Gasto total dos TRFs com magistrados ficou em R$ 563,2 milhões no ano passado. Quantias incluem indenizações e benefícios, não só salários
Os magistrados dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) custaram aos cofres públicos, em 2019, o montante de R$ 563,2 milhões. Esse valor não se refere apenas a salários, mas a indenizações e demais direitos e benefícios assegurados e pagos a eles. Segundo dados coletados pelo (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, no portal de transparência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dezenas de magistrados receberam legalmente, em média, acima do teto constitucional, hoje em R$ 39.293,00.
São casos como o do juiz Carlos Vinícius Calheiros Nobre, que aparece nas planilhas do CNJ como tendo recebido R$ 621.750,37. Segundo os dados do órgão responsável por fiscalizar e ordenar a magistratura, o magistrado ligado ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) teve depositados na conta, em média, a cada mês, R$ 47,8 mil. A soma de salários – que seguem o teto – com as vantagens é que permite o recebimento de valores acima do limite estabelecido formalmente.
Os salários dos juízes não podem ultrapassar a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – atualmente em R$ 39.293. Esta matéria não entra nessa questão, pois apresenta, além dos salários dos juízes, benefícios e indenizações recebidas por eles, os chamados “penduricalhos”, aos quais a maior parte da população brasileira e servidores públicos em geral não tem acesso.
Na lista, aparecem também casos como o do juiz Bruno Leonardo Câmara Carrá, também do TRF-5, que embolsou R$ 614.349,51, entre salário e indenizações. Na sequência, vem o colega de tribunal Leonardo Augusto Nines Coutinho, que recebeu R$ 607.681,86.
O juiz Luiz Bispo da Silva Neto aparece na listagem com R$ 590.384,34. Atrás dele, está Frederico Wildson da Silva Dantas, que recebeu R$ 575.090,94, e Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com R$ 525.462,63 embolsados no ano passado. Na sequência, o magistrado Emanuel José Marias Guerra, do TRF-5, com R$ 524.036,08.
A lista de maiores remunerações na soma de salários e vantagens segue com a juíza Karla Nanci Grando, do TRF-2, com R$ 502.944,81. Ela é seguida por André Luís Maia Tobias Granja, do TRF5. Ele embolsou R$ 501.481,93.
O juiz Rafael Tavares da Silva, também do tribunal da 5ª Região, surge com R$ 491.211,69. Em seguida, Roy Reis Freide, do TRF-2, com R$ 489.273,07.
No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o juiz Bruno Cesar Bandeira Apolinário aparece como um dos mais bem remunerados. Ele embolsou R$ 488.579,45. De acordo com ele, a quantia foi recebida porque está auxiliando a corregedoria do tribunal e também devido a indenizações, visto que não gozou férias nos últimos dois anos.
“Os juízes auxiliares e servidores têm direito ao recebimento de diárias para custear as despesas havidas durante a estada nas cidades para as quais se deslocam. Parte dos valores auferidos ao longo do ano foram em razão desses deslocamentos”, diz nota do juiz.
O juiz Osair Victor de Oliveira Júnior, do TRF-2, recebeu o montante de R$ 486.932,10.
Dados conflitantes
Uma das integrantes desta lista, vinculada também ao TRF-5, é Joana Carolina Lins Pereira, que atua em Brasília. Segundo informações do CNJ, ela recebeu R$ 628,7 mil entre janeiro e dezembro de 2019. Pelas planilhas do órgão, a média mensal embolsada pela magistrada pela soma de salários com as vantagens legais da carreira foi de R$ 48,3 mil. A juíza, no entanto, procurou a reportagem depois da publicação para pedir a correção dos dados, com base nos comprovantes de vencimentos que enviou. A documentação da própria magistrada demonstra que ela recebeu um valor bruto bem abaixo do apontado nas planilhas do CNJ: R$ 487.611,39. O valor equivale a uma média em 13 meses de pouco mais de R$ 37.500, abaixo do teto constitucional.
A assessoria de comunicação do TRF-5 lembra que os valores das vantagens da carreira, que incluem benefícios que vão de auxílio-alimentação de R$ 10,9 mil ao ano a indenizações por férias não gozadas, não fazem parte dos salários – e não são sujeitos, segundo decisões do CNJ, ao teto constitucional. Outro acréscimo que embala os contracheques dos juízes federais são os referentes às convocações para auxiliar no juízo de 2ª instância. Quem é chamado para atuar nos TRFs passa a receber adicional de remuneração em relação a juízes de primeiro grau. Outra parte do bolo de remuneração são eventuais diárias recebidas durante deslocamentos.
