Uma série de fraudes envolvendo o currículo levou Carlos Decotelli a deixar o Ministério da Educação antes mesmo da cerimônia de posse como ministro, no fim do mês passado. O caso gerou grande repercussão, mas a prática de mentir no histórico acadêmico ou profissional é mais comum do que se imagina. De acordo com pesquisa da consultoria DNA Outplacement, 75% dos brasileiros escrevem informações falsas ou distorcidas no CV.
Na esfera pública, as fraudes também não são raras: personalidades políticas como a ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, tiveram informações desmentidas. De acordo com Lucas Oggiam, diretor da Page Personnel, empresa global de recrutamento, a maioria das pessoas que mentem no currículo fantasia atributos porque acredita que a prática não afetará ninguém.
No entanto, ele explica que o preço da desonestidade pode ser alto, pois deixa uma mancha permanente na imagem. “Situações como a do ex-ministro (da Educação) nos mostram como nossa vida profissional e as informações que a gente passa para outras pessoas precisam ser levadas a sério, porque é nossa reputação que está na reta”, afirma o consultor, graduado em negócios internacionais pela Liberty University, na Virgínia (EUA).
“A mentira pode até supostamente beneficiar em curto prazo, mas a médio e longo prazos, ela costuma ser muito danosa para a carreira”, acrescenta. Segundo Lucas Oggiam, “mentir no currículo é a pior escolha que um profissional pode fazer em sua carreira”. Jefferson Kiyohara, professor de ética e compliance da FIA Business School, explica que, muitas vezes, o profissional inventa habilidades para assumir determinada vaga e acaba sendo eliminado justamente pela postura antiética de mentir no currículo.
Chance desperdiçada
Kiyohara recorda-se de um processo seletivo que a ICTS Protiviti, empresa da qual é diretor, apoiou. “A vaga não exigia conhecimentos avançados ou fluência em inglês, mas o candidato colocou isso no currículo. Por outro lado, a honestidade era muito importante, porque a oportunidade seria para trabalhar no programa de ética da companhia”, relata.
“Na entrevista, deixei bem claro que não era necessário ter fluência em inglês e perguntei se esse era realmente o nível de proficiência do candidato, o qual disse que sim. Avisei, então, que iria testá-lo, e ele não demonstrou nem conhecimento básico no idioma”, relembra. Kiyohara conta que levou a situação à empresa contratante e a companhia recusou o profissional por causa do ocorrido. “Foi uma pessoa que perdeu a oportunidade de estar empregada porque mentiu no currículo.”
75%
Índice de brasileiros que mentem no currículo
Fonte: DNA Outplacement
A polêmica de Decotelli
No caso de Carlos Decotelli, que nem chegou a tomar posse como ministro da Educação, a primeira mentira veio à tona nas redes sociais. Ao anunciar o novo dirigente do MEC, em publicação no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que ele era doutor pela Universidade de Rosário. O reitor da instituição argentina, Franco Bartolacci, respondeu: “Precisamos esclarecer que Carlos Alberto Decotelli da Silva não obteve na @unroficial o doutorado mencionado nesta comunicação”.
Dias depois, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, afirmou em nota que, diferentemente do que constava no currículo lattes, Decotelli não tinha concluído o programa de pós-doutorado pela instituição. Por fim, a Fundação Getulio Vargas (FGV) negou que Decotelli tenha sido professor efetivo da instituição. “Professor Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer das escolas da Fundação”, informou a FGV.
Há níveis diferentes de gravidade?
Será que todas as mentiras no currículo são vistas da mesma forma pelos recrutadores? De acordo com Lucas Oggiam, diretor da Page Personnel, a resposta é não. “Mentiras sobre os lugares por onde você passou, posições e certificados que obteve são encaradas de forma muito mais grave pelo recrutador do que mentiras que são potencialmente um engano de percepção”, argumenta.
Ele explica que, em se tratando de habilidades que dependem de autoavaliação, o candidato pode se confundir. “Quando uma pessoa coloca no currículo que tem inglês avançado, você vai testar e ela diz que está meio enferrujada, você entende que ela pode ter se enganado em vez de mentido. Ok, faz parte da vida. A gente aceita isso”, exemplifica.
