Caso Belorizontina: como distinguir uma intoxicação alimentar comum de algo mais grave?

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Até o momento, existe a suspeita de que 17 pessoas — 16 homens e uma mulher — possam ter desenvolvido a síndrome. Desses casos, quatro foram confirmados — duas dessas pessoas morreram — e os outros estão sendo analisados.

As primeiras notificações sobre a síndrome ocorreram em 30 de dezembro passado, segundo a Secretaria de Saúde de Minas Gerais. Na data, foi relatado o caso de uma paciente com quadro de insuficiência renal aguda e alterações neurológicas. No dia seguinte, houve uma nova notificação sobre a enfermidade, até então desconhecida. A partir de então, logo surgiram outros casos suspeitos.

Depois das primeiras notificações, diversos exames foram solicitados e excluíram mazelas como arboviroses, febres hemorrágicas (febre amarela, hantavirose, leptospirose e riquetisioses), infecções bacterianas e fúngicas sistêmicas. O diagnóstico da síndrome veio dias depois dos primeiros registros. 

As apurações iniciais feitas por equipes da Secretaria de Saúde de Minas Gerais e do Ministério da Saúde apontam que os pacientes tiveram problemas de saúde após consumir a cerveja Belorizontina, da Backer. Os sintomas apontaram intoxicação por dietilenoglicol, um solvente que é utilizado, por exemplo, como aditivo em radiadores.

A Backer pediu na terça-feira (14), por meio de seus representantes, que os clientes não consumam as cervejas Belorizontina e Capixaba até que o caso seja apurado. A empresa informou ainda que não sabe a origem das substâncias encontradas nos produtos e disse que aguarda as apurações do caso.

Na tarde desta quarta-feira (15), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que análises apontaram que a água utilizada pela Backer na fabricação das cervejas estava contaminada – ao menos sete lotes, seis da Belorizontina e um de outra marca da empresa, a Capixaba, foram afetados.

O levantamento da pasta apontou que em quatro dos lotes havia, além do dietilenoglicol, a substância monoetilenoglicol, ou etilenoglicol – solvente usado em formulações de fluídos hidráulicos resistentes ao fogo. A principal suspeita é de que as substâncias levaram a quadros de síndrome nefroneural.

Especialistas consultados pela BBC News Brasil explicam que a síndrome, de fato, pode levar a quadros graves e até mesmo à morte.

Para tentar reduzir os danos, o ideal é que a doença seja descoberta cedo. Mas, afinal, como diferenciar uma intoxicação alimentar comum de algo mais grave?

Intoxicação

Há algumas características que podem mostrar uma típica intoxicação alimentar.

“Nesses casos, são algumas horas, entre três ou seis, em que a pessoa pode passar mal. É uma forma de o organismo se livrar daquilo que lhe faz mal, por meio de vômito ou diarreia”, explica o médico toxicologista Eduardo Mello De Capitani, do Centro de Informações e Assistência Toxicológicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Capitani ressalta que é importante buscar ajuda médica se o paciente passar mal repetidas vezes. “É bom procurar um serviço de saúde para fazer uma avaliação e também para a pessoa não ficar desidratada. Principalmente quando a pessoa tem um sintoma como febre, é fundamental procurar ajuda médica”, diz.

Mesmo as intoxicações alimentares podem ser mais sérias – o botulismo, por exemplo, é um exemplo de intoxicação grave.

“Mas às vezes é apenas um caso em que a pessoa comeu algo que lhe fez mal. É uma situação que vai ser resolvida após ela vomitar e se hidratar corretamente”, completa.

No caso específico da cervejaria, especialistas apontam que foi possível perceber que não se tratava de uma intoxicação alimentar simples, principalmente, quando apareceram sintomas como insuficiência renal grave — que pode aparecer em até 72 horas em casos da síndrome — e alterações neurológicas.

“Nesses casos como o de Minas, é possível notar problemas além do quadro gastrointestinal, habitual em casos de intoxicação alimentar. A síndrome nefroneural traz, junto com problemas no aparelho digestivo, dificuldades no sistema nervoso central e periférico, além da insuficiência renal”, afirma o infectologista Rogério Valls de Souza, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“No caso da intoxicação alimentar, como é popularmente conhecida, a infecção é causada por alguma bactéria. Mas no caso da intoxicação da cerveja, trata-se de substâncias químicas que não deveriam estar naquele ambiente ou alimento e não poderiam ser consumidos por seres humanos”, diz Capitani.

O toxicologista lembra que pode ser difícil diagnosticar rapidamente casos de síndrome nefroneural.

“Os sintomas específicos da síndrome podem demorar a aparecer. O mal-estar pode, por exemplo, ser confundido com embriaguez. Pode ser difícil para o médico, a princípio, diferenciar. São quadros que podem ter diagnósticos difíceis, por isso é preciso uma avaliação mais aprofundada”, declara Capitani.

Os médicos apontam que quanto antes houver o diagnóstico e o início do tratamento, mais chances de que a síndrome não traga graves consequências aos pacientes.

“Se demorar muito para haver uma intervenção, pode causar quadro de insuficiência renal prolongado, caso neurológico com sequela ou cegueira”, diz Souza.

Cervejas recolhidas

Após o início das suspeitas sobre a contaminação das cervejas, o Ministério da Agricultura determinou o recolhimento de todos os produtos da Backer e a suspensão da fabricação das cervejas após apontar que outras marcas da empresa também podem estar contaminadas.

Uma força-tarefa foi criada para apurar o caso. Os processos de fabricação das bebidas estão sendo investigados. O ministério informou que há três hipóteses: sabotagem, vazamento ou uso inadequado das moléculas de monoetilenoglicol no processo de refrigeração do sistema de fabricação.

Ainda segundo a pasta, a fiscalização apontou um uso elevado de monoetilenoglicol no sistema de refrigeração da cervejaria — a substância é muito utilizada como anticongelante.

O levantamento mostrou que 15 toneladas do insumo foram comprados pela empresa desde 2018, com picos em novembro e dezembro passado. “Como a refrigeração é um sistema fechado, em princípio, não haveria justificativa para essa aquisição em grande escala”, informou a pasta.

Saiba mais >>> Botulismo: o que é e como evitar a intoxicação alimentar que pode levar à morte  www.bbc.com/portuguese/geral-48341184

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