Navio russo suspeito de espionagem coloca Marinha brasileira em alerta

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Embarcação Yantar desapareceu do monitoramento logo após autoridades entrarem em contato; barco sempre esteve na mira dos governos de todo o mundo por ter tecnologia capaz de rastrear comunicações feitas por meio de cabos submarinos

A Marinha brasileira monitorou durante uma semana um navio russo de pesquisa e inteligência suspeito de espionagem na Europa e nos Estados Unidos. O sinal de alerta foi aceso no último dia 10, quando o Centro Integrado de Segurança Marítima do Rio de Janeiro detectou o Yantar, uma embarcação de tecnologia avançada de sensores, dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil. Logo após um primeiro contato, o navio sumiu do monitoramento, levantando a hipótese de que o equipamento AIS, que permite a sua localização, tenha sido desligado.

Uma operação de patrulha do navio foi imediatamente desencadeada. No fim da tarde do domingo, 16, um helicóptero da Marinha e um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) localizaram a embarcação a 50 milhas (80 quilômetros) das praias do Rio. Numa primeira abordagem, a tripulação russa não atendeu às chamadas. Depois, deu resposta evasiva à pergunta sobre o trabalho que realizava. O barco, nesse momento, já estava próximo do litoral fluminense, numa área de cabos submarinos de internet, atracando na noite do dia 18 no porto do Rio, onde deve ficar até o fim de semana.

 
 

Um militar consultado pelo Estado disse que o desligamento do sistema de identificação pode envolver tentativas de espionagem ou procedimentos fora da normalidade pelo navio. Para ele, a navegação do Yantar pela costa brasileira não era ilegal, mas seu “desaparecimento” por seis dias foi considerado estranho. O que mais intrigou as autoridades náuticas foi o fato de a embarcação, que vinha do Uruguai, “reaparecer” perto dos cabos submarinos de comunicação que ligam o Brasil a outros países, após ficar por quase uma semana com o seu aparelho identificador desligado.

A embaixada da Rússia no Brasil não se manifestou na quinta-feira, 20,  sobre a presença do Yantar em águas brasileiras. A Marinha brasileira, por sua vez, informou que não levanta suspeitas. Disse ainda que, na condição de responsável pelo controle do tráfego marítimo, adota procedimentos previstos em normas internacionais de navegação a serem cumpridas pelas autoridades marítimas.

Precedentes

Com sensores de alta tecnologia para rastrear o fundo do mar, o navio oceanográfico Yantar sempre esteve na mira de governos. A embarcação está há cinco anos em atividade. Desde seu lançamento, a Rússia costuma repetir que o navio de 5.700 toneladas e 108 metros atua em pesquisas científicas e em ajuda a outros países.

Entre dezembro de 2017 e abril de 2018, o Yantar atuou nas buscas do submarino ARA San Juan, que desapareceu na costa argentina. Depois, em junho, ao passar pelo Canal da Mancha, a embarcação foi escoltada de forma preventiva pela Força Aérea do Reino Unido e tratada como um “navio espião” pela imprensa londrina. Em novembro de 2019, causou suspeita por desligar o radar no mar do Caribe e na costa dos EUA. Autoridades americanas levantaram a suspeita de que os pequenos submarinos transportados pelo Yantar operam especialmente no rastreamento de áreas de cabos submarinos.

Conexões

Os cabos submarinos ligam os servidores de internet de países de diferentes continentes. Estima-se que essas ligações respondam por 99% das comunicações transoceânicas e 97% das conexões de internet entre os servidores do mundo. Nesta semana, o serviço de inteligência da Irlanda flagrou agentes russos investigando cabos submarinos de fibra ótica que conectam a Europa aos Estados Unidos. A segurança dos dados que passam pelos cabos é uma preocupação central de Washington e Europa.

Na Zona Econômica, o Brasil tem direito exclusivo de exploração de todos os recursos marinhos, na água, solo e subsolo, como petróleo, gás natural e frutos do mar. A área corresponde a 3,6 milhões de km², espaço maior do que as regiões Nordeste, Sudeste e Sul juntas. Nesta zona marítima, o País também monitora e orienta o tráfego de embarcações.