“Agora, no caso de uma questão mais técnica, um certificado, um diploma ou algo do tipo, não tem como você se enganar. Essa parte não é questionável. Essas mentiras, sem dúvida, pesam mais sobre o candidato”, elucida. Na avaliação de Jefferson Kiyohara, graduado em administração de empresas pela Universidade de São Paulo (USP), eticamente, não há distinção entre níveis de mentira.
No entanto, ele admite que, embora continue sendo antiético, “é até compreensível (para o recrutador) quando a pessoa tenta subir um pouco a régua, do tipo: estudou sete anos de inglês, tem um conhecimento avançado e diz que é fluente ou, então, alguém que tem conhecimento intermediário de Excel e coloca no currículo que tem plenos conhecimentos”. De acordo com o diretor da ICTS Protiviti, geralmente, as pessoas “maquiam” o currículo não por engano, mas para buscar um status que elas não têm.
“Muitas vezes, o candidato quer compensar algo que entende ser uma injustiça. Ele pensa: ‘Puxa, eu sou a pessoa perfeita para essa vaga, mas não atendo a determinado requisito’. Por isso, a pessoa não hesita em fazer esse tipo de ajuste.” O professor de ética e compliance da FIA Business School alerta que os processos seletivos precisam ser transparentes em ambos os lados. “A gente sabe, também, que muitas empresas colocam requisitos que não fazem o menor sentido para aquela posição. Isso, também, acaba induzindo algumas pessoas a buscar uma valorização do currículo.”
As lorotas mais comuns
As mentiras no documento profissional vão desde colocar nível mais avançado em alguma habilidade ou idioma até ao caso de inventar um diploma. “Algumas (mentiras) são comuns; outras, não. Mentir a formação acadêmica, por exemplo, não é tão típico”, afirma o diretor da Page Personnel, Lucas Oggiam. “Normalmente, isso ocorre quando a pessoa começou determinado curso, mas não terminou por algum motivo e o coloca no currículo mesmo assim”, diz.
“Há, também, casos de pessoas que colocam uma graduação no documento sem ter apresentado o TCC (trabalho de conclusão de curso)”, completa. Esse tipo de atitude assemelha-se a uma das distorções do currículo de Carlos Decotelli, que afirmou ter doutorado por uma universidade argentina. Apesar de ter cursado as disciplinas, ele não defendeu a tese, portanto, não tinha o título de doutor.
De acordo com Lucas Oggiam, as inconsistências mais comuns encontradas nos CVs de candidatos dizem respeito ao tempo que o profissional passou em determinada empresa e, principalmente, ao nível de um segundo ou terceiro idioma. Segundo Taís Rocha, psicóloga e diretora de operações do Grupo Soulan, consultoria em recursos humanos, mentir sobre o nível de proficiência em um idioma chega a ser “quase normal”, apesar de ser claramente errado.
“Tanto que as avaliações de língua estrangeira nos processos seletivos são igualmente normais. Sempre que um idioma é exigido, testamos os candidatos em todos os níveis: gramática, oral e escuta (listening)”, afirma. “Com relação à formação acadêmica, não é tão comum, mas, sim, acontece”, aponta. “Já tivemos o caso de uma falsa psicóloga que atuou por anos na área. Foi um choque quando recebemos a notícia de que ela não era formada. É claro que essa situação foi tratada na esfera jurídica”, relata.
Falsidades facilmente detectáveis
Recrutadores experientes dizem que não é difícil descobrir se uma pessoa mentiu no documento profissional. Geralmente, os avaliadores conseguem verificar incoerências no currículo ao fazer um levantamento sobre o histórico do candidato ou, então, na hora da entrevista, como explica o consultor em Recursos Humanos Lucas Oggiam.
“Eventualmente, você começa a identificar trejeitos que a pessoa apresenta quando está contando algo que é uma inverdade ou algo de que ela não está tão segura”, explica. “Ao analisar o contexto geral do currículo, o recrutador também consegue analisar algumas inconsistências que acendem faróis amarelos”, complementa.
