O Ministério Público Federal (MPF) cobrou da Eletronuclear nesta quarta-feira (29/7) o cumprimento de medidas socioambientais indígenas, pelos impactos causados com as três usinas nucleares (Angra 1, 2 e 3), na região. A morte do cacique Domingos Venite, de 68 anos, da tribo Sapukai, maior aldeia indígena em Angra dos Reis, vítima de coronavirus (COVID-19), no último dia 21/7 reacendeu o alerta sobre a possibilidade de aumento de casos na região, que já contabiliza cerca de 90 indígenas infectados. O MPF deu 90 dias no máximo, para que a estatal, gestora das usinas, tome as providências.
O MPF requer que a empresa execute medidas mitigadoras do impacto socioambiental direto dos empreendimentos a todas as comunidades tradicionais indígenas em Angra dos Reis e Paraty (Aldeia Indígena Itaxi, Terra Indígena de Parati-Mirim – Paraty; Aldeia Indígena Arandu-Mirim, Aldeamento em fase de identificação – bairro Mamanguá – Paraty; Aldeia Indígena Karai-Oca , Terra Indígena Araponga – Paraty; Aldeia Indígena Rio Pequeno, Aldeamento em fase de identificação – Paraty; e Aldeia Indígena Sapukai, Terra Indígena Bracui – Angra do Reis.
O cacique estava internado no Centro de Tratamento de Covid-19 desde o dia 26 de junho, e sua morte abalou os indígenas. A Secretaria Municipal de Saúde orientou a tribo a sepultar o corpo no cemitério da aldeia, respeitando as normas estabelecidas. A Prefeitura de Angra informou que 88 indígenas estão infectados pelo coronavírus. O grupo está sendo acompanhado por uma equipe médica que atua em na Unidade de Saúde da Família da aldeia.
Atualmente, cerca de 350 indígenas da tribo guarani vivem na aldeia Sapukai, que fica localizada a cerca de 6 km da BR-101 (Rodovia Rio-Santos), na região de Bracuí. A comunidade vive em uma área montanhosa cercada por Mata Atlântica.
O procurador da República, Igor Miranda da Silva, afirmou que a Eletronuclear deve cumprir o que foi imposto no Processo de Licenciamento Ambiental, destacando-se que as exigências dessas condicionantes possuem fundamento jurídico e técnico, amparados, ”sob pena de invalidade, a emissão e efeito das Licenças, bem impondo óbice à sua renovação ou ampliação (novas licenças ou autorizações)”.
Segundo ele, o procedimento de licenciamento ambiental” não pode furtar-se à avaliação dos impactos que os empreendimentos possuem sobre o desenvolvimento socioeconômico de comunidades locais, impondo-se o indeferimento das licenças ambientais sempre que houver grave violação aos direitos humanos, aos espaços territoriais e aos modos de vida que conformam a dignidade humana de povos e comunidades tradicionais”.
O procurador expediu recomendação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que a autarquia ambiental não emita qualquer renovação, nova licença ou autorização ambiental em atividade na Central Nuclear de Angra, enquanto não houver início (recomeço) de execução da condicionante indígena.
Essas condicionantes são a execução de programa socioambiental voltado para a comunidade indígena da região, bem como apresentação e execução de Plano de Trabalho baseado no Termo de Referência da Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, “apesar de realizadas inúmeras tratativas e tentativas, foram infrutíferas para sanar a pendência sobre a execução do convênio celebrado pela Funai e Eletronuclear, cuja execução está paralisada desde 2002”, detalha a recomendação.
Em 2005, a Eletronuclear se manifestou favorável à realização de novo convênio, e, novamente em 2010, expressamente afirmou que está “de pleno acordo e ansiosa” para tal ajuste se realizar, de modo que possa retomar o cumprimento das condicionantes impostas.
Em relação ao termo de referência, a Funai encaminhou o documento para elaboração do estudo da matriz de impacto pela Eletronuclear em 2010, versão revisada em 2014 (a pedido da Eletronuclear) e já enviou novamente em 2016, versão atualizada do termo, porém, até o momento a Eletronuclear não apresentou Plano de Trabalho do estudo referente à matriz de impacto, segundo o MPF.
Nesse contexto, foi proposto a execução de projeto Tekoa, elaborado em parceria por estudiosos do Museu do Índio e pelas próprias Comunidades Indígenas locais “em ação inovadora e que eleva os povos indígenas ao protagonismo das ações compensatórias que lhes atingirão, em reafirmação ao fim do regime tutelar que não mais vigora em nosso Estado Democrático e Pluriétnico de Direito”.
Na ocasião, informou o MPF, a Funai se manifestou favorável à execução do Projeto Tekoa entendendo “pertinente como retomada do cumprimento das condicionantes referentes ao Processo de Licenciamento Ambiental das Usinas Angra 1 e 2 e; indagada quanto a se o projeto poderia ser executado diretamente pelas associações das comunidades indígenas locais, mediante treinamento e contratação de contador, informou que não há objeção desta Fundação da forma proposta de execução”. Porém, o projeto não saiu do papel.
“O Projeto Tekoa foi realizado há quase dez anos, certamente está desatualizado em relação às reivindicações dos índios e possa, inclusive, ser ampliado. Entretanto, certamente pode ser utilizado como ponto de partida de debate, com respeito à consulta prévia informada”, considera o procurador da República. Em reunião com o Ibama em 29/04/2019, a Eletronuclear informou que “não executará o Projeto Tekoa, pois as ações demandadas não resguardam relações de causalidade com os impactos ambientais gerados pela Central Nuclear”.
