Os cinco fatores que levaram a Bolsa brasileira à pior queda do século

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O surto global do novo coronavírus levou o mercado financeiro mundial a mergulhar em seu pior momento desde a crise econômica de 2008.

Nesta segunda-feira (09/03), a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve suas negociações suspensas temporariamente após atingir 10% de queda pouco depois do início do pregão — levando ao acionamento do mecanismo chamado de circuit breaker.

O Ibovespa, principal índice da Bolsa, fechou o dia em queda de 12,17%, caindo a 86.067 pontos, a maior baixa percentual diária desde 10 de setembro de 1998. Na Bolsa de Nova York, nos EUA, também houve suspensão nas atividades.

O dólar comercial terminou o dia no Brasil a R$ 4,73, em alta de 2,03%.

Além disso, o preço do petróleo registrou ao longo do dia a maior queda em quase 30 anos. O valor do barril do tipo Brent caiu quase 30% na abertura dos mercados na Ásia.

Mas como uma questão de saúde afeta tanto o humor dos investidores? A BBC News Brasil lista abaixo os cinco principais fatores para o tombo.

1. O fator China

A epidemia atual do coronavírus começou na China, e o país asiático é o mais afetado até agora pela doença causada pelo vírus, a covid-19. Até agora, foram registrados 80.859 casos entre os chineses — 3.122 pessoas morreram.

Com cidades sob quarentena e empresas fechadas, a segunda maior economia do mundo já começa a sofrer os impactos da crise sanitária. E, dada a sua importância para o comércio mundial, começa a afetar seus parceiros.

“A China assumiu um papel muito importante no comércio mundial. O que ela importa, mas também o que ela exporta, é muito importante, diretamente, para muitos países, e, indiretamente, para muitos outros”, diz José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, à BBC News Brasil.

“O país compra petróleo, soja e ferro do Brasil, por exemplo. O que isso significa? Que se a China crescer menos, vai comprar menos dos brasileiros. E isso vale para todos os parceiros, é uma coisa enorme no mundo.”

O gigante asiático também vende produtos como peças e equipamentos eletrônicos a outras economias ao redor do mundo, que, por sua vez, os utilizam para montar produtos vendidos em território nacional (ou exportados).

“Então, se você tem um evento lá que interrompe a produção, o fluxo de pessoas e o comercial, o que é uma questão sanitária na China, vira uma questão econômica lá e no mundo”, diz Lima Gonçalves.

Analisando exame de coronavírus
Brasil investiga mais de 930 casos suspeitos de coronavírus. Direito de imagem EPA

2. Disseminação global

Os efeitos da disseminação da doença, porém, já não estão mais restritos àqueles causados pela desaceleração chinesa. Nas últimas semanas, o novo coronavírus se espalhou por todos os continentes, ameaçando uma desaceleração do crescimento econômico e uma redução nos lucros de grandes empresas ao forçar o fechamento de fábricas, a suspensão de viagens e o cancelamento de grandes eventos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, onde há 554 casos registrados e 21 mortes, o festival de inovação e cultura SXSW (South by Southwest), que acontece desde 1987, foi cancelado pela primeira vez. Gigantes da tecnologia, como Facebook, Google e Amazon fecharam parte de seus escritórios e aconselharam funcionários a trabalharem de casa.

A Itália colocou todo o país em quarentena enquanto luta para conter a disseminação do coronavírus. O país europeu é o segundo com mais mortes no mundo, com 463 vítimas da covid-19 (ao todo, são 9.172 infectados).

Com o aumento do número de casos em cada vez mais países, muitos lugares têm adotado restrições a viagens para tentar conter o avanço do surto. Com isso, o setor aéreo tem sido fortemente impactado, com cancelamentos de voos pelas empresas e pelos passageiros. Países que dependem da atividade turística também podem sofrer com a redução da movimentação.

Estimativa da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês) indica que as companhias aéreas podem perder até US$ 113 bilhões (R$ 523 bilhões) em receita este ano devido ao impacto do vírus.

Dados os efeitos esperados na produção e receita das empresas e no comércio exterior, economistas já começaram a revisar suas projeções para o crescimento mundial neste ano.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como “clube dos países ricos”, anunciou na semana passada que a economia global pode crescer na taxa mais baixa desde 2009.

A instituição prevê um crescimento global de 2,4% em 2020, uma queda em relação à previsão feita em novembro, de 2,9%.

Para a OCDE, se o surto for mais duradouro e intenso, ele pode derrubar essa taxa para 1,5% em 2020.

Os voos parecem estar operando nos aeroportos de Milão, apesar da quarentena
Os voos parecem estar operando nos aeroportos de Milão, apesar da quarentena. Direito de imagem AFP

3. Segurando gastos

Diante da expectativa de que o mundo cresça menos, a disposição dos investidores e empresas para gastar também diminui.

“Quem vai investir nesse mundo? Se você ia comprar uma máquina para produzir mais, mas o mundo vai comprar menos, não tem porque investir nesse equipamento. Tudo que era investimento vai ser revisto, porque a expectativa é que a contração do comércio contraia a economia”, diz Lima Gonçalves, do Fator.

“E se você para, o seu fornecedor para também. E, como não está produzindo, começa a demitir. Quem vende para essas pessoas demitidas também é impactado, e isso pode gerar uma recessão. E quanto mais demora (para melhorar), mais eu perco. E aí todo mundo coloca o pé no freio.”

Um relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês) prevê que o avanço do coronavírus deve gerar redução de 5% a 15% no fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no mundo neste ano.

A previsão anterior era de alta de 5%.

