Covid-19 expõe dependência de itens de saúde fabricados na China

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A pandemia da covid-19 evidencia a forte dependência dos países ocidentais em relação aos equipamentos e insumos médicos produzidos na China, afirma Antoine Bondaz, pesquisador da Fundação francesa para a Pesquisa Estratégica e professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Segundo ele, a crise sanitária levará a reflexões sobre o aspecto estratégico da saúde e a necessidade de produzir localmente para reduzir o risco de falta de produtos, como ocorre atualmente no mundo todo.

A China concentra mais da metade da produção mundial de máscaras e cerca de um quinto no caso dos respiradores. Apesar de ter aumentado significativamente sua capacidade produtiva desde o início da pandemia, o país não é capaz de suprir a explosão da demanda internacional, ressalta o especialista em Ásia e geoestratégia.

Por isso, as tensões internacionais provocadas pela falta de máscaras e outros equipamentos essenciais para lutar contra a doença irão continuar, diz Bondaz. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou recentemente que a pandemia de Covid-19 está longe de ter terminado.

Alguns países, como a França ou a República Tcheca, confiscaram máscaras destinadas a Itália e outros mercados. Os Estados Unidos, atual epicentro do novo coronavírus, sofreram várias acusações de desviar equipamentos no enfrentamento da pandemia – uma delas feita pelo governo da Bahia, que havia comprado centenas de respiradores chineses. O governo americano negou ter adquirido ou bloqueado o material médico brasileiro.

Antes do surgimento da covid-19, a China produzia 20 milhões de máscaras cirúrgicas por dia. Esse número diário passou para mais de 120 milhões em março. Apenas a França comprou dois bilhões de máscaras da China, que vêm sendo entregues progressivamente.

A produção chinesa do disputado modelo de máscaras com filtro, as FFP-2 (ou N95 nos Estados Unidos), utilizadas em hospitais, é mais escassa ainda, de apenas cerca de 1,6 milhão por dia atualmente.

“A forte dependência do Ocidente em relação à China nos setores ligados à saúde deve levar governos a redefinirem o que é estratégico”, afirma Bondaz.

Diante da disputa internacional por equipamentos de proteção, aparelhos, agentes reativos para testes e remédios (nesse caso também produzidos em larga na Índia), países veem a necessidade de reduzir sua exposição ao risco da falta de produtos, se tornando menos dependentes da Ásia.

É a linha adotada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que vem reiterando a importância de produzir máscaras e outros equipamentos internamente.

Em vários países, a escassez de equipamentos de proteção e outros insumos levou muitas empresas de setores variados a se voltarem para a produção desses itens. O grupo automotivo francês PSA, por exemplo, está fabricando respiradores em parceria com a Air Liquide, de gases industriais.

“Um consenso está surgindo com essa crise: o reforço da autonomia estratégica da Europa, a nossa capacidade de reduzir nossa dependência do resto do mundo e reforçar nossa capacidade de produzir, no plano sanitário, materiais de proteção e o que precisamos”, afirmou Macron, sem mencionar especificamente a China.

A declaração foi feita logo após uma reunião recente do Conselho Europeu, o encontro de chefes de Estado e de governo do continente. Para Macron, a Europa precisa ir além das iniciativas atuais de produção no setor da saúde. A reorganização das cadeias produtivas do continente “para reduzir a dependência do resto do mundo” vai ser analisada pela Comissão Europeia, segundo o líder francês.

‘Países ricos falharam’

Segundo Bondaz, os países ricos “falharam, e feio”, em não antecipar corretamente as consequências de uma eventual pandemia com propagação extremamente rápida, como a do novo coronavírus, e não se se prepararam para isso.

Por questões financeiras, diz ele, os países ricos consideraram que a produção chinesa de equipamentos médico-hospitalares, mais barata, seria suficiente para atender a demanda em caso de crise.

O pesquisador afirma que os países desenvolvidos subestimaram os riscos.

“Uma pandemia mundial respiratória necessita de equipamentos de proteção em quantidades consideráveis. Eles não souberam prever esse cenário e agora pagam as consequências”, afirma.

Para Bondaz, os países ricos “não têm desculpas” para não ter estoques, já que dispõem mais recursos para se preparar a eventuais crises sanitárias. Na França, como faltavam máscaras para os profissionais de saúde, o governo até recentemente recomendava que a população não as utilizasse, apenas as pessoas infectadas. Agora, passou a incentivar o uso geral. A mudança de discurso causou polêmica no país.

Em 2009, o Estado francês dispunha, para enfrentar uma eventual pandemia, de uma “reserva estratégica” de um bilhão de máscaras cirúrgicas e mais de 700 milhões da FFP-2. Para cortar gastos, essa reserva foi amplamente reduzida. Em março deste ano, quando a situação começou a se agravar, o estoque francês era, respectivamente, de 150 milhões de máscaras cirúrgicas e zero de FFP-2, segundo o Ministério da Saúde.

“O maior problema é que as economias ricas, que enfrentam uma grave crise sanitária, dispõem de meios limitados e não têm capacidade para ajudar os demais países”, diz Bondaz. O governo norte-americano, por exemplo, afirmou que só ajudará o Brasil com insumos médicos quando a situação melhorar nos Estados Unidos.

“Em vez de ajudar, os países ricos estão acirrando a competição pelos equipamentos, tornando a situação mais difícil para os demais”, afirma o pesquisador. Além disso, a forte demanda provocou a explosão dos preços.

Países da América Latina e África, diz ele, onde a pandemia chegou posteriormente, têm de concorrer com economias ricas que podem pagar mais pelos produtos, rapidamente e fazem encomendas gigantes – como os dois bilhões de máscaras comprados pela França.

Isolamento do Brasil

Uma saída apontada pelo pesquisador seria que o Brasil fizesse compras de máscaras e outros equipamentos em conjunto com países da América Latina para ter mais peso na disputa com economias ricas pelos produtos.

Quando a situação sanitária melhorar nas economias ricas, elas devem começar a ajudar os países em desenvolvimento. A União Europeia tende a se voltar para a África, como já faz tradicionalmente, diz Bondaz.

No caso do Brasil, o isolamento diplomático do país na atual gestão deve complicar a possibilidade de ajuda internacional (exceto, possivelmente, a americana) para combater a pandemia, afirma o pesquisador.

Na semana passada, a OMS apresentou uma aliança global de colaboração científica para acelerar a pesquisa de tratamentos, testes e vacinas para a covid-19. A iniciativa foi impulsionada por Macron e conta com a adesão de líderes de vários países.

O Brasil, apesar de ter tido papel de destaque em ações para facilitar o acesso global a medicamentos, não foi convidado para o evento que lançou a aliança. Foi o caso também dos Estados Unidos.

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