Segundo Taís Rocha, psicóloga formada pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), é “ingênuo” alguém mentir sobre a formação acadêmica, por exemplo. “Um simples telefonema para a referida universidade e sabemos se aquele título foi conferido àquela pessoa ou não”, justifica.
Diretor da ICTS Protiviti, Jefferson Kiyohara concorda. “O candidato que mente esquece que é algo muito facilmente detectado, seja durante as entrevistas, seja quando a gente faz algum tipo de levantamento, como um background check (verificação de antecedentes).”
Preze sempre pela sinceridade
Enquanto algumas pessoas inventam diplomas e ocupações no currículo, outras preferem omitir empregos passados. Isso porque, quando a passagem por determinada empresa é curta, o candidato acredita que será malvisto pelo recrutador. “Muitas vezes, uma pessoa fica dois ou três meses em determinado lugar e acaba omitindo essa informação no currículo porque acredita que vai ‘manchar’ o histórico”, pontua Lucas Oggiam.
“No entanto, considero pior quando você descobre durante a entrevista que a pessoa tem algo no histórico profissional que ela não descreveu”, opina. De acordo com o diretor da Page Personnel, quando um avaliador se depara com uma passagem curta no currículo, ele sempre tenta entender por que o candidato não se deu bem na empresa. “O avaliador vai dizer: ‘Olha, você ficou aqui três ou quatro meses, um pouco menos do que ficava nos outros empregos. O que aconteceu? Foi um caso atípico?’ Ele nunca vai deixar de perguntar e tentar entender”, afirma.
Por isso, o conselho dele é ser o mais sincero possível com o recrutador ou o futuro empregador, sem omitir ou maquiar informações. “O currículo tem que estar bonito e vistoso para a profissão que você quer? Sim. Mas, ao mesmo tempo, ele precisa ser verdadeiro, porque, se uma empresa vai entrevistar um candidato e metade do que estava no documento não é verdade ou, se ele não consegue bancar aquilo em uma entrevista, fica muito pior.”
O professor Jefferson Kiyohara concorda que os candidatos não devem omitir esse tipo de informação. “A pessoa não coloca determinada passagem no currículo, porém, mais para frente, ela vai ter de apresentar a carteira de trabalho. Como vai ter um registro de dois meses de algo que ela não citou na entrevista nem no currículo? Essa pessoa vai entrar na empresa passando qual mensagem?”, questiona.
Sintomas inexistentes
Pesquisa da Heach Recursos Humanos identificou que 47% das empresas participantes já enfrentam a situação de funcionários alegarem sintomas da covid-19 para serem afastados e ficarem sem trabalhar durante algumas semanas.
Quando o funcionário informa que está se sentindo mal e pode estar apresentando sintomas parecidos com uma gripe ou até de coronavírus, normalmente é orientado a procurar um médico e, provavelmente, deve ser informado sobre fazer o isolamento e o repouso. Com isso, a consultoria identificou que há pessoas tirando proveito da situação.
Esse tipo de desonestidade, além de prejudicar a empresa, coloca o próprio emprego em risco e a reputação do profissional. Se a mentira for descoberta, a chance de demissão é alta e, se houver comprovação, até por justa causa. Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos, avalia que a pandemia é um divisor de águas na seleção de candidatos e na avaliação sobre manter ou não um empregado na firma.
O perfil comportamental desejado mudou, e as companhias buscam pessoas com foco em solução de problemas, nível de engajamento alto, flexibilidade cognitiva e sentimento de dono.
47%
Total de empresas que identificaram empregados mentindo sobre sintomas de covid-19 para não trabalhar
“Meus colegas sempre mentiam no currículo”
Na época em que o bancário Eric Azevedo, 31 anos, estudava economia na Universidade de São Paulo (USP) e participava de processos seletivos para concorrer a uma vaga de estágio, o nível de proficiência em inglês era sempre um dilema na hora de montar o currículo. Apesar de ter estudado a língua estrangeira durante seis anos e ter dado aulas de inglês antes de ingressar na faculdade, Eric não colocava que era fluente.
