no período.

A intenção do governo é tentar fazer o dever de casa, por meio da reforma administrativa, com redistribuição de receitas e flexibilização do Orçamento, por meio de desvinculação, desobrigação e desindexação de gastos (proposta apelidada de “plano DDD”). Entre as metas do Ministério da Economia estão corte da quantidade de carreiras (de 117, com mais de 2 mil cargos, para 20 ou 30), revisão dos critérios de estabilidade dos atuais funcionários, fim da estabilidade e salários menores para futuros servidores (de funções operacionais mais simples) e criação da carreira de funcionário temporário e sem estabilidade, uma espécie de trainee. O novo servidor deverá ser efetivado após dois anos, se cumprir critérios de bom desempenho — e a regra valeria também para juízes, procuradores e promotores.

O plano prevê ainda critérios objetivos de avaliação de desempenho, com premiação dos bons servidores, demissão por atuação insatisfatória e transferência de funcionários de um órgão para outro. Em relação à remuneração, a intenção é aproximar os valores dos rendimentos do funcionalismo ao dos trabalhadores da iniciativa privada em funções ou formação acadêmica semelhantes. Também existe a intenção de revisar o sistema de licenças e gratificações, o fim da progressão automática por tempo de serviço e a regulamentação da lei de greve para o funcionalismo. (veja quadro ao fim da matéria) 

Bomba

O economista Marcos Mendes, consultor licenciado do Senado e um dos idealizadores do teto de gastos, diz que as alterações são fundamentais. Ele destaca que a grande dificuldade em fazer reformas foi se consolidando há anos no país. Ao longo do tempo, os servidores armaram, contra a administração, uma bomba que pode explodir a qualquer momento pelo excesso de poder que conquistaram. “Poder que vem do direito de sindicalização e de greve, aliado à estabilidade no emprego. É um modelo de gestão que soma judicialização com autorização para mobilização”, critica. “Os servidores foram hábeis em criar vitimização. A qualquer ameaça de mudança, dizem que surgiu mais um vampiro querendo acabar com a vida deles.”

Já os altos salários provocam uma distensão no mercado de trabalho. “Os jovens estudam com o único objetivo de fazer concurso”, afirma. Quanto à estabilidade, ele acha que deve ser mantida apenas para carreiras de Estado, como diplomata, juiz, auditor-fiscal, funções que não existem no setor privado. As demais — médicos, professores, enfermeiros, entre outras — não devem ter essa garantia, para facilitar a dispensa em casos de crise fiscal. “Em uma cidade pequena, os prefeitos ficam reféns. Uma greve de policiais ou médicos acaba com uma gestão e com a possibilidade de reeleição, por exemplo”, argumenta.

Isso se transforma, conforme frisa Mendes, em uma “judicialização negociada”. “Com anuência dos gestores dos órgãos públicos, que defendem sua categoria. Não é que vão cometer erro de propósito, mas aceitam interpretações”, ressalta. “O próprio Judiciário é muito corporativo. No Brasil, alguns órgãos têm autonomia financeira. O orçamento deles é sagrado. É um instrumento de apropriação da renda.” Por conta disso, os governos (federal, estaduais e municipais) precisam de espaço para flexibilizar o emprego público e enxugar a folha de pagamento. “Principalmente os estados, são os que mais precisam fazer o dever de casa”, diz. 

O que o governo quer mudar no funcionalismo

A reestruturação da administração federal faz parte do programa de modernização do Estado. Muitas das propostas já estão em vigor e têm amparo legal. Servidores, por exemplo, já podem ser demitidos, ou ter horários e salários reduzidos, em caso de crise fiscal

Orçamento flexível
Com a reforma administrativa, o governo busca a redistribuição de receitas e a flexibilização do orçamento, com desvinculação, desobrigação e desindexação de gastos (reforma apelidada de “plano DDD”)

Menos carreiras

Hoje são 117, com mais de 2 mil cargos. A intenção é reduzir o número de carreiras para 20 ou 30

Estabilidade
Metas: revisão dos critérios de estabilidade dos atuais servidores e fim da estabilidade para futuros servidores, que terão salários iniciais menores

“Trainee”

O governo também quer criar uma carreira de servidor temporário e sem estabilidade, uma espécie de “trainee”. A ideia não é nova e tem como base critério usado pelo Exército, de militar temporário, que pode permanecer na caserna por até oito anos. O novo servidor deverá ser efetivado após dois anos se cumprir critérios de bom desempenho. A regra valeria também para juízes, procuradores e promotores

Avaliação de desempenho
Serão adotados critérios objetivos de avaliação de desempenho, com premiação dos bons servidores e demissão por atuação insatisfatória. A avaliação terá dispositivos para facilitar a transferência de funcionários de um órgão para outro. Busca-se também simplificar parcerias do setor privado com autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. Foi criado um novo Código de Conduta para o servidorCarreiras
Hoje existem dois tipos de carreiras no serviço público: servidores comissionados e os com estabilidade. Estão em análise mais quatro, mas ainda não se sabe com que configuração

