Estudo brasileiro mostra que equinos podem produzir anticorpos dezenas de vezes mais potentes contra o novo coronavírus que humanos. Próxima fase, se aprovada, será de testes em pessoas infectadas.
No estudo, cinco cavalos do IVB, no Rio de Janeiro, receberam injeções da proteína S do novo coronavírus – a que forma espículas ou “pontinhas” ao redor do vírus – ao longo de seis semanas.
“Essa proteína é a que está presente na parte mais externa do vírus e em grande abundância, e é conhecida por estimular a produção de anticorpos – para os coronavírus em geral – com alto poder de neutralizar o vírus, ou seja, impedir que entre na célula e se propague”, explica Leda Castilho, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares (Lecc) da Coppe/UFRJ, que participou do estudo.
Ainda em fevereiro, Castilho modificou geneticamente células cultivadas em laboratório a partir de um gene do vírus, cedido por colaboradores dos Estados Unidos para fazer uma cópia da proteína. Na prática, portanto, a proteína não é retirada do vírus para ser diretamente inoculada em animais, mas reproduzida ou “copiada” em laboratório. Além de ser usada em pesquisas diversas, tem sido utilizada em testes de diagnóstico da covid-19 e em algumas formulações das vacinas que estão em desenvolvimento.
Os pesquisadores acompanharam a reação às inoculações semana a semana por meio de exames de sangue, e detectaram, em quatro dos cinco animais, anticorpos neutralizantes dezenas de vezes mais potentes do que os encontrados no plasma de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2.
“Em alguns pontos, chegou a ser 100 vezes maior [do que a potência dos anticorpos produzidos por humanos]”, afirma o pesquisador da UFRJ e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima Silva, um dos autores do estudo. Segundo ele, um dos cinco animais teve maior lentidão para apresentar resposta imunológica, mas também produziu anticorpos.
A ideia é que o soro obtido a partir do sangue de cavalos possa ser utilizado para tratamento de pessoas já infectadas, a exemplo do que é feito com casos de quem é contaminado por raiva ou picado por cobra e recebe soroterapia. Diferentemente da vacina, que contém agentes infecciosos capazes de fazer o corpo produzir anticorpos, o soro já vem com os anticorpos.
Para que possa ser aplicado em humanos, o plasma dos cavalos precisa ser purificado e filtrado. Os estudos clínicos, se aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ocorrerão em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR).
A pesquisa foi resultado de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Vital Brazil (IVB). Conforme os pesquisadores, enquanto não há vacinas aprovadas – e se quando houver, deve haver dificuldade em atender à grande demanda por vacinação –, a soroterapia pode ser uma opção para o tratamento de covid-19.
Argentina testa soro equino em humanos
Uma pesquisa semelhante está sendo conduzida na Argentina, com a cooperação de instituições como a empresa de biotecnologia Inmunova, a Universidad Nacional de San Martín (UnSam) e o Instituto Biológico Argentino. Os pesquisadores argentinos utilizaram, no entanto, somente uma parte da proteína S, conhecida como RBD. “Portanto, apenas anticorpos contra o RBD são gerados nos animais”, afirma Castilho, da UFRJ.
“Nós usamos a proteína S inteira, que é muito grande e com muitos açúcares pendurados nela, o que exige tecnologia mais sofisticada para produzi-la. Sendo grande e com a estrutura tridimensional como a que se encontra na superfície do vírus, os cavalos imunizados com a proteína S inteira produzirão uma gama de anticorpos contra todas as partes desta proteína; portanto o produto final terá maior potencial de neutralizar o vírus”, explica a pesquisadora.
No final de julho, a Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica (ANMAT), órgão regulador argentino, aprovou o ensaio clínico do soro de equinos em 242 humanos com covid-19, que apresentassem sintomas tanto moderados quanto severos.
Cavalos são usados para produzir outros soros
A escolha pelos cavalos se deve ao fato de o IVB já trabalhar com os animais para a produção de outros tipos de soro, como o antiofídico – fabricado no instituto há 100 anos – e o antirrábico. Segundo o diretor presidente do IVB, Adilson Stolet, os equinos são usados também em outros institutos pelo mundo por produzirem uma grande quantidade de imunoglobulina por ml e por serem de grande porte.
“Logo que surgiu a pandemia, pensamos que, se a gente fabrica isso [soro] aqui contra o vírus da raiva, poderíamos ver se era possível produzir contra o coronavírus”, diz Stolet.
Segundo ele, os animais que passam pela inoculação da proteína S do coronavírus não chegam a ter sintomas mais significativos e têm reações parecidas às de uma pessoa quando toma vacina, podendo apresentar febre baixa, por exemplo. Stolet afirma também que uma comissão de ética interna acompanha a questão do bem-estar dos animais.
O soro para o Sars-Cov-2, de acordo com os pesquisadores, poderia ser produzido com relativa facilidade no Brasil, em instituições que já produzem materiais do tipo, como o próprio IVB e o Instituto Butantã, em São Paulo.
Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 13/08/2020