Tecnologia com humanidade

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A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia

Há anos, trabalho no estudo da comunicação via mídias sociais e no desenvolvimento de narrativas que envolvem a transmissão de mensagens de maneira assertiva em plataformas nas quais a história deve ser construída em imagens fixas ou em takes de até 15 segundos.

A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia – e também como somos impactados por informações veiculadas muitas vezes em uma única imagem ou frase que pode atingir milhões de pessoas.

Entender e respeitar a força e o poder desses novos veículos que estamos todos aprendendo a usar faz parte do estar alinhado com um novo mundo. Em mais uma semana de trabalho, e assistindo ao avanço de fake news e de ataques de extrema violência nessas mídias, vou trazer para nossa conversa semanal as virtudes necessárias em 2020.

A justiça é um importante ponto de reflexão para os dias de hoje.

Ilustração ‘Justiça’, para a coluna de Alice Ferraz  Foto: Juliana Azevedo – @Estadão

Segundo pesquisa recente feita pelo Ibope, mais de 90% dos brasileiros afirmam que deveria haver leis que regulamentem as redes sociais para combater a disseminação de notícias falsas.

Além disso, a pesquisa mostra a vontade da população para que as contas que não são de pessoas de verdade, sejam rotuladas como robôs.

Um projeto de lei, que já está no Senado, pretende transformar em crime o uso de contas falsas nas redes sociais ou de robôs sem o conhecimento das plataformas.

Ok, Alice, mas o que isso tem a ver com nossa busca pelas virtudes, assunto proposto para este mês de reflexões? Explico. Em cada notícia falsa disparada ou postada, existe um fator humano que colabora de maneira decisiva para que ela ganhe escala e cause estragos.

Algo que explicam como “efeito manada”, termo usado para descrever o comportamento de indivíduos que reagem todos da mesma forma quando estão em grupo, mesmo sem análise ou informação suficientes para tomarem determinada decisão.

Centenas e até milhares de pessoas, em efeito manada, contribuem para a dispersão das fake news.

A informação falsa, distribuída via mídias sociais para grupos de amigos e seguidores, pode vir acompanhada de ataques violentos.

Com esses comportamentos, as pessoas deixam de usar a Justiça, uma das mais importantes virtudes humanas. O termo virtude, segundo o dicionário, é a disposição do indivíduo de praticar o bem, são hábitos constantes que regulam nossos atos, ordenam nossas emoções e guiam nossa conduta. 

Olhando por esse ângulo, cometer uma injustiça é abrir mão de uma virtude. A própria Justiça. E no mundo atual, em que informações falsas sobre quaisquer assuntos têm o poder de prejudicar a saúde, destruir relações, carreiras e negócios, como deixar só a cargo da lei e tirar nossa própria responsabilidade do que ocorre nas mídias sociais? 

Como podemos, enquanto indivíduos, não nos dar conta de que cada notícia falsa e criminosa tem em nossas próprias atitudes sua plataforma de amplificação? Pessoas que compactuam com o efeito manada, munidas de suas próprias ferramentas, atacam e compartilham histórias falsas e inventadas sem pensar que podem estar cometendo injustiças.

“A Justiça só existirá se a fizermos, se existem justos para defendê-la”, dizia Alain, pseudônimo do filósofo e pacifista francês Émile Chartier (1868-1951).

A regra de ouro para se entender de maneira simples o lugar da Justiça é se colocar no lugar do outro.

Usar a tecnologia disponível para a comunicação para disseminar informações sem comprovação seria um lugar onde nenhum de nós gostaria de estar se essas fake news fossem sobre nós e nossas famílias.

Então por que agir diferente quando o assunto é com quem não conhecemos?

Mais de 150 empresas se uniram nos Estados Unidos e na Europa na campanha Stop Hate for Profit (pare de dar lucro ao ódio, em tradução livre), em que elas pretendem suspender a publicidade em algumas plataformas de mídia social como protesto pela falta de ação contra o discurso de ódio nessas redes.

No Brasil, que possui a audiência mais engajada do mundo em redes sociais, liderando também os rankings de tempo de conexão diária, podemos, com mais consciência e uma busca de mais justiça, mudar o cenário de raiva para o de cuidado, usando outra virtude pouco falada, a prudência.

“A ética da responsabilidade, que se preocupa com as consequências das nossas ações”, diria Max Weber.

Agir e reagir de maneira impulsiva e sem prudência ou bom senso como é costume quando estamos no espaço das mídias sociais leva à injustiça. Individualmente, temos o poder para realizar essa mudança.

Crédito: Alice Ferraz, O Estado de S.Paulo – disponível na internet 06/07/2020

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