Demissão

Atuais e novos servidores de determinadas carreiras, ainda não definidas, não poderão ser demitidos sem justa causa

Operacionais

O projeto pretende retirar a estabilidade de funções operacionais mais simples, como os de secretárias, administrativos de RH, assistentes de TI e equipes de limpeza, entre outros

Remuneração

Com uma reestruturação do sistema de remuneração e de promoções, os rendimentos dos servidores deverão ficar mais próximos aos dos trabalhadores da iniciativa privada

Revisão de benefícios
Nesse aspecto, busca-se: revisão do sistema de licenças e gratificações, fim da progressão automática por tempo de serviço e regulamentação da lei de greve para o funcionalismo

Fontes: Ministério da Economia, Casa Civil, Presidência da República, sindicatos, associações e federações de servidores

Para economistas, reforma administrativa é inevitável para o Brasil

Não existe conflito entre dar um bom atendimento à população e fazer ajuste fiscal, na análise do economista Marcos Mendes. “Pelo contrário. Sem reforma administrativa, vamos perder a oportunidade de sermos um país mais justo. Boa parte da renda não vai para os pobres. A reforma administrativa vai atingir os cidadãos de altos salários”, justifica.

Avaliação semelhante tem a economista Ana Carla Abrão, ex-servidora do Banco Central e secretária de Fazenda de Goiás em 2015 e 2016. Ela entende, inclusive, que o momento é propício para a reforma. “Em vários lugares, os servidores não estão sequer recebendo os salários em dia”, lembra.

 

Além disso, há uma série de elementos que formam um panorama negativo no setor: desde o problema fiscal e uma grande concentração de gastos obrigatórios até a qualidade dos serviços públicos, passando pela situação de precariedade dos servidores no atendimento das demandas do cidadão. “Essa conjunção de fatores, aliada a um Congresso mais reformista, em particular, de fato cria um ambiente mais favorável, ou menos difícil, à proposição da reforma administrativa”, assinala.

Apesar do gasto crescente, a máquina pública não apresenta resultados concretos, frisa Abrão. “Na verdade, boa parte da avaliação da qualidade dos serviços é negativa, ou seja, a gente está piorando. O próprio servidor hoje sofre com esse modelo operacional em que se gasta muito e se entrega pouco.”

A economista também defende a revisão das diversas leis de carreiras nos Três Poderes, que foram multiplicando promoções e progressões automáticas, dificultando a capacidade de avaliar e de demitir servidores — previsão, por sinal, que já existe na Constituição. “Precisamos focar na avaliação de desempenho para valorizar os bons servidores e demitir aqueles que não estão prestando um bom serviço para a população”, afirma. “E, finalmente, precisamos reavaliar as carreiras, para tirar reservas de mercado e permitir contratar pessoas de forma a nos adequarmos ao atual momento.”

Inchaço

Para o economista Newton Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB), é inegável o inchaço do setor público. Ele defende, porém, que o debate sobre reforma administrativa deve ser qualificado, porque não se pode olhar somente para um lado. “Principalmente no Judiciário e no Legislativo, há cargos com remuneração muito acima do que o mercado paga”, destaca. “A sociedade quer mudança, mas, até agora, a equipe econômica se mostrou incapaz de tirar recursos de quem ganha mais. Isso somente seria feito com uma reforma tributária.”

Na avaliação de Marques, o governo também precisa combater dados divulgados pelos servidores que não condizem com a verdade. “O corporativismo diz que o salário tem de ser corrigido pela inflação. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. O que define os reajustes dos servidores é a receita, a arrecadação”, ressalta.

Para Armando Rovai, professor de direito administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não há saída para o país sem a reforma administrativa. “Pelo que se viu até agora, a proposta do governo é ousada, válida e importante para organizar o país e torná-lo competitivo. O Estado vai ter de cortar na própria carne”, frisa. Será preciso, ainda, fazer valer as leis que já existem e que não são obedecidas, diz o professor. “Falta organização. São cerca de cinco milhões de leis. Temos de fazer com que o Brasil as cumpra. Não pode haver leis que pegam e que não pegam”, critica. (VB)

PEC Emergencial reduz salários e é inconstitucional, diz Fonacate

O funcionalismo está de olho na tramitação de várias propostas que poderão afetá-lo diretamente, principalmente o pacote fiscal — PECs Emergencial e do Pacto Federativo e Regra de Ouro. Há também projetos que tratam da demissão por insuficiência de desempenho, extinção do abono permanência, veto à concessão de qualquer benefício para servidores com salário acima de R$ 10 mil, entre outros. 
 
O presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, reclama que o governo vem surpreendendo os servidores com propostas que não foram devidamente discutidas com o funcionalismo. “Fomos pegos de surpresa em várias situações. Com as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 186 e 188 de  2019, que tratam da Emergência Fiscal e do Pacto Federativo, não foi diferente”, frisa. “O clima entre os servidores e o governo, que já era ruim após a condução da PEC 06/2019 (reforma da Previdência), está mais deteriorado. Além disso, a nossa avaliação é de que a medida (PEC Emergencial) fere claramente o princípio constitucional da irredutibilidade salarial.”
 
Para Osiane Arieira, presidente do Sindicato dos Funcionários da Susep (SindSusep), o governo tem divulgado números errados com o objetivo de desinformar. “A redução de 25% nos salários, por exemplo, vai deixar de pagar R$ 10 bilhões ao servidor. No entanto, 40% do salário é Imposto de Renda, Previdência e contribuições”, frisa.
 
Roberto de Goes Ellery Júnior, coordenador do curso de economia, administração e contabilidade da UnB, afirmou que o governo teve a “infeliz ideia de falar em explosão da folha de pagamento”. “Isso não bate com os dados. Os gastos com pessoal continuam em 4,1% em relação ao PIB”, afirma. Para ele, é razoável suspender promoções e progressões, enquanto durar a emergência fiscal. “A PEC Emergencial tem coisas interessantes, mas vender isso, aumentando o tamanho da folha fica feio para o próprio governo”, critica.
 
Ele diz que reduzir pessoal implicará resultados negativos. “Como prestar o serviço à população? O governo está cada vez enxugando mais, com medidas de restrição econômica. Se não pode gastar no básico, a população ficará desassistida. Vão aumentar os bolsões de pobreza. Infelizmente, é o que vamos ver”, destaca.

Produtividade

O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, lembra que o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, pretende compensar a redução da quantidade de servidores com o aumento da eficiência e da produtividade. “O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. Apesar da carga tributária elevada, os serviços, de uma forma geral — pois há ilhas de excelência — são de péssima qualidade”, critica.
 
Como apontou o Banco Mundial, ressalta o economista, o problema não está na quantidade de servidores, mas nas remunerações. Por isso, a redução do efetivo, que será acelerada nos próximos anos pela grande quantidade de aposentadorias, precisa ser planejada para que a qualidade, que já é ruim, não fique mais deteriorada.
 
De acordo com Castello Branco, o sistema bancário mostrou que o aumento da informatização pode reduzir o movimento nas agências e a quantidade de funcionários, sem perda da qualidade dos serviços. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também tem experiência semelhante. “As entidades da sociedade civil e o Ministério Público devem acompanhar esse processo para que a transformação seja bem-sucedida”, ressalta. 

Sem aumento

Servidores públicos não devem ter aumento nos próximos anos. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, já havia mencionado a previsão do governo de ficar por, pelo menos, três anos sem reajustar os vencimentos. Recentemente, o advogado-geral da União, ministro André Luiz de Almeida Mendonça, disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo “não é obrigado a dar aumento anualmente”. Os reajustes somente serão possíveis se houver orçamento para bancar a elevação dos gastos com a folha de pagamento. Mendonça deixou claro que um dos pontos importantes na atuação do órgão foi evitar que o Executivo se visse obrigado a indenizar servidores públicos que não tinham autorização do Congresso para a revisão anual dos vencimentos. Os dados do relatório, a título de exemplo, mostram que “um reajuste de apenas 1% da folha de pagamento da União (superior a R$ 355 bilhões anuais), retroativo a janeiro de 2018, causaria impacto econômico de R$ 1,64 bilhão”.

Funcionalismo cresceu 123% em três décadas, mostra levantamento

O recente estudo Três Décadas de Evolução do Funcionalismo Público no Brasil, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que o funcionalismo público cresceu 123% no Brasil de 1986 a 2017, de 5,1 milhões para 11,4 milhões — no mesmo período, o setor privado teve alta de 95%. O salto maior ocorreu nos municípios, com aumento de 276%, ou seja, eles têm seis de cada grupo de 10 funcionários do país. Os estaduais respondem por 50%, e os federais (incluindo civis e militares), por 28%.

 
 

A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, com base em dados do próprio Ministério da Economia, nega “o mito de que o Estado é intrinsecamente ineficiente”. No estudo Reforma Administrativa do Governo – contornos, mitos e alternativas”, destaca que a Previdência, que contava com 18,9 milhões de beneficiários em 2002, passou para 30,9 milhões em 2018. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) saltou de 2,3 milhões para 4,6 milhões, no período. Os procedimentos ambulatoriais do SUS chegaram a 3,8 bilhões em 2013, contra 1,8 bilhão em 2002. As matrículas na educação profissional, de nível médio, subiram de 279 mil em 2002 para 1,8 milhão em 2018. “Dessa discussão, não se depreende que fazer mais com menos não seja importante, como, aliás, em várias áreas se faz mais com a mesma quantidade de servidores públicos”, assinala a Frente.   

Crédito: Vera Batista/Correio Braziliense – disponível na internet 31/12/2019

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