Como o ambientalismo se tornou um ativo financeiro

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Empresas e investidores se preocupam cada vez mais com preservação ambiental, em busca de rentabilidade no longo prazo e temendo efeitos das mudanças climáticas. No Brasil, cresce pressão sobre governo Bolsonaro.    

Proteção da Amazônia: mais de 50 CEOs de empresas brasileiras lançaram manifesto pedindo combate ao desmatamento

Nascida na contracultura, longe do poder econômico e político, a defesa de um ecossistema sustentável é uma bandeira cada vez mais empunhada pelos donos do dinheiro grosso, como fundos de pensão e de investimento. Além de novos atores, o ambientalismo financeiro tem novos motivos. Em vez do dever ético de preservar o planeta para as próximas gerações, há o dever de assegurar rentabilidade e estabilidade a investimentos no longo prazo.

Diversos sinais desse ativismo apareceram no último mês. Um grupo de investidores internacionais responsável por cerca de 20 trilhões de reais enviou cartas a embaixadas brasileiras manifestando preocupação com o aumento do desmatamento na Amazônia. E mais de 50 CEOs de grandes empresas no país lançaram manifesto pedindo combate ao desmatamento. Ambos os grupos foram recebidos pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia. Na terça-feira (14/07), 17 ex-titulares do Ministério da Fazenda e do Banco Central brasileiros lançaram carta cobrando uma retomada sustentável da economia após a pandemia.

Tais iniciativas foram potencializadas pelo descaso do governo Jair Bolsonaro em relação a questões ambientais, mas refletem também um movimento global, cujo ponto de inflexão ocorreu em janeiro, no último Fórum Econômico Mundial. Durante o encontro, na cidade suíça de Davos, o Bank for International Settlements (BIS), conhecido como o banco central dos banco centrais, divulgou um relatório alertando para os riscos que as mudanças climáticas podem trazer à estabilidade da economia e do sistema financeiro.

No mesmo evento, o fundo BlackRock, maior gestor de ativos do mundo, anunciou que seus novos investimentos seriam destinados apenas a companhias com responsabilidade ambiental, e que tiraria dinheiro ou usaria seu poder de voto em investimentos existentes para forçar as empresas a caminhar nessa direção.

A decisão do BlackRock se relaciona às duas principais variáveis que orientam os investidores sobre onde colocar dinheiro: risco e retorno. No mercado financeiro, está se consolidando a percepção de que empresas que não conseguem manejar de forma inteligente os recursos naturais demonstram não estar preparadas para se manter na liderança de seus setores no futuro. Portanto, seriam investimentos mais arriscados e com potencial de perda de rentabilidade, afirma à DW Brasil Celso Funcia Lemme, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro especializado em finanças e sustentabilidade corporativa.

Nesse contexto, retirar os investimentos de empresas que ignoram seu impacto ambiental é, mais do que uma opção, um dever dos gestores dos fundos, que têm a chamada responsabilidade fiduciária de agir de acordo com os interesses dos donos do dinheiro.

Há outros incentivos em jogo. Segundo a economista Maria Eugênia Buosi, sócia-fundadora da consultoria Resultante, o engajamento de uma empresa com sustentabilidade é hoje interpretado como um sinal de que ela tem uma gestão eficiente e, portanto, está mais bem posicionada para ter retorno financeiro no longo prazo. Além disso, indica uso mais eficiente de recursos como água e energia e menor exposição a multas e passivos ambientais.

Por fim, a performance ambiental das companhias também reduz o risco reputacional, diz Marcelo Seraphim, diretor no Brasil da Principles for Responsible Investment (PRI), organização criada com apoio da ONU para elaborar princípios norteadores de investimentos sustentáveis.

“Nenhum detentor de ativos, seja ele uma seguradora, um fundo de pensão ou um family office gostaria de ver seu dinheiro financiando empresas cujas atividades envolvam trabalho escravo, desmatamento, emissão descontrolada de gases de efeito estufa”, afirma.

Lógica semelhante se aplica à análise sobre em qual país os investimentos serão feitos, diz Seraphim. “A comunidade financeira hoje analisa a atratividade dos investimentos nos países também do ponto de vista dos riscos ASG [ambientais, sociais e de governança], exatamente como fazem com as empresas”, diz.