A magistrada Isabelle Marne Cavalcanti de Oliveira Lima aparece no CNJ como tendo recebido R$ 625.781,49. A assessoria do TRF-5 informou que o valor registrado pela juíza é um pouco menor, de R$ 589.357,82. Ainda assim, no caso, ela teve uma média mensal de remuneração (salários mais vantagens) de R$ 45,3 mil.
Explicações
O Metrópoles entrou em contato com a assessoria de todos os tribunais citados, informando o valor depositado a cada magistrado e questionando os critérios utilizados para os pagamentos aos juízes. Até o momento, apenas o juiz Bruno Apolinário e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região retornaram. O espaço continua aberto para esclarecimentos.
Os dados apresentados fazem parte de um levantamento realizado pelo Metrópoles, com base em informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os gastos correspondem ao período do mandato do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (sem partido), e à aprovação da reforma da Previdência.
O posicionamento do TRF-5 inclui um esclarecimento sobre tudo o que não conta para fins de enquadramento no teto constitucional salarial. Veja o trecho da nota enviada pela assessoria da Corte:
“Para fins de enquadramento no teto remuneratório constitucional, o artigo 4º da Resolução 14/CNJ estabelece que ficam excluídas da incidência do aludido teto as seguintes verbas:
I – de caráter indenizatório, previstas em lei:
a) ajuda de custo para mudança e transporte;
b) auxílio-alimentação;
c) auxílio-moradia;
d) diárias;
e) auxílio-funeral;
f) auxílio-reclusão;
g) auxílio-transporte;
h) indenização de férias não gozadas;
i) indenização de transporte;
j) licença-prêmio convertida em pecúnia;
k) outras parcelas indenizatórias previstas em lei e, para os magistrados, as previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal.
II – de caráter permanente:
a) remuneração ou provento de magistrado decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal;
b) benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas.
III – de caráter eventual ou temporário:
a) auxílio pré-escolar;
b) benefícios de plano de assistência médico-social;
c) devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidos;
d) gratificação do magistrado pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005;
e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público;
f) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório.
IV – abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária, conforme previsto no art. 40, § 19, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003.
Além disso, a Gratificação por encargo de curso/concurso, prevista na Lei nº 8.112 (estatuto dos servidores públicos federais) se refere à atividade extraordinária, desempenhada por servidores públicos na qualidade de membros de bancas examinadoras ou comissões de concursos e processos seletivos realizados pelo órgão, e não está sujeita ao teto remuneratório constitucional, conforme Resolução nº 294/2014 do Conselho da Justiça Federal/CJF.
Destaque-se também que, de acordo com o artigo 7º da Resolução 13 do CNJ, não se somam entre si nem com a remuneração do mês em que se der o pagamento, para fins de respeito ao teto constitucional, os valores relativos ao pagamento do adiantamento de férias, do 13º salário, do terço de férias, bem assim do adicional de serviço extraordinário.
As rubricas percebidas pelos magistrados (de natureza fixa ou eventual) podem ser assim enumeradas:
• 13 (treze) remunerações mensais (incluindo o abono anual/13º salário), no valor de R$ 33.689,11, sendo descontados, em média, R$ 7.500,00, a título de IRPF, e a contribuição previdenciária;
• Gratificação por acúmulo de jurisdição (verba não paga aos juízes auxiliares da Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria, portanto, não recebida pelas Juízas Federais Joana Carolina Lins Pereira e Isabelle Marne Cavalcanti de Oliveira Lima);
• Adicional de 1/3 de férias;
• Auxílio-alimentação (indenização também paga a todos os servidores públicos federais) no valor mensal de R$ 910,08, perfazendo R$ 10.920,96 ao ano;
• Auxílio-saúde (indenização paga apenas aos servidores e magistrados que não se encontram vinculados ao plano de saúde oficial do Tribunal);
• Auxílio pré-escolar (indenização também paga a todos os servidores públicos federais com filhos de até 6 [seis] anos de idade), no valor mensal de R$ 719,62, por dependente;
• Indenização de férias não gozadas (paga apenas mediante requerimento, submetido ao Conselho de Administração do Tribunal);
• Diárias de viagem;
• Diferença por requisição de juiz auxiliar, correspondente à diferença entre a remuneração de juiz titular e de desembargador;
• Gratificação por encargo de concurso;
• Gratificação natalina;
• Auxílio-natalidade;
• Ajuda de custo (paga apenas nas hipóteses de mudança de sede)
A nota da assessoria da corte só fala da legalidade dos salários (fundamentada na Resolução do CNJ e legis em vigor). Como visto, é legal, mas, MORAL, não é.