“Era mais por uma questão de cautela, porque não tinha certificado de proficiência. Colocava ‘avançado’ por medo de, se um dia eu fosse entrevistado em inglês, o recrutador falasse que, por causa do meu sotaque, eu não era fluente”, relembra. “Só que eu comecei a ver colegas de turma escrevendo que eram fluentes no currículo sendo que não tinham nem o nível intermediário”, acrescenta.
Ele decidiu, então, modificar o CV. “Depois que eu fiz isso, (a língua estrangeira) passou a não ser um fator de seleção nas vagas que eu almejava. Muitas vezes, eu provava que sabia o idioma depois de entrar na empresa. As pessoas viam que eu sabia falar (inglês) e estava tudo certo”, relata. “Agora, tenho certificação. Então, fica mais fácil provar.”
O morador de Ribeirão Preto lembra que, além de mentirem sobre o nível de proficiência em inglês, muitos colegas costumavam “inflar” o nível de conhecimento do pacote Office. “Eu via que também era algo passível de maquiagem. No meu caso, colocava ‘avançado’, porque acreditava que era meu nível mesmo”, conta.
“Precisei omitir o mestrado para trabalhar”
O paulista Muhammad Puncha, 36 anos, usou um recurso um tanto quanto inusitado para conseguir emprego — ele omitiu, no currículo, o mestrado em educação tecnológica e a experiência como gestor em uma empresa. Isso porque os recrutadores sempre falavam que ele era “muito qualificado” para as vagas*.
“Eu terminei meu mestrado em 2011 e, em 2013, aceitei a proposta de assumir um cargo de gestão em uma empresa de software, em São Bernardo dos Campos. Só que, cerca de um ano depois, o trabalho não estava indo bem. Eu não estava feliz e decidi pedir demissão”, relembra o pedagogo.
Muhammad retornou para a cidade natal, Araraquara, onde começou a procurar emprego, mas teve muita dificuldade. “As contas vinham e eu não tinha o que fazer. Os bicos não estavam dando conta de pagar as despesas. Então, comecei a distribuir meu currículo para tudo quanto foi lugar”, relata. “Só que, quando tinha retorno, a resposta era esta: estamos procurando uma pessoa que está começando agora e que não vai abandonar o cargo assim que conseguir outro”, acrescenta.
“Foi quando eu percebi que eu precisava mudar o CV porque, se eu colocasse toda minha experiência, eu nunca seria chamado.” Foi assim que Muhammad conseguiu emprego como caixa de um supermercado, onde ficou por alguns meses, até passar em um concurso público para ser professor da educação infantil da rede municipal de Araraquara. Atualmente, ele também faz mestrado em ciências sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Análise de um recrutador
Lucas Oggiam, diretor da Page Personnel, empresa global de recrutamento, avalia o porquê de, muitas vezes, profissionais qualificados demais para a vaga não serem chamados.
“Historicamente, a pessoa que aceita uma posição mais baixa do que ela tinha antes, no momento em que receber uma proposta similar à anterior, vai aceitar. Então, não é porque os recrutadores não acreditam no interesse da pessoa naquela posição. É porque ele sabe que o risco de perder uma pessoa no período de seis a 12 meses é alto. E o desafio do recrutamento não é só fazer com que o candidato entre na empresa, mas que ele se mantenha.”
“As contas vinham e eu não tinha o que fazer. Os bicos não estavam dando conta de pagar as despesas. Então, comecei a distribuir meu currículo para tudo quanto foi lugar. Só que, quando tinha retorno, a resposta era esta: estamos procurando uma pessoa que está começando agora e que não vai abandonar o cargo assim que conseguir outro”
Muhammad Puncha, professor de educação infantil
Palavra de especialista
O que diz a legislação?
“Inicialmente, as mentiras no currículo parecem inofensivas, mas elas podem acarretar, sim, problemas ao longo do tempo, como demissão por justa causa e até mesmo problemas que envolvem a Justiça. Não há uma lei específica para casos de falsificação do currículo, por isso, não existe penalização direta para esse ato.
No entanto, nós temos situações em que o Código Penal Brasileiro pode trazer algumas previsões no caso de falsificação de documentos, que prevê reclusão de um a cinco anos (art. 298). Essa prática também pode gerar demissão por justa causa, fazendo com que a pessoa perca os benefícios trabalhistas, como aviso prévio, férias proporcionais, décimo terceiro e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), conforme o art. 482 da CLT.”
