Quebrar patentes hoje é Soberania

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Todos nós sabemos que um país se torna soberano ao se livrar das amarras da dependência e direcionar suas políticas públicas às necessidades de suas populações, priorizando aqueles grupos mais negligenciados e vulneráveis.   
 
Sabemos também que, para um país se tornar soberano, é necessária sua capacitação tecnológica e a proteção social para sua população. Esses são dois extremos e, no meio, temos a quebra de patentes, que hoje se situa na ordem do dia no Brasil.   
 

Desenvolver plenamente nossa soberania implica fortalecer nossa capacidade produtiva, pública e privada, nos setores farmoquímico e farmacêutico e na biotecnologia, e não ter medo de enfrentar a Medicina do Futuro ou Medicina Individualizada com terapia gênica e celular.   

Entretanto, para fazer isso de maneira coordenada, é necessário que nossos governantes reconheçam a importância de investir em Ciência e Tecnologia, nas universidades públicas e institutos de pesquisa, nas relações universidade-empresa. 

É necessário retomar os esforços empreendidos pelo governo, entre 2003 e 2015, quando a política industrial caminhou lado a lado com a política de saúde, acarretando incorporação de tecnologias, aumento da nossa capacidade produtiva direcionada a produtos estratégicos e um forte componente de compromisso com nossa soberania nacional. Ao contrário do desmonte e das políticas recessivas e restritivas, o desprezo pelos servidores públicos e cientistas que observamos na atualidade.

As primeiras manifestações e as potenciais consequências da Covid-19 no acesso a medicamentos no Brasil deveriam ter espelhado as ações e alertas de outros países. O Senado dos EUA convocou audiência pública para requerer informações sobre potencial desabastecimento. A Índia, principal exportador de medicamentos genéricos no mundo, estabeleceu lista de 26 produtos para os quais qualquer exportação teria que passar por autorização expressa do governo.

E por que motivo se fala hoje em quebrar patentes como mecanismo que pode assegurar que tenhamos, no Brasil, acesso aos produtos que mostrem utilidade nas ações de vigilância, prevenção, detecção, diagnóstico e tratamento de Covid-19? Uma única vez, o mecanismo de licença compulsória foi utilizado no Brasil, em 2006, para retirar o monopólio de preços decorrente do Efavirenz, ARV [antirretroviral] utilizado na resposta brasileira ao HIV/Aids, naquela época considerada como modelo para o mundo!

Diante da pandemia de Covid-19, não podemos ficar reféns dos monopólios que setores da indústria farmacêutica vão querer impor, transformando o acesso a produtos que salvam vidas em privilégio de poucos e quebrando o preceito de acesso universal e nossa premissa constitucional de “Saúde como direito de todos e dever do Estado”.

Da mesma maneira como se deu o monopólio que a empresa detentora da patente do Sofosbuvir, para tratamento da Hepatite C, hoje essa mesma empresa tenta patentear um dos produtos que fazem parte do grande estudo clínico Solidarity em mais de 70 países, com a finalidade de assegurar seu monopólio e sua fixação de preços.

Diante da pandemia de Covid-19, não podemos ficar reféns dos monopólios que setores da indústria farmacêutica vão querer impor, transformando o acesso a produtos que salvam vidas em privilégio de poucos e quebrando o preceito de acesso universal

Temos que ter a coragem de voltar a utilizar o termo lesa-humanidade. Mas o Brasil tem condições de antecipar políticas públicas e promover a inclusão social, como outros países já estão fazendo. Canadá, Chile e Equador são exemplos de países que promovem alterações para permitir a utilização do não reconhecimento de patentes para produtos relacionados à resposta ao coronavírus.

Na semana de 30 de março de 2020, foram protocolados na Câmara dos Deputados vários projetos de lei, medidas para garantir licenças compulsórias para a prevenção, detecção, tratamento e cura da Covid-19, cabendo destaque a Jandira Feghali e Alexandre Padilha. Esses e outros projetos foram apreciados pela Comissão Externa – Ações Preventivas Coronavírus no Brasil (CEXCORVI) e deram origem ao PL 1462-2020, protocolado em 3 de abril e submetido por 11 Deputados (Alexandre Padilha, Alexandre Serfiotis, Carmem Zanotto, Dr. Zacharias Calil, Dr. Luiz Antônio Júnior, Dra. Soraya Manato, Hiran Gonçalves, Jandira Feghali, Jorge Solla, Mariana Carvalho e Pedro Westphalen), que propõe alterar o artigo 71 da Lei 9.279/1996, para tratar de licença compulsória que possa ser concedida, de ofício, nos casos de emergência nacional ou internacional declarada publicamente pela Organização Mundial da Saúde ou pelas autoridades nacionais competentes.

Esse PL recebeu a Moção de Apoio nº 003, de 7 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Saúde – órgão máximo de controle social da Saúde no Brasil –fundamentada em uma série de considerações e como medida eficaz para a proteção da população, em especial, as parcelas mais vulnerabilizadas. 

Temos todo o conhecimento e a infraestrutura necessários, num país continental como o Brasil para cumprir nossos compromissos sociais e promover a melhoria das condições de saúde e de vida de nossas populações

Da mesma maneira, também foi contemplada a prioridade na solicitação de inclusão de Projetos de Lei à Ordem do Dia, pelo coordenador (Deputado Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr.) e pela relatora (Deputada Carmem Zanotto) da CEXCORVI, encaminhada na mesma data, por intermédio do Oficio 45/2020 ao deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.

Jorge Bermudez > Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), membro do Painel de Alto Nível em acesso  a medicamentos do Secretário-geral das Nações Unidas.

Caberá ao Plenário da Câmara, nos próximos dias, decidir entre a aposta na nossa soberania e no direito à  saúde de nossa população ou a perpetuação de nossa dependência e submissão a interesses externos! A proposta semelhante, submetida como Resolução Legislativa na Câmara dos Deputados do Chile, foi aprovada em 17 de março com 127 votos a favor e 0 votos contra!

Temos muito pela frente, mantendo o distanciamento social, evitando aglomerações, aumentando nossa capacidade de detecção, a proteção adequada aos profissionais de saúde e às populações mais vulneráveis e o necessário investimento no efetivo fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Entretanto, temos todo o conhecimento e a infraestrutura necessários, num país continental como o Brasil, para cumprir nossos compromissos sociais e promover a melhoria das condições de saúde e de vida de nossas populações.

MAIS SUS, MENOS CORONAVÍRUS!

O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz

Crédito: Jorge Bermudez/Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz) – disponível na internet 09/04/2020

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