Risco sistêmico das mudanças climáticas

Além da atenção dos investidores aos fundamentos de cada empresa, existe preocupação no mercado financeiro com os riscos sistêmicos das mudanças climáticas, detalhados no relatório do BIS apresentado em Davos.

O aumento da temperatura média, a alteração do regime de chuvas e a ocorrência de eventos extremos, como furacões e ciclones, têm potencial de afetar diretamente diversos setores da economia.

Um exemplo, citado por Lemme, são as indústrias de refrigerantes e cerveja, que dependem de grande quantidade de água de qualidade. Crises hídricas, como a que ocorreu no estado de São Paulo de 2014 a 2016, impactam de forma emergencial essas companhias.

Outro setor vulnerável é o agronegócio, responsável por 21% do PIB brasileiro de 2019 e estratégico para a balança comercial do país. Já está comprovado que o desmatamento da Floresta Amazônica afeta os “rios aéreos”  que levam umidade para outras regiões e reduz o volume de chuvas.

“O sistema de chuvas é o que faz agronegócio, e a alteração do clima e da qualidade do solo afeta sua produtividade”, afirma Lemme, lembrando que pesos pesados do setor, como Amaggi e Cargill, assinaram a carta deste mês pedindo ao governo combate ao desmatamento.

As indústrias de cosméticos e medicamentos também são prejudicadas pela destruição da floresta, pois da biodiversidade surgem essências e substâncias importantes para os produtos. E a elevação do nível do mar e a ocorrência de eventos extremos implicam em riscos para o setor de infraestrutura urbana, estradas e ferrovias.

A evolução do “dinheiro verde”

“O movimento por mais sustentabilidade nas empresas começou de forma voluntária. Em seguida vieram acordos. E agora estamos vendo isso transitar na esfera regulatória”, diz Buosi.

Na virada do século, práticas sustentáveis eram um nicho de mercado e estratégia de marketing de empresas. Em 2006, foi lançado o PRI, que busca engajar o mercado financeiro por meio da persuasão. Em 2015, o Banco Central brasileiro passou a exigir que todas as instituições financeiras tenham uma política de responsabilidade socioambiental.

Em 2017, o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg liderou o lançamento da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês), que pressiona empresas a divulgarem dados sobre seu impacto climático para que investidores usem esses indicadores em suas decisões.

Paralelamente, vem crescendo o apetite de investidores por “títulos verdes”, instrumentos financeiros negociados no mercado de capitais que detêm um selo atestando o comprometimento com o controle ou reversão do impacto ambiental.

Oportunidades para o Brasil

Os especialistas consultados pela DW Brasil são unânimes em afirmar que o atual governo brasileiro provocou retrocessos na área e desperdiça oportunidades de atrair recursos que buscam financiar projetos sustentáveis.

“Até dois anos atrás, o país era visto como protagonista na preservação ambiental, e os dados de combate ao desmatamento na Amazônia são provas disso. O país caminhava para obter os louros desse protagonismo, quando passaria a atrair capital de investidores responsáveis. No entanto, houve uma guinada muito prejudicial na forma como os gestores públicos passaram a ver a questão. De repente, nossa floresta tropical passou da condição de bônus para se transformar num ônus”, afirma Seraphim, para quem o governo “enfraqueceu a posição até então de vantagem comparativa que o Brasil tinha”.

Para Buosi, o Brasil precisa sair do “discurso reativo” na área ambiental e olhar para a sustentabilidade como um meio de buscar verbas, dada a abundância de recursos de fundos, bancos multilaterais e linhas de financiamento destinadas a iniciativas ambientalmente corretas.

Segundo ela, esse “dinheiro verde” tem a vantagem de superar restrições hoje impostas do Brasil, como ser um país sem grau de investimento e que não faz parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “São entraves que barram a vinda de alguns investidores, mas o ‘dinheiro verde’ é capaz de contorná-los”, diz.

Uma estratégia que poderia ser mais explorada, diz Lemme, é o pagamento por serviços ambientais, nos quais se busca recursos para projetos que preservam o meio ambiente e ao mesmo tempo criam alternativas sustentáveis de geração de renda.

“Temos um potencial enorme. É um ativo colossal para negociações internacionais, aberturas diplomáticas e desenvolvimento social, econômico e ambiental, e não um passivo a ser resolvido com serra e fogo”, afirma.

Crédito:  Deutsche Welle – disponível na internet 18/07/2020

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