A incerteza também impacta os consumidores, de duas maneiras: o temor com o estado da economia pode afetar seus gastos no curto e médio prazos, fazendo-os comprar menos e poupar mais — afetando, novamente, a atividade econômica; e levando-os a evitar atividades que poderiam expô-los ao risco de infecção, como sair para fazer compras, por exemplo.

Restaurantes, revendedoras de carros e lojas já têm registrado quedas na demanda.

As vendas de carros na China, por exemplo, caíram 92% durante a primeira metade de fevereiro. Por outro lado, fabricantes como Tesla e Geely estão vendendo mais pela internet.

Entregas de telefones celulares também devem sofrer um grande recuo no primeiro semestre de 2020 — o setor estima, por outro lado, que a recuperação seria rápida.

A Apple já detectou essa demanda fraca.

Cientista exibe teste de coronavírus
Pacientes com coronavírus devem ficar em isolamento. Direito de imagem GETTY IMAGES

4. Tchau, Brasil

Tudo isso tem impacto direto nos mercados financeiros. Em um cenário de incerteza global, os investidores querem fugir de aplicações que representem risco. Por isso, a tendência é que tirem dinheiro de bolsas de valores, especialmente em países emergentes, e invistam em ativos mais seguros, como ouro, dólar e títulos de dívida de economias consideras seguras.

“[Em uma situação como essa], você vai fazer o que com o seu dinheiro? Vai investir no Brasil? Não. Porque ele não vai crescer. Os juros que paga são muito baixos [a taxa Selic está atualmente em 4,25% ao ano] e não tem como ganhar dinheiro com aquela economia” diz Lima Gonçalves.

“Então, vou tirar meu dinheiro de lá e colocar nos EUA, Suíça, Japão, em que eu sei que vou perder 1%. Aqui [no Brasil], se você comprar Bolsa, pode perder 10%, 35%. Então, isso faz todo mundo ficar mais cauteloso e tirar dinheiro dos países que devem sofrer mais com isso, os emergentes e os países que apresentam maior dificuldade.”

Para Eduardo Velho, estrategista da INVX Global, o grande canal de impacto no Brasil é a taxa de câmbio, “porque ela absorve todo o efeito desse choque externo”.

“Em um cenário de menor crescimento econômico e menor faturamento das empresas, as pessoas demandam mais moeda ou ativos de segurança”, afirma.

Pessoas caminham em frente a uma tela que mostra queda de bolsa de Hong Kong
Bolsas da Ásia iniciaram a queda generalizada nesta segunda-feira. Direito de imagem GETTY IMAGES

5. E o petróleo nisso tudo?

A forte queda no preço do petróleo foi atribuída à decisão da Arábia Saudita de aumentar substancialmente sua produção e começar a oferecer em certos mercados descontos de até 20% nos preços do petróleo bruto.

A Arábia Saudita é o maior exportador de petróleo do mundo e é considerada uma líder não declarada da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

Ela tem uma capacidade de produzir mais de 12 milhões de barris diários, o que lhe permite aumentar ou reduzir sua produção com muito mais facilidade que outros países do mercado.

Depois de uma baixa nos preços do petróleo que começou em 2014, no final de 2016 um grupo conhecido como OPEP+ se formou, reunindo todos os países membros dessa organização e outros produtores. Entre eles, a Rússia, com o objetivo de coordenar cortes de produção que permitiriam recuperar preços.

A estratégia funcionou e foi se alongando até a sexta-feira, quando uma proposta de novos cortes para fazer frente aos desafios impostos pelo coronavírus foi rechaçada por Moscou. O país árabe, então, optou por aumentar sua produção.

Segundo analistas, a decisão atual seria o primeiro passo de uma guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia.

Depois da ruptura do acordo, muitos especialistas consideraram que a Rússia estava efetivamente apostando em deixar cair um pouco o preço do petróleo para tentar debilitar os produtores americanos, que têm custos de produção mais altos e, portanto, podem ser vulneráveis ante uma queda continua dos preços.

Embora a Arábia Saudita também tenha na mira as empresas petrolíferas americanas, os especialistas acreditam que sua nova política significaria a abertura de uma guerra de preços contra a Rússia.

Mohammed bin Salman e Vladimir Putin
A Arábia Saudita e a Rússia parecem ter desistido de seguir cooperando para estabilizar o preço do petróleo. Direito de imagem GETTY IMAGES

Quais as perspectivas de melhora?

De acordo com os analistas, é difícil dizer qual notícia poderia, neste momento, melhorar o ambiente nos mercados. “Ainda não está visível o que seria um sinal de melhora. Você precisa ter um sinal muito claro de que [o vírus] parou de se espalhar, que é o primeiro passo para dizer que os prejuízos vão ser interrompidos” diz o economista-chefe do Banco Fator.

“As perdas não serão revertidas, mas para de piorar. E aí você baixa um pouco o nível de incerteza, e a coisa pode melhorar de maneira importante. Quando? Não faço ideia. Quanto tempo leva para melhorar? Não sei, depende de quanto tempo dura [o surto].”

Nesta segunda-feira, a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, afirmou que será necessária uma resposta internacional coordenada para conter os danos econômicos da epidemia de coronavírus, envolvendo medidas de políticas monetária e fiscal.

“Os governos vão ter que gastar, com foco em saúde e foco em emprego, isso é a parte boa dessa discussão” afirma Lima Gonçalves.

“A perspectiva de curtíssimo prazo ainda é de uma piora adicional. Mas uma ação coordenada dos bancos centrais, em política monetária e cambial, limita isso”, diz Eduardo Velho, da INVX.

Para ele, tanto o surto de coronavírus quanto o choque do petróleo serão resolvidos — no segundo caso, ele aposta na disposição da Rússia de negociar. “É preciso, porém, ver quanto tempo isso vai demorar.”

Crédito: BBC Brasil – disponível na internet 10/03/2020

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