Como será o trabalho agora que nos acostumamos ao home office
A imagem dos escritórios em constante movimento, cenário central da rotina de uma imensa parcela dos habitantes das metrópoles, pode sofrer mudanças permanentes — mais uma transformação provocada pela pandemia num espaço de interação e produção.
Enquanto o mundo vive a experiência coletiva inédita do home office, pesquisadores analisam o impacto da Covid-19 sobre o escritório, ambiente padrão que refletiu ao longo dos séculos mudanças fundamentais nas relações de trabalho.
Tema frequente da ficção, que tantas vezes se inspirou nas tramas passadas em salas de reunião ou ao redor delas, a rotina corporativa também ficará marcada pelo antes e o depois da pandemia.
Desde os primórdios até hoje em dia
Um dos legados do coronavírus pode ser o fim da era dos escritórios como os conhecemos? Londres mergulhou nessa discussão — mais uma das tantas crises existenciais dos últimos meses.
Na capital britânica foi erguido o que é considerado o primeiro prédio de escritórios da História: o Old Admiralty Office, inaugurado em 1726 pela Marinha Real. Só no fim do século XIX, o conceito de salas de trabalho começou a se espalhar pelo mundo, sofrendo uma série de metamorfoses até a revolução das tecnologias móveis. Hoje, Londres — referência mundial em setores tão diversos quanto bancos e start-ups — está entre as cidades que mais investem em espaços de coworking.
Para o consultor Grant Kanik, da empresa de arquitetura Foster + Partners, em Londres, é prematuro apostar na “morte do escritório” como consequência do coronavírus. Ele acredita que, mesmo com os onipresentes smartphones, só o espaço físico permite uma interação única e não linear entre as pessoas que está diretamente ligada à criatividade e continuará sendo fundamental.
“Inovação é um esporte que exige contato. Não acredito no fim dos escritórios, mas a pandemia serve de alerta para as empresas. Pode ser a morte de um conceito único do que significa um espaço profissional” Grant Kanik, consultor da empresa de arquitetura Foster + Partners, em Londres – Alertando que esta não será a última emergência global que a Humanidade tem pela frente
Quando passaram a ser parte integral da paisagem urbana, os edifícios empresariais tinham jeito de fábrica, com os funcionários sentados em fileiras, observados por gerentes em salas próprias. Era uma reprodução da frieza das linhas de montagem das fábricas. O primeiro edifício a marcar o início dessa era foi o Larkin Building, em Buffalo (Nova York), projetado por Frank Lloyd Wright em 1903, e já demolido.
A humanização veio lentamente, com planos mais abertos e um layout menos hierárquico. Depois da Segunda Guerra Mundial, as mulheres entraram com mais força em cena, mas em cargos subalternos.
Quem assistiu à série “Mad Men” — clássico sobre o dia a dia de uma agência de publicidade nos anos 60 — sabe que enquanto Don Draper (Jon Hamm) bebia, dormia e traía a mulher na hora do expediente, Peggy (Elisabeth Moss) trabalhava em dobro para vencer num mundo dominado por ternos.
A produção recriou com fidelidade o clima da Park Avenue e seus arranha-céus, símbolo da arquitetura corporativa modernista. O escritório foi se adaptando às características de cada época — houve também o tempo dos cubículos, terreno fértil para a ficção sobre humor no escritório — até a entrada na era virtual.
O pesquisador David Cook, da University College London, estuda o fenômeno dos nômades digitais — turma que trabalha remotamente, sem endereço fixo. Ele agora avalia o trabalho à distância sob a perspectiva da quarentena — situação de emergência bem distinta daquela dos que optaram pela “estrada virtual” como estilo de vida. O que o mundo tem experimentado nos últimos meses não é uma questão de escolha, mas pode trazer aprendizados, acredita:
— Quando a pandemia começou, muitas pessoas comemoraram o fato de poder trabalhar de casa, e evitar o deslocamento diário. Mas, com o passar do tempo, a desestruturação da rotina vai deixando as pessoas ansiosas. Elas sentem falta de direção — diz ele. — As pessoas agora entendem que o trabalho também é um espaço social.
O gênio saiu da garrafa
Cook acredita que o futuro será marcado por escritórios adaptados para refletir a negociação de formatos híbridos nas áreas em que isso for possível. A pandemia mostrou que empresas podem funcionar sem a ocupação máxima de suas salas. Para ele, vai ser difícil retornar ao modelo pré-pandemia sem mudanças:
— Depois que o gênio sai da garrafa é difícil fazer ele voltar — compara.
Segundo Alesandro Ranaldi, especialista em design corporativo da Foster + Partners, equipes de diferentes setores têm demonstrado sentir falta das trocas que acontecem não apenas em reuniões, mas também nos intervalos entre elas — encontros casuais que janelas virtuais não permitem. Ele enfatiza que é preciso pensar no futuro dessas relações humanas além dos efeitos da Covid-19.
— O escritório precisa se transformar para reforçar esse senso de comunidade — avalia ele, citando o exemplo da Apple, que tem em sua sede londrina até sala de música e é referência quando o assunto é o novo escritório.
Crédito: Claudia Sarmento, especial para o Segundo Caderno de O GLOBO – disponível na internet – 06/07/2020