Vanessa Santos Diniz, graduada em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), especialista em direito civil e das sucessões, advogada atuante na área administrativa distrital no escritório Riedel, Resende e Advogados Associados
Credibilidade por terra
Relembre casos famosos de pessoas que “maquiaram” o currículo
No começo do ano passado, o site The Intercept Brasil revelou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não obteve título de mestre em direito público pela Universidade Yale, nos Estados Unidos.
O histórico de Salles havia sido veiculado em um programa da TV Cultura. A produção afirmou que tirou as informações de um perfil do ministro no site Nexo. O Nexo, por sua vez, disse que usou um artigo publicado por Salles na Folha de S. Paulo em 2012, que trazia sua biografia. Por fim, o ministrou culpou a assessoria de imprensa dele pelo equívoco.
Antes de ser nomeada para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves se apresentava em discursos e palestras como advogada, mestre em educação, em direito constitucional e em direito da família. Ela admitiu, no entanto, que nunca obteve os títulos acadêmicos.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, em janeiro de 2019, afirmou que os títulos teriam relação com o ensino bíblico. “Diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico.”
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, informou no currículo Lattes que parte do curso de doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) teria sido feito na universidade americana de Harvard.
No entanto, em maio do ano passado, o jornal O Globo desmentiu a informação. A assessoria do governador corrigiu a informação e informou que o registro na plataforma dizia respeito à intenção de Witzel no momento em que começou o doutorado, em 2015, quando ainda era juiz federal.
Em 2009, quando era ministra da Casa Civil, a ex-presidente Dilma Rousseff teve mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) desmentidos.
Uma reportagem da revista Piauí apontou os erros no currículo Lattes da ex-chefe do Executivo. Apesar de ter estudado na instituição após o bacharelado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Dilma Rousseff não chegou a concluir os cursos.
Em 2019, a professora de ensino técnico Joana D’Arc Félix de Sousa, que ficou conhecida pela história de superação que viraria filme, teve o pós-doutorado em Harvard desmentido pelo jornal O Estado de S. Paulo. A reportagem pediu documentos que demonstrassem o trabalho que ela havia feito nos Estados Unidos. Joana enviou um diploma com a data de 1999, o brasão de Harvard, o nome dela e a titulação “Postdoctoral in Organic Chemistry”.
O jornal mandou o documento para ser confirmado por Harvard, e a instituição informou que não emite diploma para pós-doutorado. Também alertou sobre um erro de grafia (estava escrito “oof”, em vez de “of” em uma parte do texto). Cinco anos antes, ela havia sido condenada pela Justiça a devolver R$ 369,2 mil para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por uma pesquisa que ela não comprovou ter feito.
Ajuda para pegar na mentira
Georg Frey, pesquisador especializado em psicologia da mentira, observa que, durante a pandemia, o uso constante de máscaras poderia facilitar inverdades, uma vez que o equipamento de proteção esconde algumas expressões faciais. Movimentos de boca e seus variados significados podem ser disfarçados.
Fica mais difícil, mesmo assim, Georg Frey defende que é possível, sim, perceber indícios de meias verdades ou mentiras completas em muitos gestos e sinais. O pós-graduado em criminologia e psicologia criminal e fundador da U.A.C.H (Unidade de Análise do Comportamento Humano) explica que isso é identificável até mesmo em atividades a distância, enquanto as pessoas estão em home office.
Criminólogo, comissário especial da Polícia e gestor em segurança pública, ele alerta que mentir independe de nível social, econômico, identidade sexual, idade, geografia ou religião. O especialista lembra que as pessoas mentem pelos mais variados motivos, na maior parte das vezes esperando ter algum tipo de vantagem, seja financeira, profissional, social, seja sexual.