A rede de comunicação nos oceanos é composta por 378 cabos submarinos, uma ligação de 1,2 milhão de quilômetros. É um sistema em expansão contínua. Além disso, esse mercado tem crescido continuamente, com diversos projetos em andamento para lançamento de novos cabos submarinos. Isso quer dizer que uma ruptura desses cabos pode não apenas causar danos gravíssimos à economia global, como deixar países inteiros sem acesso à internet. 

O temor, no caso da Irlanda, é que pontos fracos na estrutura desses cabos pudessem permitir o hackeamento das informações ou até mesmo que eles pudessem ser cortados, interrompendo o tráfego de dados.

Crédito: Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo – disponível na internet 22/02/2020

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Cenário: Uma máquina de coletar informações de cabos submarinos

O Yantar ouve e vê tudo até 6 mil metros de profundidade. Classificado pela Marinha da Rússia como navio de inteligência, primeiro de duas unidades construídas sob o Projeto 22010, da Diretoria de Pesquisa Subaquática, subordinada ao Ministério da Defesa, a embarcação viaja pelo mundo desde que foi incorporada à frota russa, em 2015. Em 2018, participou intensamente da flotilha internacional envolvida na busca ao submarino argentino ARA San Juan, que em novembro de 2017 naufragou no Atlântico Sul, a 500 km de Comodoro Rivadavia. Morreram 44 militares. 

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Rastreada. A embarcação russa Yantar ancorada no Porto do Rio: em 2018, embarcação foi escoltada pela Força Aérea britânica ao passar pelo Canal da Mancha Foto: Wilton Junior/Estadão

A Marinha dos Estados Unidos sustenta que, em paralelo ao emprego em operações humanitárias, a embarcação de 5,7 mil toneladas, 108 metros e equipagem de 60 a 83 tripulantes, faz mais que pesquisa científica e, eventualmente, buscas – também é capaz de coletar secretamente as informações que circulam nos cabos submarinos que conectam redes de comunicações no fundo dos oceanos do mundo todo. Uma espécie de sonda de tecnologia avançada captura os sinais apenas pela proximidade. O material é então desviado para os computadores de bordo. No interior do navio há consoles de computadores e laboratórios. Do lado de fora, grandes antenas sob domos de proteção.

O Yantar, e seu parceiro, o Almaz – em fase final de construção nos estaleiros de Kaliningrado – são, a rigor, naves-mãe, cada um deles podendo lançar dois minissubmarinos de 25 toneladas da classe Konsul, tripulados por três operadores. O tempo de missão é estimado em 12 horas a profundidades no limite dos 6 mil metros. Além desses modelos maiores, os navios têm capacidade para operar versões menores de submersíveis remotamente controlados. 

O trabalho sigiloso do navio foi reconhecido pelo Parlamento russo por meio do semanário oficial Parlamentskaya Gazeta, que, ao apresentar o Yantar, destacou “os acessórios para rastreamento em alto-mar e dispositivos ultrassecretos para se conectar a cabos de comunicação”. 

A folha corrida da unidade naval é extensa. A Marinha dos Estados Unidos identificou o navio no verão de 2016 ao largo do litoral da Georgia, navegando por águas internacionais, mas no eixo de uma base de submarinos americanos armados com mísseis nucleares. Antes disso, já havia sido identificado em Cuba, na Baía de Guantánamo, e pouco depois ancorado no Porto de Nuuk, na Groenlândia, um entroncamento importante das telecomunicações no extremo norte da Europa. 

Os serviços de inteligência israelenses reportaram a presença do Yantar no Mediterrâneo em 2017, próximo de um ponto pelo qual passa o cabo de fibra ótica que liga Israel a uma central no Chipre que estabelece links com grande parte da Europa. No mesmo ano, a agência britânica de inteligência relatou que a embarcação usava “seus recursos secretos” para localizar aviões russos de ataque Sukhoi-33 e MiG-29 eventualmente abatidos ou acidentados sobre o mar da Síria. Um relatório de 2019 do Real Instituto de Serviços para Estudos da Defesa, revela que os navios de inteligência da Rússia “perambulam discretamente por áreas estratégicas o tempo todo em todo o mundo”. 

Crédito: Roberto Godoy, O Estado de S.Paulodisponível na internet 22/02/2020

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