Um terço do agrotóxico vendido pelas maiores empresas do setor é ‘altamente perigoso’, diz publicação; Brasil é ‘maior mercado’

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Aproximadamente um terço da receita das principais fabricantes de agrotóxicos do mundo vem de produtos classificados como “altamente perigosos” — que têm como destino, em sua maioria, países emergentes, como Brasil e Índia, e países pobres.

Essa foi a conclusão de um levantamento feito pela Unearthed, organização jornalística independente financiada pelo Greenpeace, em parceria com a ONG suíça Public Eye. Em 2018, as vendas desse tipo de pesticida renderam cerca de US$ 4,8 bilhões às cinco maiores companhias do setor.

“Quase metade (41%) dos principais produtos das gigantes agroquímicas BASF, Bayer, Corteva, FMC e Syngenta contêm pelo menos um pesticida altamente perigoso (HHP, sigla em inglês para highly hazardous pesticides)”, afirma a publicação.

As vendas dessas mercadorias, por sua vez, representaram 35% da receita das cinco multinacionais, segundo a Unhearted. Mais de dois terços das vendas foram feitas a países de renda média e baixa, sendo o Brasil o principal mercado.

“O Brasil compra mais pesticida do que qualquer outro país”, diz a publicação. “A aprovação de novos produtos pesticidas por reguladores brasileiros, incluindo os que contêm HHPs, cresceram nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.”

As empresas citadas discordam dos números por questionarem a classificação de agrotóxicos “altamente perigosos” feita pela Pesticide Action Network (PAN) e utilizada como base pela publicação.

Em entrevistas em meados do ano passado, quando o Brasil liberou novos defensivos agrícolas no mercado, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que os produtos não eram “veneno no prato de ninguém” se fossem usados corretamente e que os produtos novos são “menos tóxicos”.

Fumigação de uma plantação de soja no Brasil
Grandes culturas de soja e milho transformaram o Brasil no principal comprador de agrotóxicos do mundo. Direito de imagem AFP

‘Altamente perigosos’

O levantamento da Unearthed com a Public Eye apontou ainda que 27% dos agrotóxicos vendidos em países ricos são considerados altamente perigosos. No Reino Unido, a proporção é de apenas 11%.

Por outro lado, 45% dos agroquímicos vendidos pelas cinco empresas em países de renda média e baixa se encaixam na categoria. Na África do Sul, a cifra sobe para 65%, na Índia, para 59% e no Brasil, para 49%.

O Brasil é o país que mais compra pesticidas no mundo, diz o levantamento, movimentando um total estimado em US$ 3,3 bilhões (R$ 14,5 bilhões) apenas em 2018 – ano do recorte da pesquisa. Os produtos são usados principalmente para o cultivo de soja, milho e algodão.

A vizinha Argentina comprou aproximadamente US$ 229 milhões em agrotóxicos no período, sendo 47% deles de HHP. Já o México, US$ 115 milhões, sendo 42% HHP.

Como o levantamento foi feito

A Unearthed e a Public Eye analisaram dados dos 43 países que mais consomem pesticidas no mundo, cruzando-os com a lista de produtos altamente perigosos da Pesticide Action Network (PAN).

A tabela — questionada pelas empresas citadas — inclui produtos que contenham pelo menos um componente identificado como altamente prejudicial à saúde ou ao meio ambiente por autoridades como a Organização Mundial de Saúde, a Agência Europeia de Substâncias Químicas, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

“Os critérios considerados pela PAN são com frequência critérios ambientais ainda sem consenso ou respaldo (da OMS ou da FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura)”, afirmou Christoph Neumann, diretor de regulação internacional da CropLife, grupo lobista do qual fazen parte as cinco multinacionais mais a japonesa Sumitomo.

Ele acrescentou que 19 entre os produtos classificados como altamente perigosos e mais comercializados, 12 têm a venda permitida na União Europeia e 18, nos Estados Unidos.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, a Bayer qualificou a análise feita pela Unearthed como “enganosa”, ainda que não tenha apresentado outros dados.

Bayer
Grandes empresas do setor questionam classificação de muitos dos pesticidas considerados altamente perigosos. Direito de imagem GETTY IMAGES

A CropLife já argumentou no passado que os HHP são uma ferramenta importante para lutar contra a perda de colheitas e um importante último recurso para produzir alimento suficiente para uma população em crescimento.

O grupo diz ainda que a maior parte dos produtos considerados altamente perigosos vendidos nos países emergentes e pobres não são fabricados por seus membros e que tem “liderado com o exemplo” capacitando milhões de pessoas com técnicas de redução de risco.

Baskut Tuncak, relator especial das Nações Unidas para substâncias tóxicas e direitos humanos, rechaçou, contudo, a ideia de que os riscos representados pelos HHP possam ser manejados de uma forma segura.

“Estamos em meio a uma explosão invisível do uso de agrotóxicos em países de renda média e baixa que estão mal equipados para lidar com esses perigos”, afirmou Tuncak à Unearthed.

O que são os HHP

A OMS e a FAO definem os HHP como “pesticidas que reconhecidamente representam riscos agudos ou crônicos à saúde ou ao meio ambiente segundo os sistemas de classificação internacionalmente aceitos”.

Os riscos ambientais incluem a contaminação de fontes de água ou a “interrupção de funções do ecossistema”, como a polinização.

A ONU, entretanto, não tem uma lista própria dos HHP.

Tomando como a base a tabela compilada pela PAN, quase um quarto das vendas das cinco maiores empresas do setor em 2018 vieram de pesticidas que ofereceriam algum risco à saúde humano, incluindo alguns possivelmente carcinogênicos, enquanto 10% viria de produtos que tóxicos para as abelhas.

Os ‘vilões’

Levando-se em consideração o volume de vendas, o destaque é do glifosato, que movimentou mais de US$ 1 bilhão em 2018, de acordo com a publicação.

Desenvolvido pela Monsanto antes de a empresa ser adquirida pela Bayer, o pesticida foi identificado como “possível cancerígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), outra classificação questionada pelas companhias e por várias agências reguladoras.

Glifosato
A proibição do glifosato é discutida em vários países europeus. Direito de imagem AFP

Entre os agroquímicos que poderiam representar perigos crônicos à saúde há o glufosinato, herbicida produzido pela BASF, e o fungicida agrícola ciproconazol, da Corteva, que reguladores da União Europeia já classificaram como prejudiciais para o feto, à fertilidade e à função sexual.

A principal ameaça para as abelhas, por sua vez, são representadas pelos inseticidas neocotinoides produzidos pela Bayer e Sygenta, que já foram proibidos na União Europeia — mas que têm no Brasil um importante mercado.

A suíça Sygenta é também a principal vendedora de pesticidas classificados pela OMS como altamente tóxicos.

Entre eles se destaca o paraquat, herbicida tóxico proibido no país sede da companhia e na União Europeia.

Crédito: BBC Brasil – disponível na internet 24/02/2020

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