LEGADO –
Com relação à eventual acidente nuclear severo (quando há comprometimento do vaso do núcleo do vaso do combustível, a exemplo do ocorrido em Fukushima), o procurador da República destaca que “infelizmente, no último dia 21 de julho de 2020 o cacique da Aldeia Sapukai, Domingos Venite, faleceu na Santa Casa de Angra dos Reis, vítima do coronavírus. Ressalto que o socorro à liderança indígena sofreu atraso, em virtude da inexistência, à época da internação, de veículo com tração nas quatro rodas disponível para auxílio médico indígena. Em perspectiva, se houve dificuldade para a remoção de um único indígena, quem dirá para o deslocamento de toda uma população, na hipótese de eventual acidente nuclear severo. A omissão estatal e de empreendedor custam vidas. O legado do cacique Domingos deve ser honrado e respeitado”.
O Ministério Público Federal insiste que é inadmissível empreendedor não cumprir condicionantes socioambientais aos indígenas e os órgãos ambientais responsáveis permanecerem omissos em seu papel fiscalizatório ou mesmo punitivo.
RECOMENDAÇÕES –
Além dessas recomendações, o MPF também requer do Ibama, da Funai e do Município de Angra dos Reis (RJ) que, no prazo de 90 dias, exija da Eletronuclear esclarecimentos sobre o cumprimento das condicionantes, e seja observada, durante as tratativas para equacionamento das condicionantes para as comunidades indígenas, a consulta prévia e informada (Convenção n. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra em 1989, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 5.051/2004 e posteriormente consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019) às populações tradicionais na realização de projetos em cumprimento das condicionantes socioambientais.
Além disso, ao município de Angra, que não admita eventual argumento de paralisação das obras de Angra 3 para não execução das condicionantes socioambientais indígenas, já que as usinas Angra 1 e 2 estavam em pleno funcionamento, bem como com relação à Angra 3 a condicionante está prevista na licença prévia.
PANDEMIA
No começo deste mês, no contexto da pandemia de covid-19, o MPF e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP/RJ) expediram recomendação conjunta para orientar sobre série de medidas que deveriam ser adotadas para evitar propagação da doença entre indígenas, quilombolas e caiçaras na região.
A recomendação concentrou-se na segurança alimentar de indígenas e quilombolas, bem como no fornecimento de água potável, restrição de acesso às comunidades e acesso à saúde, com testagem para a nova doença. Na ocasião, destacou-se a situação da aldeia Sapukai, a maior do Rio de Janeiro, que reúne 420 índios guarani, registrava em 1° de julho 44 casos confirmados de covid-19.
“O relatório técnico do Grupo de Estudos da Baía da Ilha Grande (GEBIG/IEAR/UFF) do Instituto de Educação de Angra dos Reis – Universidade Federal Fluminense demonstra que o coeficiente de incidência (casos confirmados/100.000 habitantes) de covid-19 da aldeia indígena Sapukai é 10,4 vezes maior em comparação ao restante do município de Angra dos Reis, o que reforça a gravidade da situação epidemiológica da aldeia Sapukai”, alertava a recomendação.
NOTA PREFEITURA:
“Por parte da Prefeitura de Angra, no que diz respeito às medidas relacionadas aos indígenas, já existem ações em trânsito quanto à distribuição de cestas básicas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Promoção da Cidadania, assim como o cartão de benefícios do Bolsa Família. Quanto à distribuição de água potável, a mesma é efetuada pela A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Também como medida preventiva, estamos efetuando a ida da Coordenação de Saúde Indígena em conjunto com representantes da Equipe de ESF e da SESAI à aldeia, para uma roda de conversa informativa sobre a COVID-19 e sobre a importância do Isolamento comunitário, que foi bem acatado pelos indígenas, que inclusive, fecharam a porteira de acesso à aldeia.
Já em relação à questão da saúde, especificamente quanto à Covid-19, estamos efetuando a notificação e testagem de todos os pacientes com Síndromes Gripais, utilizando os testes rápidos cedidos pela SMS e casos pactuados conforme protocolo da Nota Técnica NOTA TÉCNICA – SVS/SES-RJ Nº 28/2020 – O Swab, que é fornecido tanto pela SMS como pela SESAI. Existe uma proposta da APS em realizar a testagem em toda a aldeia, visto a interligação dos “Japyguá”.
Esta ação está em estudo e terá o apoio da Enfermeira Coordenadora Distrital. Também acompanhamos os indígenas com comorbidades para efetuarem a testagem. Como medidas emergências quanto à saúde, estamos realizando a testagem dos contactantes dos casos, o Isolamento no “Japyguá por núcleo familiar”, conforme acordado entre Equipe e Lideranças Comunitárias, monitoramento e busca ativa pela Equipe de Saúde dos casos e de possíveis novos casos, testagem dos indígenas com comorbidades que ainda não tenham sido testados, orientação quanto a não visitação dos parentes de outros “Japyguá”, contratação, em caráter emergencial, da médica clínica pela SESAI para atender à população Indígena em geral.
Quanto às ações relacionadas aos quilombolas, estamos trabalhando a questão na ESF Bracuhy que corresponde a área de abrangência. Em relação aoscaiçaras, temos ações específicas de assistência e educativas para o quinto distrito (áreas de caiçaras que são atendidas pela ESF) e no quarto distrito (ESF Vila Histórica). De qualquer maneira, a testagem rápida está assegurada nas ESFs para as populações da aldeia, quilombolas e caiçaras.
A Eletronuclear não divulgou nota até o fechamento da matéria.
Crédito: Blog da jornalista Tânia Malheiros – disponível na internet 30/07/2020