Quem mente sabe dos riscos que corre, mas sempre acha que, de alguma forma, pode valer a pena. Autor do livro Eu sei que você mente! — aprenda a detectar mentiras (2019), Georg Frey destaca comportamentos para ficar atento a fim de identificar mentiras durante um processo seletivo ou outra ocasião:
Pessoalmente ou em vídeo chamadas
Olhos
Observe se a pessoa está piscando muito. Piscar rapidamente e com frequência maior do que o normal é forte indício de que a fisiologia dessa pessoa está alterada. Piscamos mais quando mentimos porque não conseguimos controlar o nosso sistema nervoso autônomo (SNA). Quando nos sentimos em perigo, com risco de sermos pegos e sofrermos algum tipo de punição ou vergonha, nossa adrenalina dispara, aumentando a frequência cardíaca, dilatando as pupilas. O piscar mais faz parte desse conjunto de reações, inclusive como tentativa natural do corpo em manter os olhos abertos por mais tempo, caso uma fuga imediata seja necessária.
Mãos
Perceba os gestos feitos com as mãos. Como o corpo fala o tempo todo, os movimentos das mãos podem revelar esforços adicionais para que uma afirmação seja aceita. Um indicativo de esforço extra para que acreditem em nossas mentiras são o esfregar de mãos, o estalar e/ou apertar de dedos, um reflexo de uma força a mais que se faz para conter a ansiedade causada pelo ato de mentir.
Voz
Perceba se a pessoa gagueja em algum momento. Tropeçar em alguma sílaba ou ter dificuldade na pronúncia contínua e natural de uma palavra ou frase frequentemente pode ser associado a um comportamento ansioso. Ansiedade que pode ser resultado de um cérebro que está trabalhando, freneticamente, na elaboração de histórias que convençam e garantam algum reconhecimento, privilégio, impunidade ou qualquer outro tipo de vantagem.
Pés
Note a posição dos pés, se eles apontam, mesmo que involuntariamente, para um desejo ou intenção de fuga. De forma absolutamente natural, o corpo programa posturas de fuga, como que para escapar de uma situação inconveniente por causa de uma mentira descoberta.
Tiro no pé
Renata Motone, especialista em Recursos Humanos da Luandre, consultoria com 50 anos de atuação no mercado, percebe que é comum candidatos mentirem no currículo e até na entrevista. Ela observa, porém, que um profissional com experiência em RH dificilmente não percebe as falsidades. Mesmo se o candidato passar com a falsificação, ao assumir o cargo, a incongruência transparece se pré-requisitos não estiverem sendo preenchidos de verdade. A falta de ética é outro problema. Confira mentiras usuais no CV ou na entrevista:
Valor salarial
Há quem minta sobre o salário anterior como forma de se valorizar e tentar uma negociação por um valor maior no próximo emprego. Renata aconselha a não fazer isso porque há uma média salarial para cada cargo e quem seleciona sabe disso.
Idiomas
Fluência em língua é outra mentira frequente. A questão é que na primeira prova escrita ou entrevista oral já se nota a diferença entre o real e o que se conta no currículo. Ela aconselha a ser claro quanto às habilidades linguísticas, afinal, há vagas em que não é necessário o inglês.
Voluntariado
Muitos querem impressionar e acreditam que adicionar experiência como voluntário em causas sociais vai facilitar a contratação, mas não passam autenticidade na entrevista. A estratégia em vez de contar pontos, joga contra. Além disso, este não é um fator decisivo na maior parte dos casos, portanto, só deve constar no currículo se, de fato, o candidato puder contribuir para a empresa com sua real vivência como voluntário.
Universidade
Como forma de status, candidatos mentem sobre a universidade em que se graduaram ou falam sobre MBAs, doutorados e outros títulos que não têm efetivamente. Há cargos que exigem formação específica, mas o importante é poder comprovar o conhecimento. Onde o candidato cursou a faculdade não é um ponto decisório, experiência e conhecimento contam mais.
Demissão
Não existe problema em dizer que foi demitido. É algo até considerado normal e pode acontecer por uma série de razões. O que se deve evitar é falar mal da empresa anterior, mesmo que a demissão não tenha sido amigável. Tentar atacar o antigo empregador só gera dúvidas ao selecionador sobre o caráter do candidato. O melhor é ser direto e sutil sobre o motivo da demissão.
Crédito: Isadora Martins – estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa/Correio Braziliense – disponível na internet 21/07/2020